agosto 31, 2011

Cavaco Silva endógeno... e eu exógeno


Enquanto eu estava de férias, li nos jornais que o presidente da República escreveu isto no Facebook no dia 19 de Agosto:
"Constitucionalizar uma variável endógena como o défice orçamental – isto é, uma variável não directamente controlada pelas autoridades – é teoricamente muito estranho. Reflecte uma enorme desconfiança dos decisores políticos em relação à sua própria capacidade de conduzir políticas orçamentais correctas."

Lá pifaram os meus poucos neurónios que tentavam recuperar de um ano de trabalho, pois não entendi o que com isto quis dizer Cavaco Silva, muito elogiado professor de Economia. Aliás, como os meus professores da licenciatura e, mais recentemente, do mestrado em Ciências Empresariais constataram, se eu tivesse ouvido esta frase numa aula, eu tê-la-ia interrompido para pôr uma dúvida e não descansaria enquanto não fosse clarificada.
Quando estudei Economia, aprendi que o conceito de variáveis endógenas surge no contexto dos modelos matemáticos usados pelos economistas para fazerem simulações e previsões. Dos muitos autores que analisam este tema, escolhi a abordagem de Braulio Adriano de Mello, no estudo «Modelagem e Simulação de Sistemas», de 2001, que explica os conceitos tal como os apreendi como aluno da FEUC:

"As variáveis são utilizadas nos modelos de simulação para relacionar um componente com outro. Tais variáveis podem ser classificadas como variáveis exógenas, variáveis de estado e variáveis endógenas.
As variáveis exógenas são as variáveis independentes ou de entrada do modelo. São consideradas como tendo sido previamente determinadas e fornecidas, independentemente do sistema do qual está sendo construído o modelo. Desta forma, estas variáveis podem ser vistas como actuantes sobre o modelo, mas não influenciadas por ele ( a direção causa-efeito ocorre somente no sentido variável exógena -> sistema). As variáveis exógenas podem ser classificadas como controláveis e não controláveis. As variáveis controláveis são as variáveis ou parâmetros que podem ser manipulados ou controlados pelos elementos encarregados da decisão ou de estabelecer o programa de acção em relação ao sistema. Variáveis não controláveis são geradas pelas circunstâncias nas quais o sistema modelado existe e não pelo próprio sistema ou pelos elementos encarregados das decisões a ele relativas.
As variáveis de estado descrevem o estado de um sistema ou de um de seus componentes, quer no início de um determinado período de tempo, quer no seu término, ouainda durante o decorrer de um certo período. Elas interagem com as variáveis exógenas e com as endógenas, de acordo com as relações funcionais previamente estabelecidas.
(...) Variáveis endógenas são as variáveis dependentes ou de saída do sistema. São geradas pela interacção das variáveis exógenas e de estado, de acordo com as características operacionais do sistema."

Assim sendo, no meu ponto de vista, não me parece que o presidente da República devesse usar o conceito de variável endógena. Além de estar a usar "palavras caras" para os cidadãos comuns, ao explicar esse conceito dá a subentender que o défice orçamental é controlado indirectamente pelas autoridades. E não o é, pois o défice orçamental depende de muitos outros factores - internos e, cada vez mais, externos, alheios à vontade, às decisões e às medidas implementadas pelas autoridades. Esses factores que escapam ao controlo das autoridades são as variáveis exógenas não controláveis de que trata a teoria económica. Mais ainda: as próprias "decisões das autoridades", que poderiam assumir-se como variáveis exógenas controláveis, dependem, também elas, de factores (variáveis) externos não controláveis. Basta pensarmos em quem "manda" actualmente na União Europeia (Comissão Europeia? Presidente da União? BCE? Angela Merkel? EUA? China? Os «mercados»?...) para constatarmos que, na prática, nada é o que parece.

agosto 30, 2011

Não nos contem que é segredo

Se há coisa que me provoca calafrios é a existência de serviços secretos.

Por muito que faça todo o sentido a justificação oficial para a sua existência, a protecção contra os terroristas e outras ameaças desse calibre, a defesa do Estado contra os cidadãos maus deveria ser possível sem que para isso fossem criados grupos de pessoas que para saberem tudo precisam saber demais.

O poder confiado a esses grupos de pessoas é tremendo, na prática maior do que o dos próprios órgãos de soberania pois nem eles estão acima do raio de acção dos espiões cujo desempenho começa a ser pouco secreto no que respeita aos excessos que lhes denunciam uma rédea solta que jamais uma Democracia deveria tolerar.

Agora reparem: apenas por estar a escrever isto posso tornar-me num alvo desses serviços secretos que colocam telemóveis de jornalistas sob escuta só para tentarem caçar uma potencial toupeira nos seus túneis de informação.

É um facto, não é ficção. O optimismo não é a melhor resposta perante a possibilidade de os factos já vindos a público não serem excepções mas sim a regra de uma organização sem controlo efectivo por parte do seu criador, o que tantos os factos como a ficção demonstram ser o embrião de alguns dos piores monstros que o mundo conheceu.

