janeiro 19, 2015

O fuzilamento do brasileiro, na Indonésia.



Preferiria não ter a minha segunda estreia neste blog abordando assunto que tomou conta do noticiário nas últimas semanas, precisamente  nos dois últimos dias, com a execução por fuzilamento do brasileiro Marco Archer,  na Indonésia.

Um assunto que me custa muito formar uma opinião.  E ainda não a tenho, em definitivo. Primeiro, como mãe,  sequer cogito a mais remota condição de saber que  um filho será executado, ainda que essa sentença tenha cumprido o devido processo legal. No caso do Marco, a Lei Natural da Vida se encarregou de cumprir o objetivo: pai e mãe morreram antes de passarem por mais esta dor, mas não sem antes terem vivido, com o filho, o cumprimento doloroso dessa punição, desde a prisão, em 2004, pelo tráfico de mais de 13kg de cocaína levados no tubo de sua asa delta. Segundo, sendo Marco Archer também brasileiro (e sem me esquecer de tantos outros nessa mesma espera, de outras nacionalidades), também me angustiei com o final tão triste. Por longos dez anos, à espera de que algo aconteça, que dê uma reviravolta, que o tempo pare, que as decisões mudem, que compreendam  a vida de uma pessoa mais importante do que qualquer lei, enfim. Terceiro, como refém de uma situação, começamos a achar que para alguns crimes como estupro, latrocínio, pedofilia, tráfico de pessoas, tráfico de drogas e tantos outros crimes, considerados hediondos, a pena de morte seria bem-vinda, como forma de mitigar o que as estatísticas nos mostram, dia a dia, no Brasil, com leis tão frágeis nesse sentido, resultando em reincidências e criminosos nas ruas, enquanto cidadãos de bem estão trancados em suas casas, com medo de saírem às ruas.

Um emaranhado de conclusões inconclusivas permeiam nossos pensamentos a respeito do que se passou. A verdade de cada um. Cada qual se fundamentando nos mais exacerbados argumentos e teorias sobre pena de morte. Eu não sei qual a "minha" verdade. Talvez nem ainda a soubesse, mesmo sofrendo na pele o que condenados (?) devem sofrer, merecedores ou não dessa punição. Morreria, sem compreender a verdade dos homens.

A execução do brasileiro, no último sábado, às 15h30 – horário de oficial do Brasil -, causou  diversas reações, entre indignação, tristeza, consternação e até aprovação do cumprimento da pena.  Trouxe à baila grande polarização entre críticos e defensores da pena de morteNesta última, pessoas que certamente têm inúmeros motivos para assim se posicionarem, ou porque já viveram, em família, o drama de filhos mortos, assassinados por traficantes, ou por terem morrido de overdose, vítimas, vítimas, vítimas...ou, simplesmente, apenas por torcerem para o circo pegar.  Até onde chega a falta de razão de um ser humano!?

Não houve pedido de clemência, do Papa à Presidenta Dilma, que sensibilizasse Joko Widodo, presidente da Indonésia empossado em outubro passado. Durante a campanha pela presidência da Indonésia,  prometeu aumentar a repressão ao tráfico de drogas em seu país.  As esperanças de Marco, a partir dali, começaram a ficar duvidosas.

Joko  sentenciou ao fuzilamento, inclusive, um cidadão da indonésia,  além de outros estrangeiros (Brasil, Vietnã, Nigéria, Holanda e Malauí).

Na fila da morte, outro brasileiro, Rodrigo  Gularte, preso em 2004, quando entrou na Indonésia com 6 kg de cocaína escondidos  em pranchas de surfe,  além de uma britânica, de 58 anos, envolvidos com o tráfico de drogas. E essas próximas execuções serão para breve, noticiam.

A Anistia Internacional (AI) classificou como um "retrocesso", o fuzilamento dos 6 condenados, na Indonésia.

Morte pela fogueira, empalamento, guilhotina, garrote, roda, pisoteado por elefante, apedrejamento, desmembramento, escaldamento, funeral vivo, crucificamento, entre outros,  foram os métodos de execução aplicados ao redor do mundo, ao longo da história (alguns ainda são usados), o que reafirma a posição da AII.  Embora a maioria dos países tenha abolido a pena de morte (no Brasil, essa prática é prevista em situações de guerra, no artigo 5º,inciso XLVII da Constituição Federal),  em 78 nações  é uma prática recorrente, seja por meio de injeção letal (China e Estados Unidos), decapitação (Arábia Saudita), enforcamento (Afeganistão e Irã), fuzilamento (Indonésia, Somália e Vietnã). 

