agosto 30, 2011

Não nos contem que é segredo

Se há coisa que me provoca calafrios é a existência de serviços secretos.

Por muito que faça todo o sentido a justificação oficial para a sua existência, a protecção contra os terroristas e outras ameaças desse calibre, a defesa do Estado contra os cidadãos maus deveria ser possível sem que para isso fossem criados grupos de pessoas que para saberem tudo precisam saber demais.

O poder confiado a esses grupos de pessoas é tremendo, na prática maior do que o dos próprios órgãos de soberania pois nem eles estão acima do raio de acção dos espiões cujo desempenho começa a ser pouco secreto no que respeita aos excessos que lhes denunciam uma rédea solta que jamais uma Democracia deveria tolerar.

Agora reparem: apenas por estar a escrever isto posso tornar-me num alvo desses serviços secretos que colocam telemóveis de jornalistas sob escuta só para tentarem caçar uma potencial toupeira nos seus túneis de informação.

É um facto, não é ficção. O optimismo não é a melhor resposta perante a possibilidade de os factos já vindos a público não serem excepções mas sim a regra de uma organização sem controlo efectivo por parte do seu criador, o que tantos os factos como a ficção demonstram ser o embrião de alguns dos piores monstros que o mundo conheceu.

Com aquilo que sabemos, sempre muito menos do que sabem alguns, já podemos concluir que tanto o processo de recrutamento como o de fiscalização desse poder perigoso são mancos e a própria Democracia pode ver-se coxa pelos danos sofridos, por exemplo, na liberdade de expressão.

Isto não é uma brincadeira de miúdos, é uma ameaça séria ao Regime. Muito mais séria do que a de Portugal ser alvo de atentados ou de um golpe de Estado que tanto do ponto de vista das probabilidades como da capacidade de resposta da Nação constituem medos inexpressivos quando, e é bom que o façamos, os comparamos com a entrega às cegas de poder quase ilimitado a fulanos capazes de o utilizarem em benefício próprio ou de instituições privadas cujos objectivos já se provam tortuosos na adopção destes esquemas que vêm a lume nas parangonas.

A ameaça de serviços secretos com rédea solta é invisível por inerência se os seus espiões não se revelarem tão trapalhões no encobrimento do seu rasto quando fazem das suas.

Ficamos, pois, à mercê do bom fundo desta malta ou apenas do nível das suas ambições pessoais.

É disso que se trata quando olhamos com atenção para estes sinais de balda onde ela nunca pode existir.

Já estamos a pagar a inépcia por parte daqueles a quem confiamos os poderes legítimos do Estado de Direito que escolhemos para nos organizar enquanto país.

Mas se olharmos para o que pode representar em matéria de custo a entrega de meios a organizações capazes, se extrapolarmos a partir do que já se sabe não podemos ignorar tal hipótese, de manipularem a legitimidade em prol de interesses nada públicos, a factura da nossa negligência pode levar-nos a hipotecar muito mais da qualidade de vida do que a falta de dinheiro nos possa acarretar.

7 comentários:

  1. Uau! Iremos ter uma escuta neste blog?

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  2. Não sei, mas eu já sou todo ouvidos...

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  3. O problema não é só de vocês, é um problema mundial no qual serviço secreto se transformou em segurança privada sem controle do estado. Estamos todos na mesma condição, sem planos de controle. Nesse caso, a seleção natural de Darwin nos atingirá fortemente e comandada pela vontade do mais forte (quem paga mais pela informação) contra o mais fraco (aquele que não busca a vida alheia, a menos que seja chamado a auxiliar ou prestar socorro). Que tipo de sociedade e de convivência desejamos no futuro? É um assunto a ser discutido e estudado. Um abraço, Yayá.

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  4. Como diz a Artes e muito bem, os serviços secretos são estados dentro de estados. Mas sempre foram assim. A nossa História oficial é um desfilar de relatos atrás dos quais existe uma imensa trama de espionagens, traições, assassinatos, roubos e ligações adúlteras. O José Mattoso tem a esse propósito uma obra recente que faz parte da minha biblioteca: a História Privada Portuguesa que relata tudo o que a História oficial entende por bem não aparecer.
    Aos serviços secretos do Reino se deveu o facto de termos sido nós a descobrir o Brasil e o caminho para a India e não outros, cujos serviços secretos norteavam os mesmos propósitos: sabia-se à a boca pequena que os portugueses andavam a tramar alguma, mas ninguém ousara ainda desafiar o Mapa de Ptolomeu que mostrava uma África ligada ao extremo polo sul, sem ligação ao oceano índico... Foram os serviços secretos de d. Joâo II que descobriram o erro, e estes antes de iniciar o projecto, por sua vez tiveram informações secretas também da parte de elementos judeus e Templários, que como se sabe desde sempre estão envoltos em hermetísmos, cabalas e segredos.
    Os serviços secretos existem e existirão sempre, e mesmo nós, todos nós, temos o nosso lado solar, e o lado escuro da lua que a ninguém mostramos.

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  5. E ninguém quereria ver o meu "lado escuro".

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