Com aquilo que sabemos, sempre muito menos do que sabem alguns, já podemos concluir que tanto o processo de recrutamento como o de fiscalização desse poder perigoso são mancos e a própria Democracia pode ver-se coxa pelos danos sofridos, por exemplo, na liberdade de expressão.

Isto não é uma brincadeira de miúdos, é uma ameaça séria ao Regime. Muito mais séria do que a de Portugal ser alvo de atentados ou de um golpe de Estado que tanto do ponto de vista das probabilidades como da capacidade de resposta da Nação constituem medos inexpressivos quando, e é bom que o façamos, os comparamos com a entrega às cegas de poder quase ilimitado a fulanos capazes de o utilizarem em benefício próprio ou de instituições privadas cujos objectivos já se provam tortuosos na adopção destes esquemas que vêm a lume nas parangonas.

A ameaça de serviços secretos com rédea solta é invisível por inerência se os seus espiões não se revelarem tão trapalhões no encobrimento do seu rasto quando fazem das suas.

Ficamos, pois, à mercê do bom fundo desta malta ou apenas do nível das suas ambições pessoais.

É disso que se trata quando olhamos com atenção para estes sinais de balda onde ela nunca pode existir.

Já estamos a pagar a inépcia por parte daqueles a quem confiamos os poderes legítimos do Estado de Direito que escolhemos para nos organizar enquanto país.

Mas se olharmos para o que pode representar em matéria de custo a entrega de meios a organizações capazes, se extrapolarmos a partir do que já se sabe não podemos ignorar tal hipótese, de manipularem a legitimidade em prol de interesses nada públicos, a factura da nossa negligência pode levar-nos a hipotecar muito mais da qualidade de vida do que a falta de dinheiro nos possa acarretar.

"Estou cinco anos numa universidade e nunca ninguém me ensinou a vender o meu produto"

E esta nunca me ocorreria: "É preciso bater punho"...
Como diz o Pedro Laranjeira, isto vale mais do que seis meses na Universidade.





O Charlie esclarece:
"O rapaz tem razão, mas não toda. O Mundo é dominado pelos dominadores dos interesses. De que servio a inúmeros produtores de fruta (por exemplo) da região Oeste terem criada a sua marca regional de qualidade, com investimentos em maquinaria de selecção e calibragem, armazenamento a frio se depois de forma perversa o mercado é dominado pelos tubarões da distribuição que impõem preços impraticáveis e ruinosos à produção? De tal sorte é criminosa a prática de domínio de mercado que uma das empresas comprava toda a produção de maçã seleccionada para depois misturar novamente e apresentar assim ao público, não a verdade, mas sim o que lhe interessava: a fruta portuguesa pode ser melhor mas tem má apresentação e o preço tem de ser baixo. Teria sido importante talvez, nesse sector, o surgimento não de um vendedor (porque a fruta está sempre vendida) mas alguém capaz de pôr travão a estes desmandos e práticas, a raiar sempre a ilegalidade e a nadar em pleno na imoralidade. As boas ideias têm sempre mercado, a inovação é apelativa. No entanto, também aqui, há boas ideias aceites e guardadas à espera do momento que os donos do mundo acham mais conveniente. Quando há três anos o mercado dos televisores se viu subitamente agitado pelo surgimento dos 3D, três dimensões mas com óculos, ninguém ou pouca gente sabia que toda a tecnologia para se ver imagens tridimensionais estava pronta a sair. No entanto, dada a novidade e o desconhecimento generalizado, foi um belíssimo negócio vender televisores e depois os óculos pelo preço de quase outro televisor. Como se vê, nem sempre uma boa ideia faz de imediato um bom negócio e muitas vezes só muito mais tarde alguém tira todo o partido dela e quase nunca o inventor. Neste particular, daqui a algum tempo irá rebentar a "novidade" TV 3D sem necessidade de óculos.
No sector automóvel, desde muito cedo apareceram ideias inovadoras para baixar o consumo dos motores e mesmo alternativas aos subprodutos do crude. Mas não interessavam a uma economia que apostava não na redução mas no aumento do consumo. Para se vender uma boa ideia é preciso agarrá-la bem para que ninguém no-la tire. Vendê-la aos sete ventos, divulgá-la, insistir e esperar ter a sorte de haver alguma brecha livre por onde germine em direcção ao sol; ou seja, vendê-la com os proveitosos retornos que permitam o crescimento do dono da ideia."

In_Perfection

Eu não quero a vida perfeita
Eu não quero um Mundo perfeito
Porque então tudo seria perfeito
Menos eu

Não sei ler pensamentos

As pessoas têm de perder a maldita mania de que é suposto que os outros lhes leiam a alma. Pior: que lhes lêem efectivamente a alma! Muito provavelmente, o defeito é meu e sou o único ser que não adivinha o que vai em cabeça alheia com certezas (salvo raras excepções, que nem por isso constituem regra). Mas, ainda que seja, tenho de ser tida em conta, ora bolas!, enquanto altamente incapacitada.

