julho 12, 2011

Reflexão sobre crise e Democracia...

Num post anterior, e a propósito da informal entrevista concedida em plena rua pelo mestre Galeano, sobrou-me uma reflexão publicada pelo autor deste blogue, como corpo de texto, a sublinhar o respectivo trecho em vídeo e depois um desabafo, o qual agora desenvolvo e partilho em post. Um desabafo triste pela tristeza em que me faz mergulhar a Humanidade, tão fácil de conduzir pelas sendas da estupidez de regresso à barbárie. E apetece-me de repente ser antidemocrático.
Imagino um cenário: centenas de homens, no conforto do seu entorno que os envolve. Uma muralha que os protege na viagem que em conjunto encetam na procura de produtos que a terra proporciona e dos quais vivem. Quando avançam, a muralha avança com eles, metro a metro, passo a passo no meio duma grande alegria. O seu andamento é ditado primordialmente pela morfologia do terreno, quanto mais liso melhor, mas se aliado à lisura, for de toada descendente, tanto melhor: para baixo todos os santos ajudam. No entanto, um dos homens é diferente de todos os outros e passa o dia em cima do muro a olhar mais além dos limites deste. E eis que vê de repente o perigo: a poucas centenas de metros numa dessas viagens, o terreno, fértil e abundante, começa a descer de forma acentuada, o que irá agradar de sobremaneira aos seus companheiros. Mas, logo a seguir, um enorme precipício escancara a sorte: será o desastre se continuarem a avançar na direcção que há tempos vão tomando. O aviso incomoda o povinho que vem espreitar para fora, por entre nesgas do muro. E o que vêem? Nenhum precipício, apenas um terreno em plano inclinado e cheio de coisas boas. Então perante a insistência no perigo vindouro que o homem em cima do muro não pára de acenar, decidem democraticamente qual o caminho a seguir. E democraticamente decidem por maioria que o caminho a seguir é sempre em frente... rumo à fartura e à desgraça... colectiva.
Este cenário, apresentado deste modo, hiperboliza e coloca ao nível da caricatura algo que nos é terrivelmente característico. A História mostra à saciedade como os mecanismos de conforto acabam por aprisionar as sociedades. As protecções criadas acabam por aprisionar e condicionar todo o desenvolvimento e comportamento crítico consequente. Perdendo-se a noção de causa efeito, todos os desconfortos ou ameaças futuras são relegadas para planos, ou secundários ou fantasiosos, perante o desconforto imediato do derrube da (aparente) segurança instalada. Os problemas criados pelo Homem em consequência da sua própria criatividade tem conduzido a sua História pelos caminhos mais díspares: por um lado o avanço do conhecimento; por outro lado a detenção dentro dos muros do interesse e do conforto dos benefícios trazidos por esse mesmo conhecimento. Este comportamento é transversal e é característico em todos os campos da actividade humana. Desde os tempos mais primitivos, desde o segredo do fogo, até às cidades muralhadas, da Grande Muralha da China às patentes de propriedade, em todos os campos o Homem cria e condena a criatividade alheia no campo do qual se apropria, mesmo que essa apropriação seja em última análise e, de forma paradoxal, prejudicial aos seus próprios interesses. Um povo a marchar para a desgraça envolvido pela "propriedade" que o protege de ver a desgraça para onde caminha, eis um cenário que poderia bem ser adaptado aos tempos modernos: um salto sem para-quedas verdadeiro, calmamente perpetrado pelo saltador equipado de óculos virtuais, através dos quais aterra com suavidade no estatelamento fatal.
É um facto que resulta extremamente dificil mudar os hábitos instalados se estes implicarem a noção de sofrimento e de perda, mais uma vez devido ao apego aos paradigmas, à noção básica de conforto instalado em torno da observação de símbolos considerados incontornáveis e essenciais. A ruptura e adopção de novos costumes que impliquem algum sacrifício são dolorosos e desconcertantes para a grande maioria das pessoas e, de modo geral, para o funcionamento das Sociedades. Agimos como um grande Ser colectivo que tem de ter alguns valores perenes em comum e aí entra a dificuldade da mudança graditiva e harmoniosa. Quase nunca ela é possível, como a História mais uma vez demonstra, sem convulsões e passagens violentas: uns sofrem para não ter de sofrer mudanças enquanto outros sofrem para mudar por não quererem viver em sofrimento. Mas o que dizer quando é fundamental, premente até, romper para evitar a catástrofe, e a sociedade não quer mudar e exerce essa vontade pela expressão democrática?
Interrogamo-nos sobre qual a razão pela qual a Humanidade tem de passar periodicamente pela descida à Barbárie, sempre que as soluções civilizacionais em vigor, subordinadas a esses valores, entram em crise. No fundo, o que ressai é a constatação surpreendente, ou talvez não, de que continuamos a ser de facto pequenas tribos primitivas, preocupadas antes de mais nada em sobreviver sejam quais forem os custos, desde que não questionem o intangível à volta do qual tudo se reúne, que em simultâneo envolve e a que de algum modo se possa chamar de Deus(es), num ambiente em que se muda apenas o suficiente para que tudo continue, no fundamental, na mesma....

