Um dos aspectos que mais me suscita estranheza na catadupa de medidas avulsas que este elenco governamental (como tantos outros) tem vindo a assumir – é a aparentemente escandalosa evidência de que as medidas tomadas apontam, em termos de elementar senso comum, para um efeito diametralmente oposto àquele anunciado como pretendido.
Vejamos alguns exemplos:
1 - Aumentar a idade da reforma não é, obviamente, uma flagrante medida de agravamento do desemprego, que nem suscita a mínima análise comprovativa por ser tão óbvia?
2 - E se a insustentabilidade da Segurança Social advém de haver cada vez mais idosos do que jovens – outra enormidade social, diga-se, e que não contempla a verdade primordial de que cada um descontará para si e não para gerações passadas –, como permitir e promover, então, que as novas gerações tenham acesso impedido ao mercado do trabalho? Para onde irá a sua própria segurança na reforma de que o Estado deve ser garante?
3 - Foram diabolizadas as «golden shares» em empresas de serviços nacionais – que já por si deveriam, em minha opinião, ser estatais pela importância estratégica que detêm na nossa soberania – e vai de privatizar a parte residual que cabe ainda ao Estado. Antes de mais, a «golden share» e a posse de acções não são, como é evidente, sinónimos. Isto é, se o Estado Português foi «obrigado» por Bruxelas a abrir mão dessa prerrogativa, tal não implica que o mesmo Estado tenha de abrir mãos das acções que detém.
Mas não, porque está aí o défice e é preciso empenhar anéis e dedos, para parecer bem aos nossos mandadores internacionais! A curiosidade é que, em casos de maior relevância como é, por exemplo, o da EDP, três dos quatro maiores interessados na aquisição de tais acções são, nada mais, nada menos, do que empresas estatais… de outros países! E o quarto, não sendo estatal, é pelo menos promíscuo em relação ao Estado do país em que está sedeado.
Resumindo o óbvio: o Estado Português vende, por mau preço, a outro Estado soberano as suas armas de defesa estratégicas e da pouca soberania que nos vai restando.
No caso em presença, a EDP, ainda por cima uma das mais importantes empresas mundiais na área das novas tecnologias energéticas, pode mesmo dizer-se que estamos a entregar o ouro ao bandido. Ouro que cada um de nós está a pagar na factura da electricidade e que o «nosso» Estado abandalha e esbulha como se fosse dono dele.
4 – Mais meia hora de prestação diária para trabalhadores de empresas privadas, é outra coisa bárbara. Para além de me parecer uma das mais descabeladas traições ao ideário social-democrata pelo que comporta de ingerência do Estado na área privada – pelos vistos, outra hipocrisia -, aqui temos uma muito excelente medida para aumentar desnecessariamente os níveis escandalosos de desemprego que já atingimos, em Portugal.
Para além dessa minudência irrelevante de, com tal medida, ainda se coarctar mais a disponibilidade de tempo dos pais para os filhos, já de si tão estrangulada na lufa-lufa diária e na desregulamentação do mercado do trabalho em que vivemos, e tão geradora das desestruturações do núcleo primordial da sociedade, que se apregoa ser a família.
5 – A recolha de alimentos para «bancos alimentares», ideia de clamoroso e publicitado apoio social nos tempos que vivemos, também ela tropeça num resultado prático aparentemente alheio à recolha de tanta solidariedade, em que somos, definitivamente, pródigos: a engorda dos grandes supermercados, como resultante colateral desta acção cívica, que despacham milhares de toneladas de alimentos, a preço de custo normal e ainda «botam figura» nos telejornais e, porventura, no fisco.
6 – As taxas moderadoras (?), ideia já aberrante na origem, destinada – como aliás sempre se faz cá por terra de lusitanos – a resolver administrativamente maus hábitos criados pela ineficiência e ineficácia das estruturas prestadoras de cuidados de saúde existentes, atingiram o seu cúmulo de bizarria quando foram estendidas também às intervenções cirúrgicas.
Na verdade, mal se entende que o comezinho cidadão se apreste a levar uma facada mais ou menos extensa na sua anatomia, apenas porque o dia amanheceu sem sol, ou porque não lhe ocorreu nada de mais expedito para fazer.
No fundo e como é evidente para todos, trata-se de fazer com que o «tendencialmente gratuito» direito à saúde, que a Constituição consagra seja mais uma letra morta neste pântano de falta de ideias e de transparência, onde o cidadão pagante não faz a mais leve ideia de qual o benefício que colhe por cumprir, a tempo e horas, as suas obrigações contributivas.
