julho 24, 2011
Das mensagens subliminares
Tenho um imenso problema com a falta de clareza.
Normalmente, num grupo de amigos, sou presa fácil para aquele tipo de piadas com segundas intenções, em que é suposto que alguém caia: não há que enganar, sou sempre a primeira (e normalmente a única) a cair. E rio-me muito quando percebo (porque alguém me dá o toque, ou antes, me explica direitinho) onde estava a ratoeira. Mas volto a cair (e a rir) logo a seguir.
Ora quanto a isto, nenhum problema.
O caso torna-se um nadinha mais grave quando é suposto que eu perceba mensagens veladas que não me são directamente dirigidas: uma boca, uma canção, um poema, a alusão a um facto de forma abstracta. Nunca parto do princípio que é a mim que se referem. Por que deveria partir?!
Quando me são dirigidas sem margem para dúvidas, também não basta: tenho de tentar perceber o que se quer dizer por detrás do que se diz, para bem da minha mente analítica e para mal da comunicação que o outro pretende erigir a partir daí.
Ora ponha-se a hipótese (meramente especulativa, já se sabe) de eu ter dado de caras com algo que, lá no íntimo, até creio poder ter sido feito/dito a pensar em mim. O meu procedimento é sempre o mesmo: encaro, tento chegar a todas as interpretações possíveis e nunca me satisfaço com nenhuma, porque todas as outras fazem igual sentido.
(De resto, sempre me fez uma imensa confusão quando, no secundário, em Português ou Filosofia, os professores me ensinavam que naquele verso/passagem, o autor queria dizer X. Mas como? Porquê? Se é necessário interpretar é porque a mensagem não é cartesianamente clara e distinta, logo... por que razão devo aceitar aquela interpretação como a mais correcta, afastando a angústia de nunca vir a saber a quem se referia Dom Dinis numa Cantiga de Amigo ou o que pretendia Lévinas dizer numa das suas muitas obras, sem margem para enganos?)
Adoraria ser daqueles indivíduos que não só percebem mensagens subliminares como respondem no mesmo tom. Acho cool. Mas sou incapaz, por mais sedutora que esta atitude, ao que parece, seja encarada pela maioria. E, voltando à meramente especulativa hipótese do parágrafo acima, aos algos que suponho terem sido publicados por mim (porque para mim não foram, uma vez que o meu nome não consta em parte alguma), se eu soubesse comunicar no mesmo comprimento de onda, responderia com uma música: Teresinha, de Chico Buarque de Holanda, supremamente cantada por Maria Bethânia (mas também por ele); e isto porque julgo que tem uma letra que se adequa. Quer dizer, adequa-se moderadamente, já se sabe, jamais conseguiria quedar-me pelo "toma lá a canção e lê aí o que quero dizer". Porque eu não quero certamente dizer o mesmo que Chico sentiu quando a escreveu ou Bethânia sente quando a canta. E não resistiria a acrescentar que àquele que "me chegou como quem chega do nada", não lhe bastava deitar-se na minha cama e chamar-me de mulher: tinha de me dizer quem é e ao que vem e não fazia mal nenhum que, como aquele que "me chegou como quem vem do florista", me chamasse de rainha. E, já que estava com a mão na massa, ainda acrescentaria uns petites riens de minha lavra.
Conclusão?
Sedutora é a transparência, são as palavras ditas olhos nos olhos, as músicas cantadas mão na mão e as emoções sentidas com verdade. Isso sim, é sexy e absolutamente irresistível.
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"Sedutora é a transparência"...
ResponderEliminarNo sentido de honestidade, ok?! ;)
ResponderEliminarPronto... tinhas que me acordar no meio de um sonho lindo...
ResponderEliminarTu acreditas na utopia da sinceridade absoluta, Ana?
ResponderEliminarShark - Não, que ainda não ensandeci de vez e quero que me continuem a dizer que não (que disparate!), claro que o meu nariz não é muito grande, claro que nunca emagreço demais, claro que não há ponta de celulite no meu corpo. Mas acredito nas mensagens ditas às claras. Também achas pouco sedutor, é?
ResponderEliminarDemasiado transparente, Shark?
ResponderEliminarEu acredito, Shark.
ResponderEliminarE não acho que a transparência e a sinceridade tenham que vir junto com agressividade. Esta sim, é pouco sedutora e lixa tudo.
