janeiro 10, 2012

«A lição de Hamilton para europeus distraídos»

Excertos do texto de Viriato Soromenho Marques na revista «Visão» de 5 de Janeiro de 2012:

"No passado 9 de Novembro, quando a dívida pública italiana ultrapassou o Rubicão (7% nos títulos a 10 anos), a chanceler Merkel recebeu o importante relatório anual do seu Conselho dos Cinco Sábios. Este órgão, em funções desde 1963, reúne reputados economistas alemães. Uma parte da paz laboral germânica deve-se ao crédito que este órgão goza junto do patronato e dos sindicatos. No final da reunião, Merkel disfarçava o mal-estar que lhe causara o facto de, também os seus sábios, terem adiantado que os eurobonds seriam indispensáveis para a resolução da crise das dívidas soberanas na Europa.
O que passou despercebido, mesmo da imprensa económica, foi uma breve nota de rodapé do extenso relatório, onde se dizia terem os peritos alemães retirado inspiração do plano apresentado por A. Hamilton, ao congresso dos EUA, em 1790 (…) 
Em 1790, os EUA estavam à beira da rutura. A principal razão residia nos conflitos entre Estados relacionados com grandes «dívidas soberanas» acumuladas durante a Guerra da Independência. Quem conheça a época ficará espantado com a semelhança das situações e argumentos, na Zona Euro. O Massachusetts queixava-se do Connecticut ou de Maryland, por estes terem sido poupados ao esforço de guerra (e de dívida). A Virgínia, embora tivesse sido um terrível campo de batalha, já tinha saldado metade da sua dívida, enquanto Nova Iorque se mantinha numa situação de deliberado incumprimento. Também em 1790 era difícil saber até onde ia a dívida pública. Existiam credores na Europa (bancos holandeses e até britânicos, das dívidas anteriores à guerra), mas sobretudo cidadãos americanos que, apoiando o esforço de guerra, se viam à beira da falência, com títulos de dívida (em valor monetário ou fundiário) sucessivamente desvalorizados. Hamilton (…) lançou, entre 1780 e 1791, o plano económico que iria salvar a América como união federal. No meio de enorme controvérsia, ele continha três medidas fundamentais:
a) a mutualização de toda a dívida estadual, transformada em dívida federal (trocando os títulos antigos por novos), restaurando a confiança dos mercados com o pagamento de juros e a promessa futura de vencimento;
b) criação do Banco Nacional, com a função de ser o credor de última instância para o frágil e desorganizado sistema bancário da época, e fonte de recurso para o financiamento público;
c) criação de um plano de fomento industrial para o emprego e revitalização económica.
Calcula-se que a dívida pública dos EUA fosse de 197 milhões de dólares (ajustados a valores de 1980). Em 1811, havia sido reduzida para 49 milhões. A confiança dos mercados permitiu que Jefferson juntasse, em 1803, mais de 2 milhões de km2 aos EUA, comprando a Louisiana francesa por 15 milhões de dólares, obtidos por empréstimos a juros favoráveis. Mas a lição de Hamilton – que a liderança europeia desconhece por egoísmo incompetente – é a de que uma dívida pública tem que ser enfrentada com uma resposta sistémica, que vá à raíz dos problemas, e ofereça um horizonte estratégico de futuro. Inversamente, a austeridade perpétua, prometida no acordo de 9 de Dezembro, é uma receita segura para a catástrofe europeia."

Viriato Soromenho-MarquesVisão, 05/01/12

O texto completo está disponível aqui: blog jas-mim.