Ora vejamos: se alguém, em conversa comigo, me diz "Ahhhhh, se soubesses como era louco por ti há X meses/anos/na semana passada/", a minha resposta assumirá inevitavelmente o formato da questão: "E por que raio não disseste?!". O que é ouvido, depois, é sempre um chorrilho de coisas sem sentido, a saber:
a) "Porque sabia que não sentias o mesmo" (Como? Perguntaste, por acaso?);
b) "Porque achava que estavas interessada em A" (Leste-me a mente, tu, queres ver?!);
c) "Porque sabia que B estava interessado em ti." (Olha, meu amigo, não dei por ti nem pelo B, temos pena...)
d) "Porque tu nunca reparaste em mim". (Como assim? Pisei o rapaz e não dei por nada? Passava
 por ele e não o via? Ai falava e era simpática mas nunca dei troco? Que diabo vem a ser isso de dar troco,não farás o obséquio de partilhar comigo?!)

Pára tudo já aqui.
Ôda-tracinho-se, se me dão licença.
Como posso eu reparar em que outrém é "louco por mim" (whatever that means) se o santinho nunca me disse?
Dava-me atenção? Era amável e carinhoso? Dizia-me que eu era gira? E vai daí? Os meus amigos fazem essas coisas todas (alguns, pelo menos) e não estão interessados em mim, no sentido íntimo do termo!
Convidou-me para jantar? Pegou-me na mão? Disse-me que gostava de mim? Ai não? Então lamentamos mas não sou bruxa.

O que me chateia solenemente, o que me indigna, é que as pessoas poderiam ser muito mais felizes se chegassem ao pé dos alvos de interesse e disparassem um "Gosto de ti. Acho que posso vir a gostar mais. Quero conhecer-te melhor. Queres jantar/sair/passear o cão/ir ao cinema comigo? E não, não pretendo tão somente ser teu amigo (embora possa ser, se não resultar), gostava de tentar construir qualquer coisa contigo."
Qual é o pior que podem ouvir?! Que o outro não está interessado seja porque motivo for. E vai daí? É um golpe no orgulho, uma humilhaçãozinha privada e está feito, caramba. Parte-se para outra (ou para nenhuma) e não se anda a sofrer em silêncio porque já não há nada por que sofrer. Ou então luta-se pela conquista (isto já depende da persistência, perante uma nega que pode ser rotunda, ou só o outro a pedir que lhe leiam os pensamentos, também...).

As pessoas seriam muito mais felizes se perdessem o medo de fazer por isso.
E escusavam de ouvir-se verdades que, fora de tempo, muito provavelmente já não têm interesse algum

agosto 26, 2011

Publicidade despudorada ou crónica de bem-dizer

Sabem o que mais me alegra num faustoso repasto, bem regado de amigos e bom vinho? A arte do dono da casa  bem como dos seus empregados de bem acolher cada comensal, que vai, assim, para além do mero cliente, e pode atingir verdadeiros cumes da amizade.

Vem isto a propósito, claro está, de experiências várias de vida, ainda fresquinhas, ocorridas neste fugaz período de férias que gozei.

E, sem distinções que pecariam por maçadoras, aqui vos deixo três referências algarvias, que são outras tantas provas da minha consideração elevada por todos vós, improváveis leitores, já que pequei e repequei e voltaria a pecar, no que à gula concerne, em cada um desses notáveis lugares onde, à excelência dos manjares, se aliou de forma rara, a magnificência do acolhimento. E a ordem é arbitrária, ainda que alfabética:

  1. Âncora – restaurante na aldeia de Burgau;
  2. O Cantinho do Mar – restaurante na cidade de Lagos;
  3. Ribeira do Poço – restaurante em Vila do Bispo.
Mais informações, é favor pesquisarem na net.

Nenhum dos locais terá preços para refeições de funcionário em correrias entre tempos de trabalho. Mas nenhum deles, também, se revelou desorbitado. Quaisquer vinte euros talvez ainda trouxessem troco. Ou trinta, se acrescentarem duas ou três luxúrias algarvias, entre doces de amêndoa, de figo, de alfarroba, de gila, ou se se deixarem convencer por um belíssimo medronho – que já os há! –, para remate de digestão

E, antes, durante e depois, tudo muito bem acompanhado por gente afável, com um notável espírito de serviço sem qualquer servilismo, mas de irradiante simpatia e sempre tempo para um dedo de conversa, mesmo até quando apertava a premência da clientela em casa cheia. Mais, para um comentário bem-humorado a algum nosso dichote, ou informação oportuna quando algo corria menos de feição na urgência da saída de cada prato.

Talvez seja isso, afinal, o que nos redime e redima em tempos de mansidão bovina: um notável espírito de humor, se calhar com um pouco de fatalismo, a puxar ao fado, mas seguramente cheio de argúcia e acutilância.

Ah, e isso, meus amigos, nem troikas, nem sarkcozículas ou outras merklicas nos tiram, carais! Está-nos fundo, na massa do sangue, como diziam as nossas avozinhas. E voga contra ventos e marés! E salta, com espavento, quando o nosso ar mais acabrunhado parece entorpecer-nos os passos – os nossos, não os do outro…  

E, agora, vou-me à cata dos ricos portugueses trabalhadores – estive a pensar pôr o termo entre aspas, mas para quê…? Verdadeiros irmãos, de sangue e de armas! Pelo menos, assim os devo considerar desde que, em termos do meu direito a auferir ou não abono de família, algum legislador mais arguto equiparou o meu parco rendimento ao do velho Champalimaud.