Contudo, estudos demonstram, por exemplo, que dos 36 estados americanos que adotam a pena de morte, o índice de assassinatos por 100 mil habitantes é muito maior do que nos outros 14 estados que não condenam à morte. O que demonstra a ineficácia da pena consubstanciada no desrespeito ao ser humano e vulgarização da vida. Outro exemplo, a China, é o país que mais aplica penas de morte no mundo, com cerca de 4.000 mil execuções/ano, e mais da metade desse total, pasmem, é realizado antes de serem revisadas as sentenças, pela Suprema Corte.

Isso vem provar, em contrapartida, que o remédio pedagógico, como forma de inibir a prática de crimes, nem é tão eficaz assim. E nem vou entrar no mérito de quantos inocentes devem ter morrido, sem antes terem provado a inocência, e de quantos pertenceriam às classes sociais desprivilegiadas.  

O que o chamando mundo ocidental tem feito pela “humanização” da pena de morte? Podemos afirmar que houve um avanço, se considerarmos que na Idade Média as execuções eram um espetáculo público, como forma de ferir, também, a moral do indivíduo e de sua família. Com a consolidação da Inquisição na Igreja Católica, no século XVII, as  execuções eram por decapitação, enforcamento ou mortes na fogueira. (Nesse particular, tenho minhas críticas sobre como a Igreja Católica, que deveria, desde sempre, pregar o amor e o perdão, foi capaz de tamanha crueldade).

Avanço nos  métodos empregados, somente?  Com o episódio de Marco Archer, muito se ouviu: “Poderiam condená-lo à prisão perpétua, mas não matar”. Em uma das muitas matérias veiculadas nesses dias,  Marcos teria pedido que o matassem logo, uma vez negados todos os pedidos de clemência.  Como resposta, o diretor da prisão onde se encontrava preso respondera-lhe:  “Adoraria te matar agora, Marcos, mas o homem (presidente) ainda não deu a ordem”. 

Qual é a diferença, afinal, em matar em nome da  lei, matar como faz o grupo Boko Haram, como também no mais recente episódio do Charlie Hebdo,  o açoite do blogueiro saudita, em praça pública e tantos outros?

Poderia trazer à discussão, ainda,  a questão do limite da soberania de um país; o cumprimento às leis; a desproporção da não pena de morte para crimes mais graves; a tentativa em diminuir o número de crimes com a pena de morte, sem resultados plenos;  as falhas nessa negociação do governo brasileiro com o governo da Indonésia;  o nosso vulnerável Judiciário; as cadeias superlotadas; a não ressocialização do preso; a corrupção nos sistemas prisionais; qual a classe social que mais tem sofrido a condenação por pena de morte; e a contradição do governo da Indonésia: o mesmo que condena à morte é o mesmo que pede clemência à Arábia Saudita, para uma cidadã indonésia, por assassinato e roubo de sua empregadora. 

São temas que certamente merecem discussão, e são complexos, di per si.

Porém, finalizo com a posição do ex-ministro francês, Robert Badinter: "Porque nenhum homem é inteiramente responsável, porque nenhuma justiça pode ser absolutamente infalível, a pena de morte é moralmente inaceitável”.

E, talvez, eu tenha, enfim, formado uma opinião a respeito da pena de morte.



13 comentários:

