janeiro 27, 2012

O desconcerto da «concertação» II
– o benefício da dúvida perante o malefício da dívida

Não me parece que João Proença pudesse fazer outra coisa a não ser assinar aquele «acordo de concertação». E apoio esta afirmação após a apreciação de uma sequência de lógicas, porventura daquelas que o bom senso comum repudia – e ainda bem -, mas que existem e estão aí, como punhos, em que a UGT assume, de algum modo, o actual estado de refém da «troika», que lhe chega pela proximidade, identificação e miscegenização com o PS.

Isto não fará sentido nenhum, se quisermos cultivar ingenuidades estapafúrdias. Mas, numa tomada de posição mais pragmática – senhores, quanto me chateia este termo… -  e com maior noção das realidades em que nos atolamos, faz todo o sentido.

Dizer que eu, no lugar de João Proença, não assinaria este nonsense não servirá para nada pela elementar razão de que eu sou eu e o João Proença é ele, por muito lapaliciano que surja este meu arrazoado.

Por outro lado e se quisermos, optimisticamente, imaginar que ainda há quem tenha artes de saber transformar uma coisa má numa coisa boa, sempre me parece que, havendo para tal o golpe de asa, necessário e conveniente e urgente, poderá esta atitude da UGT marcar um ponto zero mas sempre a subir, a partir de hoje, em tudo o que toca às negociações que são do seu foro específico, enquanto parceiro social.

Daqui poderá, então, utilizar a rampa de lançamento de legitimidade institucional que esta malfadada assinatura de «concertação» possa ter trazido para se assumir com uma muito mais dura e intransigente postura nos combates sindicais que estão a chegar, por parte de cada um dos sindicatos nela associados.

Se assim for, não apenas a posição de João Proença assumirá foros de notável visão política, como a sua relevância nos combates inevitáveis que já aí vêm guindará esta central sindical a cumes nunca atingidos no país.

Mas se assim não for e esta assinatura foi tão-só o claudicar perante o poderio dos grandes interesses e o eco do descalabro socretino, receio bem que, a médio prazo (ou muito curto, mesmo) a UGT desapareça do mapa.

E eu gosto de ser optimista. Até porque a questão primordial no mercado do trabalho, em Portugal, no que toca a acordos, convénios, contratos, etc., é o mais elementar desrespeito por tudo quanto sejam regras por parte das entidades patronais, das quais sobressai o próprio Estado, não como entidade eminentemente reguladora das tensões sociais que é suposto ser o seu papel, mas como principal empregador, violador das leis que ele próprio engendra e de que deveria ser garante e, ainda para mais, mau pagador.

Claro que, com um tal Estado, manhoso e vilão, representado sequencialmente pelo centrão político que conhecemos, até os «patrões» mais retrógrados se permitem dar arzinhos de «esquerda» e de «progressistas». E a mistificação continua.

Enfim, cá estaremos para ver, esperando também que a CGTP, tudo bons rapazes, claro, tenha outro acordar para a vida real e acompanhe de forma mais consequente – o que não tem acontecido, veja-se o lamentável caso da mobilização dos professores, entre tantos outros – assumindo que é algo mais do que mera correia de transmissão da acção política do PCP e dê de si sintomas de saudável e criativa autonomia.  

Entretanto, os profetas da desgraça, desses que dizem cobras e lagartos, paus e pedras do movimento sindical que apurem que a sua fraqueza ou força se radicam, essencialmente, na qualidade humana da massa que os integra. Nem mais, nem menos. Somos nós, cada um de nós, que lhe confere a qualidade ou a falta dela. O resto é conversa fiada, numa altura em que estamos mal parados para créditos aleatórios.

7 comentários:

  1. Tenho muita curiosidade de ver o percurso que a CGTP vai seguir a partir de agora.

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  2. As centrais sindicais são em tese, as representantes dos interesses dos que tem como mercadoria, a sua força de trabalho. Cumpre-lhes a tarefa de negociar o melhor para os seus representados. E o melhor para estes é um campo complexo pois por défice de formação de uns, por oportunismo de outros, ou por mero desinteresse de outros ainda, é difícil definir-lhes os contornos.
    Para a grande maioria, a empresa é um saco sem rosto e sem fundo. Muitas vezes a culpa pertence aos quadros de gestão dessas empresas ao tratar os recursos humanos como mera mercadoria, levando ao máximo a rentabilização da força de trabalho, não retribuindo devidamente , nem tendo qualquer contemplação para os que constituem ao fim ao cabo, o seu "mercado". Por muita abstracção que se aplique aos recursos humanos, são os recursos humanos formados pelos que compram os produtos que as empresas produzem. As correntes "modernas" de gestão, fariam muito bem ao bem estar do mundo (eles próprios incluídos) se recuperassem os conceitos de Ford e de Taylor...
    Por outro lado, há pessoal que não tem a noção de que a empresa que os suporta, não tem uma rotativa para fazer notas nas traseiras do armazém, e que embora apresente lucros, tem de precaverse com os fundos necessários ao re-investimento, ou para aguentar a empresa e no fundo os ordenados do pessoal em alturas de conjunturas económicas difíceis.
    É para meter tudo isto(tanto a montante como a jusante) na cabeça dos trabalhadores como também nas dos administradores, no fundo negociar, que servem os sindicatos.
    Nunca para ser elementos de terror, nem para fazerem de Yes-men, como infelizmente me pareceu ser o papel do visado neste post.

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  3. Eu acho que já vos disse que, nesta temática dos sindicatos, tenho uma experiência de vários anos a lidar com vários sindicatos que não me permite dizer muito em abono do que fazem... e do que não deixam fazer.

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  4. pois.....lá está: é mais fácil expiar tudo no outro.....o tal bode respiratório...

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  5. O pior é a «expiolhagem»... Ele há muito piolho metido no processo, o que perturba e estraga a dinâmica toda.

    Se (ou quando) os sindicatos puderem, souberem, decidirem, quiserem voltar a ser verdadeiros parceiros sociais, legítimos e dignos representantes dos trabalhadores, a coisa muda.

    Sem lirismos. Como já o disse alguém, não se deve confundir a defesa dos direitos com a defesa dos interesses, duas circunstâncias muitas vezes nos antípodas uma da outra.

    Perante uma entidade patronal, principalmente nas médias e grandes empresas, o peso específico de um trabalhador, no que aos meros interesses em confronto se refere, não é nada, comparado com o da entidade patronal. Daí a necessidade de haver uma entidade que o represente, principalmente quando os seus direitos de cidadania são postos em causa pela outra parte, com capacidade e margem de manobra pelo menos equivalente à do «outro lado».

    Outra coisa serão as estratégias partidárias vertidas sobre as centrais sindicais... Mas isso seria uma conversa muito comprida.

    Enfim, em termos de apreciação geral, o que interessa é encontrar o tal ponto central de equilíbrio que, segundo consta, é onde reside a virtude.

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