Há qualquer coisa de profundamente anacrónico ou até de esquizofrénico numa sociedade onde se propagandeia a nossa adesão incondicional e imediata aos mais vanguardistas avanços da tecnologia, que nos transforma numa espécie de árvore de natal com pernas, onde os enfeites são iPhones e iPads e iPods, num ai-jesus-que-não-me-chega-o-que-ganho mas, logo ali ao lado, uma mina de volfrâmio, velha como as coisas velhas, desaba sobre um jovem de vinte anos, ceifando uma vida, inútil e desperdiçadamente, por pouca ou nenhuma aplicação dos avanços tecnológicos de que a Humanidade dispõe e que tão bem poderiam e deveriam prever e impedir desgraças destas.
Que me perdoem os puristas da arte de bem escrever pela extensão do parágrafo anterior, mas ela é seguramente menor do que a extensão da sensação de indignação que me percorreu ao saber de mais esta morte inútil. Deste desperdício de uma vida ainda tão pouco vivida.
Por uma daquelas coincidências em que a vida é fértil, perto da mesma hora em que decorreu tão funesto evento, estava eu, no teatro A Barraca, em Lisboa a ouvir uma actuação de um grupo coral constituído por velhos mineiros reformados das minas de São Domingos, no Alentejo, actuação que foi encerrada por um Hino aos Mineiros, em homenagem a todos os camaradas mortos no exercício da sua esforçada labuta. Podem ser colhidos mais detalhes aqui: Grupo Coral da Liga dos Amigos da Mina de São Domingos - http://ligasaodomingos.com.
Cântico colhido no acervo musical asturiano, cuja fertilidade se empolgou durante a Guerra Civil espanhola, e que os irmãos alentejanos tiveram artes de adoptar como bandeira cantada.
Cântico a que o acaso aliado à necessidade – neste caso, a necessidade imperiosa do sustento diário – conferiu foros que ninguém, de quantos presentes juntaram a sua voz àquele hino, imaginaria.
E fico-me por este apontamento-reflexão ou seja lá o que for isto, constrangido pelo desperdício tão inglório de uma vida, a somar a tantas outras que enxameiam a planura alentejana, e a que a bateria interminável e inexorável de i-qualquer-coisa dos cumes da tecnologia, não descobre artes de pôr cobro.
Nostalgia e pessimismo? Se calhar estavam à espera que eu comentasse o facto de a entidade patronal envolvida ter, muito prontamente, sugerido que o rapaz morreu por culpa dele próprio…
Claro! Quem mais?!...
ResponderEliminarAs minas sempre me fizeram uma impressão terrivel. Não só por serem uma ferida na grande Mãe Terra, mas ainda por serem a ponta duma cadeia terrivel. Morre gente debaixo do chão para tirar o metal com que se há-de fazer os meios para matar mais gente. Morre gente debaixo do chão para tirar grão a grão, grama a grama, aquilo que é precioso, ao ponto de se tornar tão banal que é às toneladas que enche dele as lixeiras.
ResponderEliminarPensemos: sempre que se deita uma lata fora, houve suor, lágrimas e morte por cada X de unidades daquilo que esgota a sua serventia uma vez acabado seu conteúdo.
É isto sustentável???
Nem num mundo infinito....
Fazes um post ou tenho que o fazer eu?
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