http://usdebt.kleptocracy.us/Na imagem, à direita das defuntas torres gémeas tendo aos seus pés um avião em cima dum campo de futbol ao lado da estátua da liberdade, a torre em notas de 100 dolares necessária para cobrir a dívida.... Na altura em que dois irmãos judeus foram libertados do campo de concentração, um tirou uma lata de conserva do bolso das calças e vendeu-o ao outro que por sua vez o alienou de imediato a outro ex-prisioneiro, beneficiando de um considerável lucro. Meses depois, o primeiro re-adquire a mesma lata, põe-a em cima da mesa da cozinha e ausenta-se. Quando regressa vê o segundo a lambuzar-se com a sardinha. - Desgraçado!- grita em desespero. -O que foste fazer, oh Deus... isso não era para comer! Era para vender...
Quando Dom João I assassinou o Conde de Andeiro, iniciou oficialmente o processo político que iria salvar o país da eminente ameaça que Castela fazia pender sobre a soberania Lusa. Uma vez instalado na cadeira do Poder, e certamente como forma acimentar empatias e vincar laços, o primeiro representante da dinastia de Avis resolveu premiar com abundante quantidade de moeda a nobreza e diversos elementos da burguesia que com ele tinham colaborado - e de cuja colaboração continuava a necessitar já que a guerra com Castela continuava-. Passada a euforia inicial, o preço real desta medida – impensada, dirão uns, inevitável dirão outros-. foi dramática. A consequência foi uma inflação histórica. O período entre 1384 e 1422 conheceu valores como 500% de aumentos dos preços médios dos bens de consumo, e perdas de valor real de moeda quase cinco vezes mais altas: um real de prata do reinado de D. Fernando, seu antecessor, valia no fim deste ciclo, dezanove vezes menos, ou seja, 1900% abaixo do que o seu valor de lançamento
O risco de bancarrota era mais do que eminente. Por um lado, havendo excesso de moeda, não correspondida por bens efectivos produzidos internamente, os metais nobres saíam do País pelo processo de troca com o exterior, ou seja; importação. Por outro lado, esta saída era feita a baixo valor, pois o dinheiro estava desacreditado e embora se tratasse de ouro e prata, era vista no estrangeiro como sendo de menos valor. A situação era desesperada. Os metais ameaçavam escassear e entrava-se no limiar do paradoxo que consistia em não se ter moeda, e mesmo assim esta valer nada, um cadinho explosivo de onde o pior se poderia esperar. Uma vez que não era possivel recolher moeda nem impor medidas impopulares, com a Espanha sempre a espreitar a oportunidade para tomar de salto o nosso trono, e tudo isto num cenário acompanhada dum crescente descontentamento popular, apenas uma solução foi encontrada: aumentar o território onde a moeda pudesse passar a circular e ser aceite como boa. Para o lado de Espanha, não era fácil e os dois países continuariam em contendas por mais de um século, sendo as fronteiras duramente disputadas e defendidas.
Assim, e após a reunião em Torres Vedras onde foi sabiamente aconselhado, o Rei de Portugal deu inicio ao processo da expansão marítima. O congresso extraordinário levado a cabo nessa ocasião determinou a tomada imediata de Ceuta e o avanço ao longo das costas de África. Este processo conduziu o País à sua Era Dourada como é sabido, e que culminou já em pleno Século XVI com a descoberta do Japão. Pelo caminho tinham ficado sob influência cultural e económica, vastos territórios em África, Brasil na depois chamada América do Sul, e Asia. A pressão interna motivada pelo excesso de moeda diluiu-se totalmente quando esta se expandiu por novos mercados, circulando primeiro por todo o Norte de África onde era aceite por boa nas novas praças as quais, sob domínio Português, produziam da Europa, pela via da comercialização dos tão apetecidos produtos exóticos vindos do Oriente, um extraordinário retorno aos cofres nacionais
Esta forma de resolver crises económicas não foi original e ao longo da História, inúmeros exemplos, como no caso dos Romanos, ilustram as saidas encontradas e que passaram pela anexação de novos territórios. Assim e logo a seguir ao momento Português, também os Ingleses, Holandeses, Franceses e Espanhóis seguiram este curso e expandiram a sua influência pelo mundo.