A saúde passou a ser paga e com língua de palmo, essa é que é essa, por força dos devaneios socráticos, a que se seguem os «imperativos» troikulentos e passistas. Mas mantém-se-lhes o nome de «taxas moderadoras», como modo imbecil de enganar papalvos.
Quando se discute a insustentabilidade do modelo de alta craveira civilizacional que seria o Serviços Nacional de Saúde, se o deixassem medrar, não se equaciona, por um simples momento, toda a mais-valia que representa para o interesse da nação uma população saudável e satisfeita, falta de abordagem essa que vai inquinar, à partida, qualquer avaliação objectiva.
Mil outros exemplos poderiam ser citados, nesta chusma de medidas cegas e avulsas, em perpétuo movimento de avanços e recuos, do Ensino à Saúde, da Cultura à Segurança Social, em que o actual elenco governamental se tornou perito.
Sabemos apenas que num país onde tudo é tão caro quanto na restante Europa, onde são pagos os mais baixos salários, a par da cobrança dos mais elevados impostos, taxas e quejandos, meia dúzia de bonzos insistem em gorgolejar que temos andado a viver acima das nossas possibilidades, que temos de fazer ainda mais sacrifícios, que temos, afinal, de aprender a desviver.
E se é tudo anunciado em prol do combate ao défice, todos apuramos que delas apenas resulta o cada vez maior embrutecimento de todo um povo, transformável em rebanho ordeiro e cabisbaixo, a caminho da matança e da esfola, agitando os chocalhos complacentes ao som de alguma tonicarreirice das mais foleiras.
Ai, ele andam aos tiros de caçadeira às portagens das SCUT e a sequestrar altos figurões de empresas públicas para lhes rapinar umas centenazitas de euros? Pois, já lá dizia a minha avozinha, aliás, uma santa senhora, que quem semeia ventos colhe tempestades… Ou, adaptando aos casos em presença, quem semeia hipocrisia, há-de colher a demasia.
Oh Jorge: O problema é quando a demasia nem dá para um arrumador se chutar... aí estamos na merda absoluta...
ResponderEliminarA tua avozinha, OrCa, é que sabia... e tu mostras que aprendeste bem.
ResponderEliminarA verdade, Jorge Castro, é que tudo isso que dizes é factual e incontestável. Mas como é que a sociedade pode devolver, leia-se, pagar, aqueles a quem presta os serviços que para a Sociedade são direitos?
ResponderEliminarQuando o Pai do Monstro encetou o processo de desmantelamento da nossa produção, o que teria ele em mente? Será que acreditou piamente na bondade dos que lhe disseram não ser necessário produzir coisa alguma pois as necessidades seriam cobertas pelos parceiros europeus?
Não saberia ele, professor doutor etc em economia, dos ciclos económicos, da velha história metafórica e bíblica das sete vacas gordas a serem comidas por sete vacas magras?
E os que lhe seguiram, e que sucessivamente foram vendendo, recuando, privatizando, deixando de ter Portugal presente no que fazia falta para sermos Portugueses... esses são tão responsáveis como ele.
O que me chateia bués, atrevo-me a buezar, é ( e recorro ao post da Ana) meterem-nos na cabeça dois dogmas: a considerar:
1. somos culpados e temos que pagar aos chulos do FMI baixando as cuecas.
2. TINA (coisa que ouvi hoje ao Carvalhazzzzzzeeee a propósito da Tacher, a dama de lata): There Is No Alternetive.
Quercezer: A malta até quer pagar, mas não podemos pagar como podemos mas temos que pagar da maneira que nunca mais a coisa se dá paga e só assim é que os gajos aceitam que paguemos...
Ora que confusão do cacete, ....da-se que sou mesmo estúpido, mas eles, (lembram-se do Hermann?) ÑÃO EXPLICAM...A MALTA NÃO PERCEBE...
E depois admiram-se duns tirinhos nos pórticos.
Só lamento o ferido ligeiro, pois aí sobe-se para um patamar perigoso,uma espécie de linha onde se pode entrar no campo do não retorno, mas lá diz o Orca no fim do post e muito bem e a propósito das hipocrisias, que quem semeia bostas pelos ares pode bem acabar por sentir um gosto esquisito na boca ...e julgar que está de chuva
Errata: Alternative.
ResponderEliminarTake care, NELO is watching you...
Corregiste a timpo.
ResponderEliminarSoava mal aos timpanos...ai, digo, tém panos..
ResponderEliminarPois... é por debaixo dos panos...
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