33 comentários:

  1. Ashas cu Nelo çeria melhér pra deitar a mãu ha um açunto deçes?

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  2. O Charlie, sem dúvida. Tu... só lendo.

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  3. Talvez seja caso para rever o conceito de "democracia" e definir uma etimologia consentânea com o uso actual, senão vejamos: "demo" de demónio, e "kratos" de poder. Assim já bate tudo certinho.

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  4. Oh LIbélula Purpurina, essa etimologia ainda poderia ser mais actual: "Demo" de demónio, OK, quanto ao "Kratos" não terá a ver com Educação, ou Matemática ou Eduquês, ou lá que diabo é aquilo????

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  5. E que tal. Libelita e Eduardo, Sao Rosas quem mais vier, educar para a Democracia criminalizar a Demagogia?
    Sendo a democracia uma arma tal como um veiculo o é, será legítimo, ou antes prudente colocar um artefacto de considerável poder tecnológico nas mãos de quem não está habilitado a fazer um uso consciente, consequente e responsável do mesmo? Será legítimo dar uma moto-serra a um habitante indígena do interior dos Amazonas que jamais contactou com os malefícios do enorme poder desse meio de desflorestação?
    Então porque damos um tão grande poder de escolha a quem não sabe a profundidade dum acto tão simples e ao mesmo tempo tão poderoso como colocar uma cruz num papel.
    Carregar num botão é do mesmo modo simples e basta esse gesto para detonar um explosivo seja qual for a potência destruidora.
    Então se para manipular artefactos de grande alcance e consequências em potência é necessário estar minimamente habilitado, que razão assiste a quem não tem formação democrática, querer exercer o acto de votar?

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  6. Oh Charlie, vamos por partes:
    1- Os"anarcas" dizem que "a arma é o voto do povo";
    2- Era por o voto ser um acto poderoso que durante tantos anos só havia voto na "União Nacional", para não dar ao povo essa arma;
    3- Como dizia o outro, "A democracia é o pior de todos os sistemas com excepção de todos os outros";
    4- As pessoas que precisam de acreditar em algo, têm tendencia para ir atrás dos falsos profetas, que lhes prometam a vida eterna, o ganhar o euromilhões ou não sei quantas mil virgens no paraiso;
    5- Agora como é que se desmonta a demagogia? Será "parando a democracia durante seis meses" como queria a outra?Será desde o jardim de infância e do ensino básico? E quem é que ensina???
    6- Quanto a mim, esta parte está em aberto...

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  7. Não sei, mas essa parte do "bem aberto" é a que mais me agrada... (Mil perdões. Não resisti a meter uma perninha...)

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  8. Bom... não foi bem a perninha... foram mais dois dedinhos de prosa... Não?? Também não?? Pronto! Está bem. Prometo que me vou portar bem... :(

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  9. Claro que meter a perninha é sempre bastante mais interessante do que - e em oposição a - meter a pernona. E perninha acompanhada de dois dedinhos, upa-upa, dá para conversa que não mais acaba, e isso é para mim mais, mas muito mais que bom comportamento...
    Quanto à questão que o Eduardo desdobra em seis.
    Começo com uma declaração de intenções: Não sou antidemocrático, nada disso.
    Tendo nascido "no estrangeiro" e vivido sempre no ambiente democrático até à vinda ao país de Marcelo, faço parte dos que a devolveram ao país. O que vejo com rasgos de tristeza, é o relegar dum instrumento tão importante, fundamental até para a vida colectiva, relegada por um lado para o campo do desinteresse, da descrença e por outro transformado num meio para a ascenção social de oportunistas, carreiristas e outros de igual teor.
    Ora a política é algo muito sério e nobre e sendo fundamental nas sociedades de modelo aberto e plural, carece da uma construção de raiz. A juventude tem da democracia numa vaga noção, por um lado viveram sempre nela, não podem avaliar as diferenças pois não tem experiencia pessoal vivida do regime anterior.
    Por outro lado, este estado amorfo , este estado de relegar os destinos que são de todos para as mãos de uma elita iluminada enquanto o povo vai à praia e à bola ou embebeda-se em casa e não exerce o direito-dever do voto, tem um responsável directo o qual pertence à mesma área politica que de momento tem os nossos destinos colectivos nas mãos e de onde emergio a famosa frase da suspensão da democracia por seis meses.
    Cavaco Silva, o Anibal era então o ocupante do lugar que agora o seu delfim Passos ocupa. O ambiente de então era ainda o do rescaldo dos anos quentes e revolucionários.
    Nas escolas ensinava-se noções de politica e de democracia.
    Lembro-me como se fosse hoje: "A partir de agora temos que trabalhar e deixar essas coisas da política, da revolução etc. Já chega de política..."
    E desapareceu tudo o que nas escolas se ensinava sobre como os homens e mulheres de amanhã poderiam ser donos efectivos do seu destino ao exercer de forma esclarecida, motivada e consciente o direito mais extraordinário que um povo pode exercer: o voto.
    Os tempos de hoje são assim caracterizados por algo bizarro: os dirigentes são escolhidos por pessoas que nunca aprenderam a importância e alcance efectivo da sua escolha. Sente-se, por vezes subliminarmente, mas outras de forma bem visível, que o poder receia a democracia. Quem manda, não gosta de poder ser destronado. E assim, nada melhor que espalhar o amorfismo: votem, votem que é um direito... -
    Mas ficam torcendo para que a praia, o passeio, ou o centro comercial seja mais importante para as cabeças que lhes convém serem tontas...

