Há,
afinal, vários intervenientes nesta história mágica do por-do-sol. O
céu exposto a nu rende-se à noite, ela que o viole nas mais diversas
direcções. O Sol, furioso com a traição do azul, lança fogo ao
horizonte. O escuro é tão liquido na noite que nos chega aos olhos e
dilui as chamas num alaranjado que se apaga. Todo este mar se lança na
água dos rios, mergulham todos de mão dada. Tudo isto acontece submerso
mas a água ri-se e garante-nos que é apenas reflexo, que nada ali
acontece de verdadeiramente importante, nenhum espelho é real. Como se a
água não soubesse que, quanto menos água temos, mais secamos. Como se a
água não soubesse que nos vive ou nos deixa morrer. Há quem viva com
muito pouca água, há humanos que são quase todos sólidos, como as
pessoas que estão a filmar o por do sol porque lhes ensinaram a lista de
coisas que nos devem fascinar ao ponto de serem filmadas. Mas não
filmam os homens maus que vivem na casa do elevador do telhado. Os
homens que vivem na casa do elevador são feios e sujos e fugiram da
terra deles, fugiram do medo e da fome e da miséria e trazem tudo e mais
o horror pendurados nas pestanas, por isso devem ser maus. Também moram
muitos naquele espaço tão pequeno, por isso devem ser maus. Também
fugiram da miséria das suas próprias ruas para passearem a miséria
nestas ruas doutros, por isso devem ser maus. A cor diferente da pele
deles é feia e suja e tem outro cheiro que lhes sulca a expressão do
rosto, metem muito medo, por isso devem ser maus. Não consigo filmar a
história mágica escrita nos olhos sem palavras destes homens maus, o pó
que lhes molha a pele e as mãos também nada diz, devem ter ficado mudos
vivos, uma espécie de mordaça da alma, talvez só lhes falem as pernas e
por isso é que não trabalham e vagueiam todo o dia, rua acima, rua
abaixo, enquanto os braços pendurados falam com a miséria e enganam a
existência. Não sei, mas deve estar tudo nos telejornais. Nenhum deles
me conta nada por isso vou continuar a falar com o céu e com a água, a
esta hora consegue-se ver o fundo de tudo. Eu também devo ser má porque
não concedo aos homens maus existência fora do meu olhar fixo, pelo
menos o direito a não serem olhados fixamente, olho-os como se fossem
animais numa jaula, como se eu tivesse pago um bilhete que me dá o
direito de os olhar assim.
Ana... és mesmo má!
ResponderEliminarBem hajas por me mostrares que sou mau.
E por isso, por seres tão mau, só te resta lavares a alma no azul do céu e desfazer a maldade do teu corpinho corruptível no infinito da mãe água. E podes dar-me a mão à minha mão esticada.
ResponderEliminarMergulhemos bem fundo e já de pele lavada, regressemos e saltemos fora de água como golfinhos num momento de adeus ao sol que as máquinas fixam para sempre.
O mundo é tão lindo sem homens feios...
E Ana é uma feia tão linda.... *******
Que maravilha!
ResponderEliminarComo te retratas e aos outros num mundo orrepilante e muito conscientemente nos fazes sentir uns nojos de humanos...
Beijinho, desta bruxa má
Estamos em tão boa companhia, malta má.
ResponderEliminarSim, temos ao pé de nós o favor (falo por mim) de ter um má tão boazona.
Eliminar(Espero que a São não a estrague)
Maaaaaauuuuuu!...
Eliminar