Eça é que é Eça.
ResponderEliminarEssa ligação entre transparencia ou honestidade e agressividade tem algo de manuelamouraguediano e é um erro em que se cai amiúde, porque nao ha ligação directa entre uma e outra. :)
ResponderEliminarexactamente, era isso mesmo que eu gostaria de ter dito, se é que não disse. em relação a tranparência e sinceridade, mas posso estender também a honestidade sem problema :)
ResponderEliminarE pode-se ser bem agressivo e perfeitamente opaco.
ResponderEliminarEu gosto do discurso subliminar e abstracto e também o pratico, porque apesar da carga subjectiva que comporta, é um exercício muito interessante. É que já fui confrontada com outros discursos, olhos nos olhos e blá blá blá à mistura que, na prática, são meras emoções rendilhadas e pré fabricadas, adoptadas por interlocutores cheio de estilo e de nada.
ResponderEliminarKikas - Concordo contigo em termos da riqueza do exercício; e concordo igualmente com a ideia de que há gente a personificar uma practicidade que não passa de fachada. Mais: quando escrevo um texto destes, refiro-me a mim e ao modo como comunicam comigo, ou seja, o que pretendo dizer é que EU não entendo o discurso codificado, seja porque não o quero entender, seja porque não o sei. E isso foi claríssimo na minha passagem pelo blogue da nossa São... :) Mas adoro ler os diálogos de quem se entende dessa forma; de resto, até o faço com alguma inveja. Mas não é para mim, como não o são os saltos de pára-quedas: adoraria fazê-lo, mas não saberia desfrutar. :)
ResponderEliminar(... mesmo porque "emoções rendilhadas e pré fabricadas", emanadas de "interlocutores cheio de estilo e de nada" são mais do que subliminares: são desonestos. E esses não se adequam ao que eu disse. Transparência é transparÊncia, não é simulacro de transparência... )
ResponderEliminarPosso revelar-vos um segredinho? Só me senti e sinto plenamente a dizer a verdade clara, cristalina, sem opacidades nem demasias, quando estou com alguém em quem confio. Redundante? Claro. Mas verdadeiro.
ResponderEliminarOrCa - Bem-hajas pela transparência do segredo. ;)
ResponderEliminarEu, convosco, sou tão transparente que até mudo de sexo!
ResponderEliminarTenho a sorte de me ser igual. Variam as características do interlocutor e eu adapto o ritmo do discurso, mas sinto-me à vontade na sinceridade pura e dura como nos rodriguinhos com que acabamos por dourar a pílula até se perder a verdade dos factos pelo meio do rebuscanço da "melhor forma" de dizer as coisas.
ResponderEliminarSe for uma interlocutora, a questão nem se coloca e não, não vejo que tenhas um nariz grande, acho-te equilibrada no peso e arrisco palpitar que de celulite nem vestígios.
:)
Margot, a transparência e a sinceridade são agressivas por natureza na percepção de quem não tenha poder de encaixe.
ResponderEliminarE em matéria de mudança de sexo sou mais opaco do que a muralha do Castelo de São Jorge.
ResponderEliminarNão mudo!
O que eu acho é que a sinceridade não é dura, é o que é. Mas agradeço os rodriguinhos, no meu caso!! ;)
ResponderEliminarA mim, o Shark não enfia o rodriguinho.
ResponderEliminarMantém-te alerta, não fiando...
ResponderEliminarSó se fosse totalmente transparente, inodoro e insípido.
ResponderEliminarnão tiro o chapeu pois é coisa que não uso, talvez o capacete com que queimo as entremeadas na bicicleta... Mas prostro-me perante vós senhora, por tão excelso naco de neurónio...
ResponderEliminarBelo texto
Que bom gosto... Ana ;)
Prostrar também eu me prostrava...
ResponderEliminarCharlie - Obrigada! (eu não digo que o dia hoje tem tudo de bom? Há elogios do caraças!!)
ResponderEliminarSão - Eu sei, eu sei... para me comparares a cor das unhas dos pés com a cábula dos pantones, verdade? :D
Mas sem te acordar a cadela :O)
ResponderEliminar... bem como deste!
ResponderEliminarExcelente texto e subscrevo a conclusão :D
Obrigada, Paula! Já vamos sendo alguns, os que dispensam malabarismos e privilegiam a ausência de fachadas. :)
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