novembro 14, 2011

O inferno não são os outros...

... somos nós mesmos e Sartre estava absolutamente errado, temos pena.
Vamos lá ver se consigo acalmar o turbilhão de ideias que me levou a esta conclusão e se me permito ser clara e pouco infernal (piada fraquinha, eu sei, mas nunca disse que dava para mais).
Hoje, numa aula de Pensamento Crítico, ao passo que expunha as diferenças (teóricas, já se sabe) entre persuasão e manipulação e o critério ético que as aparta, lembrei-me de perguntar à turma se alguma vez e de que modo se tinham auto-manipulado. E as respostas, inevitavelmente, levaram-nos para o campo das relações inter-pessoais: porque X me mentiu, manipulou-me; porque Y me iludiu, fui manipulada, porque Z me contou a estória da carochinha, fez-me o mesmo. O outro, sempre o outro.
Alto e pára já o bailarico que há aqui qualquer coisa de muito errado: muito bem, se fui mentida e não tinha como distinguir a verdade para lá da patranha, posso não ter tido culpa alguma na matéria mas, as mais das vezes, não somos iludidos, deixamo-nos iludir. Ou melhor: enredamo-nos numa teia de ilusões que pode ter sido desencadeada pelo outro mas foi (e só assim se tece) alimentada por nós, que agora nos dizemos vítimas (o que é sempre muito mais bem visto do que ser "o/a sacana").
Nunca mais me esqueço do caso de uma amiga que, há muitos anos, recebeu da afilhada uma caixa de Mon Chérie. A A. odiava aqueles bombons tanto quanto eu, mas "para não magoar" a miúda, fez uma festa e disse ter adorado. Desenvolvimento lógico? De cada vez que a afilhada a vinha visitar, lá levava ela com mais uma caixa de chocolates que lhe davam vómitos. Suponho que ainda hoje os receba. E se queixe disso, a grande palerma, quando a garota (hoje mulher feita) é que vive na ilusão de estar a agradar a uma madrinha que, no caso concreto, só desaponta.
O que é que aconteceu aqui?
Justamente o mesmo que acontece a um casal quando ele faz uma coisa de que ela não gosta (exemplo comezinho e tipicamente de gaja: não lhe mandou uma mensagem nem lhe telefonou nem lhe prantou um "like" num post do Livro das Caras durante todo o dia) e ela, "para não o magoar", ou enfrentar ou para que ele ache que ela é uma cool e não é nada melga, não lho diz. Ao fim do dia, ELA manda-lhe uma mensagem casual, a perguntar qualquer coisa de formas displicente (porque enough is enough e o silêncio já lhe está a dar cabo dos nervos) e ele responde no mesmo tom. Ela fica pior do que peste (arre porra, não falamos há quase 24h e é tudo quanto tens para me dizer???) mas continua calada, a congeminar mil e uma razões para ele estar a agir de forma atípica (ou característica e ela é que não o quer ver, sabe-se lá), mas não o confrontando; isso é que nunca porque vai dar discussão e as discussões afastam-nos.
What???
Desculpem-me lá os cools deste mundo (mesmo porque não conheço nenhum, o que conheço é gente que se está a marimbar e isso é outra conversa), mas isto é treta da mais pura. Quem é que manipulou quem, aqui? O fulano que nem se lembrou de que a gaja existia e que, por isso, foi fiel a quem era e não a contactou (porque quem é fiel a si mesmo não faz fretes) ou a menina que, para não o perder ou não arranjar confusões ou o diabo, faz de conta que é uma pessoa que não é?!
E quem é que fica na mais pura merda? Ela. Só ela. E bem feito, porque não tinha nada de ser o inferno de si mesma. Quem não é capaz de viver com o outro como ele é, não tem o direito de o iludir, dizendo-lhe que sim. Porque, convenhamos, uma relação que é ameaçada por algo tão elementar como necessidades diferentes de comunicação, não tem pernas nem qualquer outra parte do corpo para andar.
Fiz-me entender? Ora ainda bem.
Eu, pelo menos, fiquei mais esclarecida.

10 comentários:

  1. E um jantar formal para discutirmos isto?

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  2. Hihihi!!! Ou informal, tu é que mandas!! ;)

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  3. Vai uma aposta que tu é que mandas?

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  4. Não porque ganhavas tu. (riso maléfico: hihihihi!)

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  5. Ora cá está um perfeito exemplo de manipulação.
    Ambos os três estão a mentir, são mintirosos, mas o que seria do mundo sem a mintira? Uma coisa tipo pãozinho sem sal.

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  6. Ana, fizeste uma excelente metáfora do que se passa no país. Desculpa lá o estar a «levar tudo para a política», mas o certo é que anda para aí um povo meu conhecido a iludir-se anos e anos a fio e sempre a atirar as culpas aos governos de trampa que ele próprio elege, por estupidez, cobiça ou omissão.
    E a culpa é sempre dos políticos de trampa.
    Felizmente há-de chegar um político-Sebastião que nos resgate numa qualquer manhã de nevoeiro... Chega sempre. Às vezes, a tômbola dá Salazar e o intervalo de 6 meses de que a Manuel Ferreira Leite nos falava dá para 48 anos, mas tudo passa.

    Entretanto, um texto estimulante, sim senhora! Para pensarmos em nós.

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  7. ahahahahahahahah

    Sebastião é um dos gatos da Ana.

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  8. :))) É, sim senhores.
    OrCa - a metáfora aplica-se a tudo, infelizmente... Pensemos em nós, sim!! :)

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  9. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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