11 comentários:

  1. Já tinha lido este texto com toda a atenção e precisamente na revista "Visão".
    A sua importância culmina na constatação de um facto recorrente: a falta de formação multidisciplinar não só da nossa classe política, mas de toda a classe politica de modo geral. É como se uma epidemia súbita grassasse pelo mundo e em uma passagem apagasse todas as memórias dos factos, os quais, por serem repetitivos deveriam constar dos manuais essenciais.
    Mas depois de uma apreciação mais serena, descobrimos que não é esquecimento, uma amnésia súbita. Não, não é nada disso, eles não sabem de facto mais nada da vida que não seja o que leram da cartilha. E tal como o miudo do Continentssseeee, nada é mais importantsssse do que a importãncia que a cartilha tssseeeem...-
    A História e a Filosofia? Ora que chatice...
    No entanto são os elas que dão sentido a esse outro grande campo, mais que do conhecimento, o do bom senso: A ECONOMIA.
    De tanto adorarem a dita cuja, perdem o sentido último de tudo.
    Se juntarmos ao hiato de formação ( básica, quanto a mim aos que detém cargos de tamanha responsabilidade) a característica falta de vergonha e de verticalidade, então temos a dita classe bem definida.
    Incompetentes uns e corruptos outros, e alguns ambas as coisas. Em quaisquer dos casos, sobressai a estupidez que é a mesma coisa que arrogãncia ingorante, ou ingorância arrogante.
    A dupla Merkozy está farta de dar tiros nos pés. O Gaspar, rei mago, disse há pouco que nem que Portugal fique deserto, ele (?) havia de cumprir as metas acordadas com os três abutres.
    E isto mesmo depois de os números serem uma desgraça, a anunciar desgraças maiores, e a certeza - basta seguir a curva estatística- de não ir conseguir cumprir o acordo.
    Vamos a passos largos para o precipício, a toda a velocidade num combóio conduzido por um maquinista pitósga.
    E pregunto eu: NINGUÉM PÕE MÃO NISTO!!!!!

    ( não falei contigo, Nelo)

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  2. Já dizia António Sérgio que "a melhor lição que nos pode dar a História é aprendermos a não cometer os erros dos nossos antepassados".
    Neste momento, como dizes, ainda é mais grave: nem se aprende com o que foi feito e que deu bons resultados.

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  3. Falais muito bem, meus amigos. Por isso receio que os Relvas do nosso descontentamento venham a banir a História e a Filosofia de todos os curriculuns escolares, pela incomodidade que lhes provocam estes gajos complicadinhos.

    Também se diz que já tudo foi inventado no mundo, pelo que resta apenas o caminho das novas descobertas. Para isso é preciso, imperioso e urgente não só mais flores, como também mais saber, mais saber e, por último, mais saber...

    Contra os canhões, se tiver de ser, e contra os Relvas, também. Seguramente.

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  4. Mais flores? Das nossas couves? Isso são grelos...

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  5. Sem Paulo Moura.
    Os Grelos.
    São elas que complementam em corolário o ramalhete de flores que o Poeta Orca glosa. Conhecimento e Flores, Conhecimento e Grelos, muitos grelos, que são os grelos que dão cor às flores, e lá por baixo, curta quanto baste, umas Relvas por baixo. Elas querem-se curtas e se as deixamos crescer julgam-se grandes, ofuscando as flores, de tanto se verem como árvores...

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  6. Isso é mais que evidente: as Relvas precisam de ser constantemente aparadas.

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    1. E tu bem que sabes da poda, Sãozinha.
      Com o relvado que tens tão próximo das p.ç.s, logo, logo, estarias a saltar por entre um canavial a passos de coelho.

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    2. E agora deram-me umas sementes daquelas cabaças com formato de... cabiça.

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  7. o final vale tudo. Nós leigos (dos jogos da economia) cidadãos comuns vemos, empiricamente, os efeitos negativos destas medidas - porque de políticas não se tratam - e daí a dias, ou semanas vêem os nossos burocratas, que se acham políticos, anunciar o óbvio com sugestões para novas e catastróficas opções.
    Já nem pergunto quando é que eles acordam porque quem tem de acordar somos TODOS nós.

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    1. Isto, de democracia, neste momento, pouco mais tem que a liberdade de expressão... e mesmo essa...

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