novembro 29, 2011

As pontes que não sabemos construir

Não se trata já sequer de indignação, de desprezo ou de asco. Trata-se, talvez, de uma mescla de tudo isso e muito mais que configura o que, com mais propriedade, chamaria raiva.
Ultrapassei, pois, a fase de ser mais um mero indignado, para acrescentar a componente activa e passar a considerar-me enraivecido. Enfim, as palavras valem o que valem…
Mas mal ouço falar em «pontes», como elemento perturbador da produtividade nacional, não posso deixar de sentir vontade de comprar uma funda.
Mas logo que me falam em prestação de mais meia-hora de trabalho a troco de nada, como factor preponderante para a competitividade das empresas, não deixa de me ocorrer um ímpeto de me munir com uma moca.
Mas, ainda, quando tentam apaziguar-me com a informação de que «apenas» acima dos estrondosos 600 euros é que haverá pensionistas e reformados a ser taxados, avassala-me uma descontrolada necessidade de lançar mão a uma forquilha.
Nada que resolva nada, claro, mas lá que essas vontades me assolam a vontade, é uma enormíssima confidência que aqui vos deixo.
Vejamos, algumas discorrências a propósito:
- Nunca fiz «ponte» nenhuma sem que, para tal, não tivesse de sacrificar um ou mais dias de férias. Irritam-me, pois, supinamente os estúpidos que falam em que temos de acabar com as «pontes», a bem de uma qualquer economia do país.
- Também nunca desempenhei uma função contratualizada sem que alguém não me pagasse um valor definido que retribuísse o trabalho executado – exceptue-se o voluntariado que, como se poderá reparar, é voluntário... Enfim, há outra modalidade, mas essa chama-se escravatura e consta-me que Portugal a aboliu há uns anitos.
- Há vários anos que seiscentos euros (ou seja, cerca de cento e vinte contos, em dinheiro antigo) pouco ultrapassam, em Portugal, o limiar de pobreza. Escapa-me, então, o sentido de ir buscar este extraordinário «referencial» para definição de patamares sociais.
- Falando da meia-hora diária, ainda se, pela tal meia-hora anunciada alguém pagasse o valor proporcional a tal acréscimo de desempenho... Aí poderiam ganhar todos: ao alegado acréscimo de produtividade corresponderia um aumento de honorários e consequente receita fiscal. E, mesmo assim, esta medida continuaria a agravar o problema do desemprego. Mas não. Prevê-se tudo a fundo perdido, parecendo que os anseios maiores destes profetas da desgraça querem para nós – que não para eles! – a regressão a tempos feudais, eles como senhores e a maralha como servos da gleba, ou como os novos escravos. Só que as legiões romanas deixaram de contar com César, deslocalizaram-se e, agora, situam-se algures no centro da Europa e têm uma personagem andrógina, verbalmente incontinente a comandá-las, uma tal Merkozy.
Tudo, uma vez mais e sempre, em benefício de um dos lados à custa do outro.
E o empregador fica, pateticamente, à espera de que alguém fale dos custos das diversas componentes que oneram o produto final às empresas nacionais, para que possam ser verdadeiramente competitivas, como sejam combustíveis, energias, águas, transportes, taxas múltiplas e desvairadas, burocratices, etc., etc., onde invariavelmente paira a despudorada garra do Estado... Do estado a que isto chegou, como diria o Salgueiro Maia.  
Onde pára, no meio desta mixórdia, o mítico interesse nacional? A imperiosa necessidade de políticas racionais e razoáveis, de sacrifício, sim senhor, mas de sacrifício de todos os envolvidos, de contenção, sim senhor, mas de contenção de todos os envolvidos; de empenhamento, sim senhor, mas de empenhamento de todos os envolvidos? Em lado nenhum!
Continuamos todos alegremente à porra e à maça, agitando-nos freneticamente atrás de dirigentes políticos que funcionam apenas como quintas-colunas infiltradas dos interesses dos respectivos patronos sem pátria… e metade de nós nem sequer votamos.
Espantosa e extraordinária esta apetência de suicídio colectivo, à escala global e a prazo.
E da nova sociedade que se erguer dos escombros quantos de nós assistiremos ao seu advento, de coração limpo e cabeça fresca?  

4 comentários:

  1. Para fazer uma funda, basta uma bela tira de cabedal e uns bons barqueiros ou pedragulhos por perto, e claro, muita e bem fundada raiva

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