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  10. Perninha... dois dedinhos... não sois nada tontos, vós!

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  11. Como sabemos, qualquer repasto pode perfeitamente ser apimentado com dois ou três (se couberem) dedinhos de conversa, enquanto se fazem perninhas por diversos temas...tontos :)

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  12. Eu voto nos dez! Que isso é coisa para dominar um sexofone inteiro!

    Quanto ao voto... a democracia não tem culpa que os homens a tenham tornado pouco democrática. "Tens que votar, Zé", "O voto é muito importante", "Ah, é? Atão e voto em quem?" "Tens aqui a opção A e a opção B que são as duas muito boas", "Ó pá, mas eu não queria essas... não há mais opções?", "Há. Vais à praia... ou assim..."
    Mas isto um dia destes vai mudar... e então se verá quantos realmente vão à praia... Eu tenho as minhas dúvidas que os jovens, por exemplo, sejam tão apáticos, irresponsáveis e ignorantes como se quer fazer crer...
    Por outro lado, tenho muitas dúvidas que "votos" sejam suficientes para desmontar tamanho circo. Mas... "migalhinhas é pão".

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  13. Uma louca Jam session levada a cabo por uma boa dupla de sexofones, a improvisar sobre um tema livre é de beber todo em tinto, espírito santo de orelha e chorar por mais.... leitão...
    Perante o cenário proposto, se o cromo põe o voto no A ou no B ou na praia, é óbvio que se poria como caricatura, não fosse o facto de corresponder à verdadinha pura e dura... (ou mole).
    Daí que seria importante educar para a democracia. Ela não é um apêndice do nosso viver colectivo, algo lateral e quase como que tolerado pelo poder, mas antes a essência do nosso modelo de sociedade. Não se vive em ditadura nem em anarquia, mas em democracia, embora por vezes tudo pareça ser mais bandalheira...

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  14. MRPP, digo, P.S.
    (Há alguém contra vinte dedos? Se não, eu proponho voto :)))))

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  15. Vinte um dedos e, como diria a Ana Andrade, não se fala mais nisso!

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  16. Se fosse Banda seria um vinte-e-um-teto
    Que serve mesmo só para tocar e não se mexe mais nisso,
    Et voilá: Je suis d'accord (figura do diabinho)

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  17. (O Nelo tá com uma pronúncia esquisita...)
    :)

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  18. Distraiu-se!

    ahahahahahahahahahahahahahahah

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  19. Melhéres, ei u cu dá uma melhér tentare adapetadar-çe au novo acordu hortográphico....
    Xi, neim çei u que les diga, poish uma melhér inté muda o çetaque e tudu e açim... :(

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  20. Bem... felizmente conseguiste recuperar!

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  21. Entre dois dedos de prosa e uma perninha na conversa, sempre vos digo que me arrepia um pouco a velocidade com que se saltou do «Verão quente» para esta permanente morangada açucarada...

    E a chatice é que a malta acordou tão assarapantada do sonho que nunca mais dormiu nada que jeito tivesse. Agora, andamos todos a sofrer de insónias... Excepto em cantinhos destes, claro, em que se vai do dedinho à mão cheia sem que o Diabo tenha tempo para esfregar o que quer que seja.

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  22. Olha Orca, se for o olho, (para esfregar) podes chamar o Nelo...

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  23. Oh Jorge! Tu chegaste e tentaste pôr agua na fervura do tema que já esfregava dedos e as mãos todas cheias de palavras (que como dizia o outro, e aqui está mais um exemplo ao vivo) são como as cerejas... quando há uns comentários atrás ainda se tentava resolver a domocracia, e agora pelos vistos também... metem-se todos os dedos...ao mesmo tempo

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  24. Podes contar; um dois, três...isso...isso.... conta que vais bem...hhhihihhi

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  25. Eu não preciso de contar pelos dedos

    :OP

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  26. Eu também sou como tu, dou o dedo a contar....

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  27. "Abre a boca e fecha os olhos..."

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