Mas o que fazer quando não há mais território físico para conquistar? O caso do sucesso do Dolar Americano é bem um exemplo moderno do que atrás se citou: uma moeda aceite por boa em todo o mundo permite que a área real de influência seja de facto também as partes do mundo onde ela é, mais que aceite, disputada e desejada.
Mas, e repito, o que fazer quando não existe mais território físico para exercer influências?
A resposta é muito simples, inventa-se. A forma de inventar território é projecta-lo para o futuro criando-se uma coisa a que se dá o nome de crédito. Acredita-se, ou faz-se acreditar numa dinâmica de crescimento permanente e isso corresponde de facto a uma expansão económica de perfil parecido com a conquista de novos territórios que hão-de trazer retornos.
O perigo disto reside contudo nas distorções inevitáveis a que o processo se sujeita, animado que está da lógica de crescimento permanente, quando a sua dinâmica atinge expressões de progressão geométrica. Boaventura Sousa Santos explica que não pode haver crescimentos económicos infinitos: o planeta é finito, a nossa capacidade de consumir bens também, mas toda esta crise actual assenta de facto nisto: não havendo mais mundo para um sistema assente no crescimento, projectou-se para o campo, já não das expectativas, mas dum transcendente mundo sito algures no futuro, toda a lógica desse crescimento.
A imagem em cima demonstra bem o absurdo a que se chegou. Tal como no tempo de D. João I, a hiper inflação produzida pela injecção de tamanha quantidade de moeda traria a desgraça não só à América mas a todo o sistema mundial. O dolar, ainda apreciado apesar de disputar prestigio e território fisico de circulação com o doente Euro, seria sujeito a uma depreciação incalculável.
A solução, a única solução, foi esta que o Obama conseguiu ver aprovada; divida, crédito, projectar os pagamentos dos incontabiliões de dolar para territórios do futuro, sempre para o futuro, onde ninguém pagará coisa alguma pois essas quantidades de dinheiro são simplesmente impagáveis. Outros países já tinham feito o mesmo antes, o nosso país não é excepção. Gerir uma divida elevada sem preocupação outra que não seja cobrir o serviço da dívida.
E foi aí que os “mercados” acordaram. De algum modo, a imposição da União Europeia em limitar os défices terá contribuido para a desconfiança subitamente instalada no seio dos emprestadores de dinheiro. De repente viram que tinham entre mãos uma mercadoria, - a dívida- que apenas em quantidade muito reduzida correspondia à segurança de bens de facto, sendo o grosso projectado para um hipotético crescimento futuro passivel de cobrir os valores acrescentados do expectável lucro . De pés assentes na terra iniciaram o único caminho que acharam seguro: fazer com que essa quantidade de bens, reduzida embora face à quantificação da dívida total em moeda, passesse para as suas mãos.
Assim, os mercados não querem que se paguem as dívidas. Eles sabem, despertos que estão, que são impagáveis e se alguém as pagasse, o dinheiro libertado traria uma imediata inflação com a consequente perda de valor do mesmo (se calhar o verdadeiro valor); um péssimo negócio para os clientes das agências de rating.
Avançam então os abutres com as receitas: alienação de empresas, privatizações, impostos e penhoras, em resumo, a mudança efectiva de propriedade. É esta a verdadeira motivação, garantir a posse do valor real, agora e neste instante, pois aquilo que eles tem entre mãos, melhor que ninguém, sabem não ter já qualquer valor agora e neste instante, pois o futuro cobrável está a um prazo em que estaremos todos mortos...
Charlie