Deve ser daqui que veio aquela história do lema «todos diferentes, todos iguais», com que eu – desculpem-me a fraqueza – tanto engalinho.

agosto 23, 2011

Convém relembrar a História


Do meu amigo Lumife recebi este texto em mail que não posso deixar de partilhar:



Alemanha "rainha das dívidas"

publicado 14:37 21 Junho 2011




A chanceler alemã, Angela Merkel Michael Kappeler, Epa



O historiador Albrecht Ritschl evoca hoje em entrevista ao site de Der Spiegel vários momentos na História do século XX em que a Alemanha equilibrou as suas contas à custa de generosas injecções de capital norte-americano ou do cancelamento de dívidas astronómicas, suportadas por grandes e pequenos países credores.

Ritschl começa por lembrar que a República de Weimar viveu entre 1924 e 1929 a pagar com empréstimos norte-americanos as reparações de guerra a que ficara condenada pelo Tratado de Versalhes, após a derrota sofrida na Primeira Grande Guerra. Como a crise de 1931, decorrente do crash bolsista de 1929, impediu o pagamento desses empréstimos, foram os EUA a arcar com os custos das reparações.


A Guerra Fria cancela a dívida alemã

Depois da Segunda Guerra Mundial, os EUA anteciparam-se e impediram que fossem exigidas à Alemanha reparações de guerra tão avultadas como o foram em Versalhes. Quase tudo ficou adiado até ao dia de uma eventual reunificação alemã. E, lembra Ritschl, isso significou que os trabalhadores escravizados pelo nazismo não foram compensados e que a maioria dos países europeus se viu obrigada a renunciar às indemnizações que lhe correspondiam devido à ocupação alemã.

No caso da Grécia, essa renúncia foi imposta por uma sangrenta guerra civil, ganha pelas forças pró-ocidentais já no contexto da Guerra Fria. Por muito que a Alemanha de Konrad Adenauer e Ludwig Ehrard tivesse recusado pagar indemnizações à Grécia, teria sempre à perna a reivindicação desse pagamento se não fosse por a esquerda Grega ficar silenciada na sequência da guerra civil.

À pergunta do entrevistador, pressupondo a importância da primeira ajuda à Grécia, no valor de 110 mil milhões de euros, e da segunda, em valor semelhante, contrapõe Ritschl a perspectiva histórica: essas somas são peanuts ao lado do incumprimento alemão dos anos 30, apenas comparável aos custos que teve para os EUA a crise do subprime em 2008. A gravidade da crise Grega, acrescenta o especialista em História económica, não reside tanto no volume da ajuda requerida pelo pequeno país, como no risco de contágio a outros Países Europeus.


Tiram-nos tudo - "até a camisa"

Ritschl lembra também que em 1953 os próprios EUA cancelaram uma parte substancial da dívida alemã - um haircut, segundo a moderna expressão, que reduziu a abundante cabeleira "afro" da potência devedora a uma reluzente careca. E o resultado paradoxal foi exonerar a Alemanha dos custos da guerra que tinha causado, e deixá-los aos países vítimas da ocupação.

E, finalmente, também em 1990 a Alemanha passou um calote aos seus credores, quando o chanceler Helmut Kohl decidiu ignorar o tal acordo que remetia para o dia da reunificação alemã os pagamentos devidos pela guerra. É que isso era fácil de prometer enquanto a reunificação parecia música de um futuro distante, mas difícil de cumprir quando chegasse o dia. E tinha chegado.

Ritschl conclui aconselhando os bancos alemães credores da Grécia a moderarem a sua sofreguidão cobradora, não só porque a Alemanha vive de exportações e uma crise contagiosa a arrastaria igualmente para a ruína, mas também porque o calote da Segunda Guerra Mundial, afirma, vive na memória colectiva do povo grego. Uma atitude de cobrança implacável das dívidas actuais não deixaria, segundo o historiador, de reanimar em retaliação as velhas reivindicações congeladas, da Grécia e doutros países e, nesse caso, "despojar-nos-ão de tudo, até da camisa".

agosto 21, 2011

(Ainda) um postal de férias

Férias ou são férias ou não são férias.

Colocada esta prévia, elementar e lapalissiana questão, aqui ficam as minhas vénias por todas as profundas asserções que os distintos colegas persuactivos têm vindo a publicar e as quais, por óbvio desvio para ponderosas questões balneares, não tenho comentado, ainda que as vá seguindo com o interesse habitual. Que não tem sido defraudado, diga-se.

Chegado, entretanto, o meu tempo de voltar às lides, começo – devagar, devagarinho… – com um breve postal de férias, quase intimista, ainda, para evitar emoções demasiado violentas no «arranque».

Como será sabido por alguns, fui-me até ao Algarve, a banhos de sol e salsas ondas para um velho lugarejo piscatório, ali entalado a caminho de Sagres…

Piscatório que já foi, pois agora a coisa resume-se a uma escassíssima mão-cheia de muito velhos pescadores, teimosos e empedernidos, que encontram um sentido para a Vida nessa diária busca de sustento, em barquitos de escassos dois metros, alguns ainda movidos a força de remos.

