novembro 12, 2011

«Dúvidas de um refém...» - por José Couto

foto «Diário as Beiras»
Há uns tempos, o País ficou chocado com as declarações da Dra. Manuela Ferreira Leite quando sugeriu uma suspensão temporária da democracia para garantir a estabilidade necessária durante um período de alguns meses, suficiente para a introdução de medidas que sendo necessárias, eram impopulares ao ponto de não sobreviverem ao “jogo” democrático.
Quero aqui afirmar claramente que eu fui um dos que não queriam acreditar... E se agora recordo o episódio, é porque a Europa dos nossos dias nos está a deixar reféns. Reféns da democracia dirão uns, reféns de maus políticos digo eu.
Só posso ter pena, lamentar profundamente, a falta confrangedora de estadistas entre os líderes europeus. As eleições regionais que se avizinhavam impediram que a Alemanha agisse, como e quando devia, no problema grego. Sarkosy não mobiliza recursos internos para o fundo europeu de resgate como devia temendo as eleições de 2012. O debate eleitoral em Espanha tem alimentado uma demagogia que afasta as políticas adotar da lógica de coesão e integração europeia. O tradicional egoísmo inglês faz com que a Inglaterra insista em ter uma relação de privilégio com a Europa, permitindo-se ser um dos maiores beneficiários da UE fugindo das proporcionais responsabilidades. Em Itália a arrogância e a difícil sobrevivência da maioria está a empurrar o País para o abismo. Na Grécia, as mentiras que suportaram o acesso ao poder, e as lutas pelo mesmo estão a infetar o futuro de toda a Europa. Poderíamos fazer exercícios idênticos por toda a União Europeia.
Agora que todos voltam a falar da necessidade de aprofundar a construção europeia, a dúvida que me assalta é simples: como poderemos avançar se todos olham para a sua sobrevivência política primeiro?
As empresas e as famílias, em Portugal como em muitas zonas da Europa atravessam momentos de verdadeira angústia, quer pelas consequências da crise financeira quer pela “escuridão” que se antevê para o nosso futuro. A Europa foi capturada por maus políticos, que demagogicamente se protegeram alimentando egoísmos eleitoralistas e ficámos seus reféns.
Hoje, não resisto a perguntar se não haverá por toda a Europa quem pense que o melhor caminho seja suspender a participação dos cidadãos, limitar a partilha das decisões por processos democráticos. Na verdade este pensamento começa a manifestar-se timidamente em vários espaços de opinião, constitui um perigo, um risco acrescido, quando junto com a inépcia de lidar com a “crise sistémica”. Estamos portanto a por à prova a capacidade dos líderes políticos europeus, e a sua capacidade de gerar boas respostas. Os sinais não são os melhores, veja-se a hipótese de solução proposta pela última cimeira franco-alemã: a Europa a duas velocidades… Não será isto o indicador de como estamos reféns da falta de ideias, ou das más ideias?

José Couto
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Texto publicado no jornal «as Beiras»
José Couto é presidente do Conselho Empresarial do Centro (CEC)

6 comentários:

  1. O que eu penso disto é que existem de facto reféns.
    Acabamos por ser todos reféns de um sistema ou melhor, estamos aprisionados pelos limites de uma máquina que tem uma lógica implosiva e constrictora.
    Desde há mais de dois séculos que se sabe qual o percurso natural dos sistemas económicos baseadas na concorrência: a concorrência elimina a concorrência! Ou seja, um mercado aberto acaba por ficar fechado no restrito círculo de interesses dum pequeno grupo que anulou toda a concorrência.
    É-nos fácil pegarmos nos exemplos mesmo ao pé da porta, da nossa porta.
    Dantes podíamos escolher entre as mercearias do bairro, depois vieram os "hipers" e passamos a escolher cada vez mais os "hipers" quer pelo preço, quer pela diversidade da escolha. Agora, que os merceeiros faliram, pela concorrência feros dos grandes espaços, os "hiperes" vendem o que querem com muito menos variedade na oferta e ao preço que mais lhes convêm; a eles, não a nós.
    Por outro lado, os produtores - e uma vez que eles deixaram de ter mercado junto aos antigos merceeiros-, passaram a ficar do mesmo modo quase totalmente dependentes dos "hipers" que lhes impõem preços de miséria, limitação na variedade dos produtos e prazos abusivos, ou seja; condições de operação totalmente imorais, anti-económicos, para não ir mais longe e dizer ilegais.
    Este exemplo, que pode parecer despropositada, tem tudo a ver com o que J.Couto escreve e tem o sentido de desmontar a terrivel deriva antidemocrática que alguns políticos pretendem -como F. Leite-,adoptar como processo de implementar medidas e soluções.
    A verdade, e pelo que atrás ficou dito em relação aos "hipers" versus mercearias, é que o corte da nossa capacidade de reagir contra o ataque aos nossos direitos não resolve coisa alguma. Esta falácia é-nos metida na cabeça pelos políticos incompetentes e com falta de coragem para dar o murro na mesa e apontar os verdadeiros culpados: o monopolío do sistema financeiro!
    Subrepticiamente este foi lançando os seus tentáculos, espalhando créditos através de uma cadeia que acabou por tornar TODOS reféns.
    Fomos nós, os consumidores, que encantados pelo cante da sereia, dos "baixos preços" eliminámos todo um sector que criava empregos locais e que permitia uma saudável concorrência entre produtores que por sua vez também criavam empregos. Fomos nós, os países falando agora em macro, que para desenvolver as economias, embalaram no cante do crédito fácil sempre a subir em direcção ao sol e que agora de repente vemos as asas de cera a derreter, o mar escuro lá embaixo.... e já estávamos quase a chegar ao paraíso...
    E o culpado é a Democracia????
    Vimos ao longo da História que nas alturas de convulsões económicas, as franjas das sociedades aparecem como os bodes espiatórios, os culpados de tudo. Uns porque são pretos, ou porque são ciganos, ou porque são imigrantes, ou porque tem o cabelo encaracolados, ou porque são funcionários públicos, ou porque são democratas....
    E ninguém aponta o dedo aos que - uma após uma - ficaram com todas as cordinhas nas mãos e que se divertem "bués" a fazer de todos nós marionetes das suas jogadas.
    Pois bem, é hora de nos unirmos e em conjunto puxar pelas cordinhas que nos prendem e deitar abaixo o gigante de papel que nos tem reféns dos seus dedos.
    A solução que muitos apontam- a tal suspensão da democracia- iria apenas permitir ainda mais o fecho da espiral da serpente que nos constricta pois o único limite é o que advém da livre expressão da nossa indignação, quer seja em acções de rua ou nas urnas.
    Não se pode dar crédito a políticos que apontam como solução para a crise, a adopção de medidas que aprofundam mais a crise, mas parece que é precisamente nisso que eles estão apostados, reféns que se encontram do sistema financeiro: uma coisa tremenda mas em cujo no topo assentam os interesses de apenas meia dúzia de individuos a quem não sei se hei-de chamar de pessoas.

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  2. Charlie:
    1) selecciona o comentário todo;
    2) copia;
    3) abre um post em branco no Blogger;
    4) cola;
    5) dá-lhe um título;
    6) publica.

    A malta agradece.

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  3. Ok, segue já :)

    e isto? és tu???

    http://jornal.publico.pt/noticia/13-11-2011/o-governo-grego-da-grandes-golpadas-nos-damos-pequenas-23406869.htm

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  4. Descobriste por que motivo optei por "assinar" o livro «Persuacção» como Paulo Proença de Moura. Precisamente para distinguir desse jornalista do «Público» (que eu admiro).

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