dezembro 18, 2011

A posta numa dívida soberana


Embora não seja coisa engraçada acho sempre imensa piada aos desabafos daqueles que choram a perda da soberania por via do torniquete que a crise nos aplicou.
A anedota encontro-a no facto de os maiores chorões se apregoarem adeptos de uma Europa fraterna, unida, quase irmã à luz dos impulsos federalistas dos mais interessados numa integração total e muito para além da economia que acaba sempre por constituir o motor para estas uniões de fato e gravata só para a fotografia institucional ser composta.

É complicado para mim entender estes receios hipócritas emanados dos mais entusiastas por aproveitarem o pretexto da crise para aprofundarem os laços da união que prova só funcionar na perfeição quando o dinheiro não é problema. Soa-me paradoxal, o instinto protector da soberania ameaçada pela ingerência nas Constituições dos países – o limite ao défice quantificado nos desígnios alegadamente superiores das nações – e a coragem unionista necessária para aceitar a imposição de regras que descaracterizam os países e forçam a importação de um modelo de sociedade muito parecido mas de forma alguma tão igual como o desejariam os snobes do norte europeu mais endinheirado.

Se antes a retórica política ainda defendia a custo a paridade, os mecanismos de protecção dos países mais pequenos ou periféricos que garantiam a igualdade no peso decisor dos diversos Estados, agora temos alemães e franceses a ditarem os caminhos a seguir como se o poder do dinheiro se sobrepusesse aos restantes. E afinal prova-se que se sobrepõe, como o demonstra a anuência dos restantes e a falta de tomates generalizada para assumir um murro na mesa para perguntar: afinal quem manda aqui?

Todavia nem perguntam e já nem tentam esconder, desorientados pela falta de soluções para o sarilho nascido da sua incompetência e da dos seus antecessores, intimidados pela condição de reféns do medo de se verem arrastados para o vórtice do furacão que já varre a Grécia, a Irlanda e Portugal, enquanto Itália e Espanha tentam escapar ao vendaval para não desabar toda a estrutura pelo efeito dominó.
São as regras do jogo jogado sobre as brasas do colapso iminente da tal união monetária que todos adivinham ser a única que interessa verdadeiramente e sem a qual tudo o resto é folclore.
Um jogo em que parecemos mergulhados no grupo mais perdedor, com a tal soberania derrotada em qualquer dos cenários concebidos pelos especialistas na matéria. Precisamente os que mais contribuíram para esta inevitabilidade aparente de perdermos pelo caminho uma realidade chamada Portugal, hipotecada aos mais poderosos pelo peso do dinheiro depois de séculos a impedir que tal acontecesse pela força das armas.

É um facto que devemos temer pela soberania, sobretudo pelo impacto da apatia e da cobardia generalizadas perante um descalabro que até faz ministras chorar e que entrega aos poucos o futuro do país nas mãos ávidas de quem não o sente dessa forma, como uma Pátria antiga capaz de feitos de dimensão mundial mas convertido em presa fácil numa impiedosa coutada de piranhas multinacionais.
É outro facto que ninguém pode garantir coisa alguma como moeda de troca para o estrangulamento de cada vez mais famílias e empresas à mercê de um sistema implacável onde nos endividamos perante quem nos empresta e quando voltamos a precisar damos de trombas com a verdade da condição financeira das instituições que nos poderiam valer até chegar o momento de ver tudo deitado a perder na frieza que os números negativos traduzem e implicam.

E na verdade quando se chega a esse ponto, as perdas das soberanias já pouco ou nada nos preocupam.

9 comentários:

  1. Por estas alturas, só assisto a uma apatia soberana...

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  2. Apatia por que estão do lado dos vampiros, e põem-se jeito...

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  3. Já escreveste um comentário sobre isso... que tens de publicar em post.

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  4. O que diz aqui o Tubarão a juntar ao dos Vampiros irão fazer parte de uma reflexão mais abrangente que irá para postinha de bacalhau do alto, mal o mar esteja mais calmo
    Mas adorei a " união de fa(c)to e gravata" e depois obviamente todo o escorrer do argumento.
    Bela malha, Tubarinho migo :D

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  5. OK, OK... mas nunca te esqueças de que nunca somos totalmente soberanos.

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  6. Falando por mim, lá por casa, mantenho-me implacavelmente soberano, claro.

    Isso, enquanto não me alertam para o facto de estar na hora de pôr a mesa, ou da minha gata achar que a hora é melhor para se aninhar no meu colo do que de me permitir dormir esparramado num sofá, ou do vizinho da frente sobressaltar o mundo e o meu sono com uma buzinadela de raiva ou desforço.

    Mas que me mantenho inexoravelmente soberano, lá isso mantenho!

    E o Shark tem razão, mesmo vogando nas águas turvas e inclementes dos tempos presentes. Creio bem que, de há largos anos a esta parte, sempre que um bom político ouve a palavra «SOBERANIA» dá um salto sobressaltado e pergunta logo: « -Onde? Onde?»

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  7. Eu, em casa, é onde sou menos soberano.

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  8. Já semos dois....mas acho que há mais...

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  9. Eu acho que são muito poucochinhos os que não são...

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