Assistindo, em certa madrugada, à sua chegada a terra, vindos da faina nocturna, ainda com mar em estertores de levante, e no meio dos ingentes trabalhos necessários para acostar e deixar em porto seguro os frágeis botes, fiquei no meio da dúvida se aqueles sexagenários, septuagenários e octogenários assumiam a dimensão da poesia ou padeciam de alguma enfermidade mental ainda não catalogada.

Mais quando me foi dado perceber o produto individual da pesca de cada botezito – meio balde de lulas ou de chocos, duas ou três sardas, um polvo de meio palmo e algum sarguito distraído ­– aí quedei-me estarrecido.

Pois, que a pesca vai má… Ele é o arrasto a dar cabo dos fundos e o tempo que anda mudado, eu sei cá…

E em fim de sacrifício, perante a minha disposição de lhes comprar, ainda assim, algum peixito fresco, para consumo doméstico e corresponder, de pobre modo, ao que me pareceu tão incomensurável esforço, dizem-me, entre desconfiados e timoratos, que o pescado apenas pode ser por eles comercializado na lota de Lagos, distante cerca de quinze quilómetros, conforme recente legislação em vigor.

O quê? Esses três chocos, duas lulas, três sardas e um sargo? Pois, isso mesmo! A quinze quilómetros daqui…? E isso compensa? – pergunto eu do alto da minha supina burrice urbana. Fiquei, claro está, sem resposta e sem peixe.  

Ou seja… Não, não vos conto mais nada, pois todos já entenderam tudo.

E quem não tenha entendido deverá ser da seita do iluminado que congeminou tal legislação.

Voltem-se para o mar, diz-nos o mais alto magistrado da nação, por acaso também algarvio, mas pouco embarcadiço… Mas deve ser só para lhe fazer um manguito. Ao mar, entenda-se.   

agosto 14, 2011

O milagre da transformação das notas (?) II


Na sequência deste post e reflectindo sobre o seu conteúdo partilho convosco esta ideia que sempre me acompanhou e muito a este propósito, se consubstancia numa interrogação: porque é que não se deixaram as moedas nacionais a circular por mais tempo, ou até, a circular sem qualquer horizonte previsivel de desaparecimento?
Explico; nasci num sitio do mundo que é uma encruzilhada de culturas, com chegadas e partidas de gente de todo o lado do mundo e onde circulavam várias moedas em simultâneo. Longe de atrapalhar como se pode pensar, a simultaneidade de moedas fazia com que a lei da má moeda funcionasse em beleza. Nessa época, tinhamos Florins Holandeses, Florins Antilhanos, Bolivares Venezuelanos, Bolivares Colombianos , Dolares Americanos e mais algumas e todas eram aceites e circulavam. E o que é que acontecia? A expressão prática da lei de Gresham, a tal da " má moeda". A moeda nacional, o florim antilhano era referência de todas mas toda a gente fazia por guardar os dolares e fazer circular as moedas pela ordem inversa de valores entre elas. O resultado era o de que a se conseguia ter uma boa quantidade de moeda "nobre" como poupança enquanto as outras circulavam correntemente. No caso do Euro, as coisas apenas descambaram quando de repente se quis acabar com as moedas nacionais, ou seja, as pessoas ficaram sem uma referência física da moeda. O que aconteceria num café se tivesse por exemplo em simultâneo a bica a 60 cêntimos de €uro e 60 escudos?
Ora toma lá os 60 escudos porque 60cêntimos de €uro valem o dobro!
Acredito firmemente que se tivesse havido o cuidado de se manter as moedas nacionais a correr em simultâneo com o Euro, muitos dos problemas que agora vivemos teriam uma expressão mais branda. Os Estados teriam a possibilidade de exercer as correcções e minorar os desequilibrios através da emissão de moeda nacional, da flexibilidade permitida pela alteração das taxas de câmbio e certamente os sacrificios pedidos e a estupidez das privatizações cegas, nunca teriam tido lugar. Em simultâneo, a pressão sobre o €uro exercida de forma depredadora, tal como os lobos fazem sobre os rebanhos atacando uma a uma as peças mais fracas, não teria qualquer sentido nem efeito. O €uro, ao ficar, por assim dizer, num patamar superior, estaria como que blindado: ao ser moeda estratégica e não corrente, teria um estatuto próximo do que tem o ouro.
Mas... como diz o outro: Eles é que sabem, a nós resta-nos pagar....

agosto 11, 2011

O milagre da transformação das notas

Martin Feldstein, professor de Economia na Universidade de Harvard, entende que "seria vantajoso para Portugal e Grécia abandonarem a Zona Euro", pois só assim "os dois países conseguem recuperar competitividade e equilibrar o seu comércio internacional" [via Negócios Online (com video)].
Podemos discutir os prós e contras dessa opção. Mas uma vantagem seria, quanto a mim, mais que evidente: as pessoas com alguma memória iriam constatar, sem funfuns nem gaitinhas, a pancadona que os preços tiveram com a adesão de Portugal ao Euro.


agosto 07, 2011

A posta nas decisões marginais

Descobriram meia dúzia de armas, provavelmente pertencentes a um filho emigrado, em casa de uma sexagenária e o juiz entendeu aplicar-lhe prisão preventiva.