  1. Todas os canalhas são estrábicos

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  2. O grande retrocesso civilizacional a que assistimos, tanto no mundo que consideramos mais terceiro, como nos que se acham na linha da frente, é esta deriva de sobreporem a lei ao direito.
    Há um enorme desvio da lei quando esta diverge profundamente do que lhe está na génese: o direito.
    Pelo direito pode (e acrescento: deve-se) ser contra a lei.
    Nenhuma lei se pode sobrepor ao direito mais básico que é o direito à vida.
    De uma forma brutal, imediata e mediática, a execução de uma pena de morte revolta os que têm a vida como valor supremo.
    É uma frase feita de que os que preferem limitar a liberdade pela segurança não merecem nem uma nem outra, e se pretende que a liberdade de uma sociedade passa pela segurança de matar alguém, então esse sociedade não mereceria nem ser livre nem segura... Um exagero de retórica, dir-se à, mas enfim...
    A verdade é que há muitas formas de atentar contra a vida, de forma mais esconsa, sempre com a lei a sobrepor-se ao direito de apenas se existir.
    Enormes e absurdas taxas e impostos, sem qualquer retorno que as legitimem, privatizações que implicam perda de qualidade de serviços e aumentos de preços, aproveitamentos de circunstâncias políticas e económicas para por-se em prática teorias desumanas que culminam todas no seu conjunto na perda geral da qualidade de vida, e nas situações limite em que a noção de humanidade mais importa, a morte.
    A morte pura e simples, por falta de dinheiro para se tratar, por esperar tempo demais para uma intervenção urgente, por ter ido ter que viver para a rua, por morrer de fome.
    E depois ou melhor ao mesmo tempo, a morte adiada em segunda linha, as crianças com fome em salas com o aquecimento desligado, onde um professor arrasta as lágrimas no fundo da alma, a preparar os dias dos homens do amanhã...
    E tudo para quê? Para que um gajo qualquer, com ar inteligente e distante nos venha dizer, que agora mercê das suas corajosas políticas, estamos a viver num mundo melhor e mais bem preparado para o futuro.
    Há muitas formas de condenar à morte, umas são rápidas e trágicas, outras em lume brando abrandam as consciências, minam a revolta que os corpos já cansados não são capazes de exprimir com a voz que esta canalha deveria ouvir, não num grito surdo, mas à razão de centenas de decibéis por cada ser humano que morre numa urgência

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    1. Como diz certa "pessoa"... "Eça é que é Eça".

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    2. E Pessoa é que é Pessoa... ou é Álvaro de Campos?! Ou Ricardo Reis?! Ou Alberto Caeiro?! Ou Bernardo Soares?! Ou...

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    3. Seria da Nora, Pierre?
      Ou Tácito queria tudo escrito?
      :-/

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    4. Se o Públio (Caio) Cornélio Tácito fez algum ACORDO, deveras não sei.

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    5. Os acordos tendem a firmar em lei o que acham que são os seus direitos, uma coisa assim dos tipo: esta parte já está certa, agora vamos ver se consigo sacar a parte que ficou para ele....

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  3. Servindo para o que servir, aqui fica o meu testemunho de partilha integral com as dúvidas (angústias...?) de Chama a Mamãe sobre este pungente assunto. Prosa clara, lúcida, escorreita - que também vai fazendo falta...

    Claro que podemos sempre acrescentar o óbvio e não me importo de fazer a minha parte nesse enredo: - então e quando é que combateremos, todos, as causas que levam às acções que, por sua vez, dão argumentos a favor da pena de morte? Concretizando: o que levará um desgraçado a atravessar o mundo para transacionar 13 Kg de cocaína, com reiterado risco da própria vida?

    Do conforto do meu conforto eu diria que jamais faria tal coisa. Mas e se eu só tivesse desconforto nesta vida? O que pode conduzir alguém a dar tal passo? Que desespero ou desnorte conduz a esta atitude suicidária?

    Pois, não sei. Mas sei que sou contra a pena de morte por muitas das razões acima invocadas. Mas também sou contra o comércio da droga e sou contra a violência doméstica e sou contra o terrorismo e sou contra mais uma pipa de coisas e não sei se estou a fazer alguma coisa, no meu dia a dia, que sirva para que a humanidade ultrapasse estes «handycaps». Mas quero crer que sim, que estou a fazer alguma coisa. E outros andam, por aí, a tentar o mesmo.

    Isso não me tranquiliza. Mas dá-me algum alento.

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    1. É o que todo mundo se pergunta, OrCa. Arriscar-se a entrar em um país que tem a pena de morte, cujo alerta já está desde folderes, quando o passageiro entra no avião, como estampado em qualquer lugar. E não era a primeira vez do rapaz. Só que da última vez se deu mal.
      Também totalmente contra o comércio de drogas, totalmente. E então seria assunto para outra oportunidade, porque teríamos uma inserção mais profundo nesse "mundo negro". O quanto é apreendido de drogas? Quanto vai parar nas mãos de policiais, delegados, políticos... aos mega traficantes... até chegar ao "Joãozinho" da esquina?

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