O autor confesso de andar a fotografar miúdas nuas entre os oito e os doze anos de idade, alunas da escola onde o bandalho era o porteiro, e que possivelmente terá abusado de algumas crianças foi igualmente apanhado e o juiz aplicou a prisão domiciliária.

Se a medida em causa é uma espécie de bitola do grau de gravidade da violação da lei e for consensual que é melhor estar preso na própria casa do que numa penitenciária qualquer é fácil perceber que para os tribunais é mais ameaçadora para a sociedade uma sexagenária com armas em casa, mesmo não sabendo sequer como usá-las, do que um badalhoco que não hesita em usar a sua, a função de porteiro numa escola, para se aproveitar de crianças no deleite bizarro de qualquer porco com sérias perturbações mentais.

Aqui parece-me existir uma dúvida no ar: ou a pedofilia não é uma doença e os bandalhos devem ser encarcerados, sem excepções, para protecção das crianças ou, antes pelo contrário, estamos perante um problema de saúde pública e a pessoa doente deve ser de imediato confinada a um hospital psiquiátrico.

Por outro lado existe também a dúvida acerca da regulação da balança que a Justiça deve simbolizar, pois o peso parece pender de forma sistemática para o lado oposto daquele que o senso comum da população aponta.

Não gosto da ideia de a minha vizinha do segundo ter o guarda-fatos atulhado de espingardas, admito. E gostaria que os agentes da autoridade lhe confiscassem tal mercadoria para segurança de todos, embora seja inadmissível para mim vê-la presa por guardar pertences de outrem, sobretudo de um filho a quem custa sempre dizer não e no caso concreto até pode estar em causa o instinto maternal de evitar complicações legais à sua cria.

Contudo, a ideia de ter um vizinho qualquer, pedófilo assumido, “aprisionado” na sua fracção do mesmo condomínio onde mora a minha filha é simplesmente insuportável e só fico a torcer para que se tal acontecer ninguém me identifique o canalha.

A opinião de um cidadão vale o que vale, mas esta é a minha.

A Justiça em Portugal parece estar a viver um período de desnorte que se reflecte na própria conduta pessoal de alguns juízes e de aspirantes à função mas se faz sentir de forma estrondosa nesta divergência crescente entre as decisões dos magistrados e a sensibilidade da população que ali representam.

E qualquer defensor do Estado de Direito não pode, a menos que se queira enganar a si próprio, fazer de conta que não sabe que ao desacerto e à brandura excessiva da Justiça acaba por corresponder um aumento exponencial da probabilidade de se multiplicarem os casos de justiça pelas próprias mãos que, mais do que pela sede de vingança, nascem pela necessidade de percepção de segurança para a qual as decisões estapafúrdias e desadequadas constituem uma das mais concretas ameaças.

agosto 04, 2011

«Análise de investimentos, racionalidade económica e processo de decisão empresarial» - António Ricciulli e António Martins


Recentemente, o meu colega e amigo António Ricciulli teve publicado pela Universidade de Coimbra, como separata do Boletim de Ciências Económicas - 2011, um pequeno (42 páginas) grande trabalho em parceria com António Martins (professor da FEUC) sobre a forma como são tomadas as decisões nas organizações.
É gratificante verificar que há muitos pontos de confluência deste estudo com o meu livro «Persuacção». Por exemplo, quando citam H. Mintzberg ao observar que "os gestores seniores recorrem à persuasão, à negociação e ao estabelecimento de alianças que facilitam a passagem das decisões que eles próprios pretendem tomar".
Referem o uso da intuição, tantas vezes usada e raras vezes identificada nos estudos desta área.
Transcrevem uma constatação de um executivo observada por S. P. Robbins e que eu traduzo o melhor que posso: "Por vezes, para tornar aceitável ou agradável uma decisão instintiva, temos que a camuflar com «roupas de dados», mas esta afinação é usualmente feita após a tomada de decisão". É o que eu costumo dizer, usando a imagem de "atirar uma seta primeiro e depois pintar o alvo à volta do sítio onde se acertou".
A fundamentação das decisões é usualmente feita com base quase exclusiva em argumentos económicos, racionais e intuitivos. O Ricciulli e o António Martins acrescentam argumentos não puramente económicos, argumentos relacionados com os jogos de poder e argumentos resultantes da intuição do decisor.
Confluem de novo com o tema do meu livro «Persuacção» quando alertam para as "inúmeras limitações de funcionamento" da lógica racional, de que resulta a "impossibilidade de dissociar emocionalidade e racionalidade em decisores sensatos, prevendo-se a presença de ambas com prevalências variáveis".
Depois de uma abordagem à técnicas de análise de projectos, o Ricciulli e o António Martins regressam às emoções e à racionalidade nas decisões. Utilizam as descobertas de A. Damásio no âmbito da neurologia para fundamentarem as limitações da racionalidade e as deficiências nas estratégias de raciocínio. Identificam as armadilhas habituais nas decisões tomadas individualmente e abordam também as decisões em grupo. Com uma conclusão que só será surpreendente para quem nunca tenha estado neste «mundo dos decisores»: "foi possível observar que os executivos não eram desprovidos de sentimentos e emoções, embora 84% deles achasse que seria imaturo deixar transparecer tais comportamentos durante as reuniões com a finalidade de tomar decisões". Por isso, "estes decisores (são) compelidos a esconder os seus sentimentos e emoções, disfarçando-os de problemas técnicos ou intelectuais, ou criando barreiras organizacionais defensivas, recusando-se a discutir ideias que de alguma forma pudessem expor o seu estado de espírito".
Os decisores devem saber usar a intuição e a emoção nos seus raciocínios. E citam J. F. Amaral: "Será sempre racional, ser racional?"
E regressam aos estudos de A. Damásio para abordarem a memória de emoções e de sentimentos do decisor, que é parte integrante do mecanismo de decisão.


Neste gráfico, apresentam as duas vias do processo de decisão:
A) via racional;
B) via emocional.

E concluem que, como defende C. Anderson, só o "conjunto do armamento emocional" permite aos indivíduos aperceberem-se que estão perante uma situação em que se lhes exige uma decisão.
Bem hajas, Ricciulli, pela aula e pela dedicatória.

agosto 03, 2011

A minha proposta para um logótipo mais adequado para o BPN

Não proponho nada de revolucionário. A imagem corporativa mantém-se.
Quanto custa esta brincadeira? 2,4 mil milhões de euros. Mas faço um descontozinho, como é para amigos, de 40 milhões de euros. A dividir por todos, vão ver que é poucochinho.

Actual:

A minha proposta:

A arrogância como camuflagem

Gosto muito quando me dizem, sem mais, que a minha apreciação de um dado facto (ou vários) está errada. Adoro. Sobretudo quando não me dizem porquê, camuflando a falta de argumentos com uma arrogância que nem por isso soa melhor do que a manifestação da ignorância, porque esta sempre acarretaria honestidade. Menos mal. Mais: fico quase em êxtase quando, após análise exaustiva e partilhada da minha parte, me atiram que falo muito mas digo pouco, o que, de qualquer modo, sempre seria mais do que a parte que nada diz, porque nada tem a dizer. Mas é apenas um modo como os cobardes se habituaram a sair de cena sem ficarem com crises de consciência. Os que a têm, ao menos.

agosto 02, 2011

A Cleptocracia, e a doutrina das privatizações.



http://usdebt.kleptocracy.us/

Na imagem, à direita das defuntas torres gémeas tendo aos seus pés um avião em cima dum campo de futbol ao lado da estátua da liberdade, a torre em notas de 100 dolares necessária para cobrir a dívida.

... Na altura em que dois irmãos judeus foram libertados do campo de concentração, um tirou uma lata de conserva do bolso das calças e vendeu-o ao outro que por sua vez o alienou de imediato a outro ex-prisioneiro, beneficiando de um considerável lucro. Meses depois, o primeiro re-adquire a mesma lata, põe-a em cima da mesa da cozinha e ausenta-se. Quando regressa vê o segundo a lambuzar-se com a sardinha. - Desgraçado!- grita em desespero. -O que foste fazer, oh Deus... isso não era para comer! Era para vender...


Quando Dom João I assassinou o Conde de Andeiro, iniciou oficialmente o processo político que iria salvar o país da eminente ameaça que Castela fazia pender sobre a soberania Lusa. Uma vez instalado na cadeira do Poder, e certamente como forma acimentar empatias e vincar laços, o primeiro representante da dinastia de Avis resolveu premiar com abundante quantidade de moeda a nobreza e diversos elementos da burguesia que com ele tinham colaborado - e de cuja colaboração continuava a necessitar já que a guerra com Castela continuava-. Passada a euforia inicial, o preço real desta medida – impensada, dirão uns, inevitável dirão outros-. foi dramática. A consequência foi uma inflação histórica. O período entre 1384 e 1422 conheceu valores como 500% de aumentos dos preços médios dos bens de consumo, e perdas de valor real de moeda quase cinco vezes mais altas: um real de prata do reinado de D. Fernando, seu antecessor, valia no fim deste ciclo, dezanove vezes menos, ou seja, 1900% abaixo do que o seu valor de lançamento


O risco de bancarrota era mais do que eminente. Por um lado, havendo excesso de moeda, não correspondida por bens efectivos produzidos internamente, os metais nobres saíam do País pelo processo de troca com o exterior, ou seja; importação. Por outro lado, esta saída era feita a baixo valor, pois o dinheiro estava desacreditado e embora se tratasse de ouro e prata, era vista no estrangeiro como sendo de menos valor. A situação era desesperada. Os metais ameaçavam escassear e entrava-se no limiar do paradoxo que consistia em não se ter moeda, e mesmo assim esta valer nada, um cadinho explosivo de onde o pior se poderia esperar. Uma vez que não era possivel recolher moeda nem impor medidas impopulares, com a Espanha sempre a espreitar a oportunidade para tomar de salto o nosso trono, e tudo isto num cenário acompanhada dum crescente descontentamento popular, apenas uma solução foi encontrada: aumentar o território onde a moeda pudesse passar a circular e ser aceite como boa. Para o lado de Espanha, não era fácil e os dois países continuariam em contendas por mais de um século, sendo as fronteiras duramente disputadas e defendidas.
Assim, e após a reunião em Torres Vedras onde foi sabiamente aconselhado, o Rei de Portugal deu inicio ao processo da expansão marítima. O congresso extraordinário levado a cabo nessa ocasião determinou a tomada imediata de Ceuta e o avanço ao longo das costas de África. Este processo conduziu o País à sua Era Dourada como é sabido, e que culminou já em pleno Século XVI com a descoberta do Japão. Pelo caminho tinham ficado sob influência cultural e económica, vastos territórios em África, Brasil na depois chamada América do Sul, e Asia. A pressão interna motivada pelo excesso de moeda diluiu-se totalmente quando esta se expandiu por novos mercados, circulando primeiro por todo o Norte de África onde era aceite por boa nas novas praças as quais, sob domínio Português, produziam da Europa, pela via da comercialização dos tão apetecidos produtos exóticos vindos do Oriente, um extraordinário retorno aos cofres nacionais

Esta forma de resolver crises económicas não foi original e ao longo da História, inúmeros exemplos, como no caso dos Romanos, ilustram as saidas encontradas e que passaram pela anexação de novos territórios. Assim e logo a seguir ao momento Português, também os Ingleses, Holandeses, Franceses e Espanhóis seguiram este curso e expandiram a sua influência pelo mundo.
Mas o que fazer quando não há mais território físico para conquistar? O caso do sucesso do Dolar Americano é bem um exemplo moderno do que atrás se citou: uma moeda aceite por boa em todo o mundo permite que a área real de influência seja de facto também as partes do mundo onde ela é, mais que aceite, disputada e desejada.
Mas, e repito, o que fazer quando não existe mais território físico para exercer influências?
A resposta é muito simples, inventa-se. A forma de inventar território é projecta-lo para o futuro criando-se uma coisa a que se dá o nome de crédito. Acredita-se, ou faz-se acreditar numa dinâmica de crescimento permanente e isso corresponde de facto a uma expansão económica de perfil parecido com a conquista de novos territórios que hão-de trazer retornos.
O perigo disto reside contudo nas distorções inevitáveis a que o processo se sujeita, animado que está da lógica de crescimento permanente, quando a sua dinâmica atinge expressões de progressão geométrica. Boaventura Sousa Santos explica que não pode haver crescimentos económicos infinitos: o planeta é finito, a nossa capacidade de consumir bens também, mas toda esta crise actual assenta de facto nisto: não havendo mais mundo para um sistema assente no crescimento, projectou-se para o campo, já não das expectativas, mas dum transcendente mundo sito algures no futuro, toda a lógica desse crescimento.
A imagem em cima demonstra bem o absurdo a que se chegou. Tal como no tempo de D. João I, a hiper inflação produzida pela injecção de tamanha quantidade de moeda traria a desgraça não só à América mas a todo o sistema mundial. O dolar, ainda apreciado apesar de disputar prestigio e território fisico de circulação com o doente Euro, seria sujeito a uma depreciação incalculável.
A solução, a única solução, foi esta que o Obama conseguiu ver aprovada; divida, crédito, projectar os pagamentos dos incontabiliões de dolar para territórios do futuro, sempre para o futuro, onde ninguém pagará coisa alguma pois essas quantidades de dinheiro são simplesmente impagáveis. Outros países já tinham feito o mesmo antes, o nosso país não é excepção. Gerir uma divida elevada sem preocupação outra que não seja cobrir o serviço da dívida.
E foi aí que os “mercados” acordaram. De algum modo, a imposição da União Europeia em limitar os défices terá contribuido para a desconfiança subitamente instalada no seio dos emprestadores de dinheiro. De repente viram que tinham entre mãos uma mercadoria, - a dívida- que apenas em quantidade muito reduzida correspondia à segurança de bens de facto, sendo o grosso projectado para um hipotético crescimento futuro passivel de cobrir os valores acrescentados do expectável lucro . De pés assentes na terra iniciaram o único caminho que acharam seguro: fazer com que essa quantidade de bens, reduzida embora face à quantificação da dívida total em moeda, passesse para as suas mãos.
Assim, os mercados não querem que se paguem as dívidas. Eles sabem, despertos que estão, que são impagáveis e se alguém as pagasse, o dinheiro libertado traria uma imediata inflação com a consequente perda de valor do mesmo (se calhar o verdadeiro valor); um péssimo negócio para os clientes das agências de rating.
Avançam então os abutres com as receitas: alienação de empresas, privatizações, impostos e penhoras, em resumo, a mudança efectiva de propriedade. É esta a verdadeira motivação, garantir a posse do valor real, agora e neste instante, pois aquilo que eles tem entre mãos, melhor que ninguém, sabem não ter já qualquer valor agora e neste instante, pois o futuro cobrável está a um prazo em que estaremos todos mortos...


Charlie