março 29, 2014

40 anos a cantar Abril

Aquilo que eu vou escrever pode ser objeto de muita crítica, mas não consigo calá-lo. Lembro-me de ter lido algures que a sensibilidade à dor é tanto maior quanto mais desenvolvidos forem o sistema nervoso central e o simpático. Quero com isto dizer que, segundo este postulado, a dor sentida por um primata superior é mais aguda e 'dolorosa' que aquela que sentirá um verme ou inseto. Não tenho provas disso e não consigo colocar-me no corpo desses seres, que têm exatamente o mesmo direito à vida que eu tenho e não devem sentir dor, como eu não devo. Mas que a ciência o afirma, isso é verdade.
Ora bem. Vendo hoje a reportagem do concerto que ontem celebrou os 40 anos do concerto da 'canção portuguesa', senti viva na mente de quem lá esteve uma complexa rede de sinapses que nos fazem pensar que nem todos os seres humanos são iguais. Dos 10 anos que vivi antes do 26 de Abril de 74, lembro-me de coisa pouca, mas lembro-me de que ninguém dizia nada, ninguém se queixava, como se chegar ao fim da jorna e ter em casa um pouco de pão e um copo de vinho fossem a dimensão plena da beatitude. E era assim por toda a aldeia. Mas também me lembro de que quando entrei no 1º ano do ciclo preparatório, lá na cidade, alguma coisa era diferente. Por isso acredito que se nessa altura eu fosse adulto, com alguma visão do mundo, sofreria no íntimo a amargura de só ter na mesa um pouco de pão e um copo de vinho.
Por isso mesmo, aqueles que julgam que falta muito para se cumprir Abril, creio, possuem um sistema muito mais sensível, menos primário ou reptiliano que aqueles que aceitam tudo o que se lhes impõe com a mesma fatalidade do asno que carrega o seu dono até cair, trôpego pela carga. E eu, como aqueles que ontem agitaram na mão a flor rubra do ideal da liberdade, não quero ser asno!

7 comentários:

  1. Tomei a liberdade (lá está!) de incluir um video da noite de ontem.
    Bem hajas!
    Ah! Envia-me uma foto e um pequeno texto para eu pôr ali ao lado.

    ResponderEliminar
  2. "...nos fazem pensar que nem todos os seres humanos são iguais...". Lendo o texto acima lembrei-me de uma frase de Aristóteles(?), na qual diz "devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade".
    A Carta Magna do Brasil, de 1988, reza que todos são iguais perante a lei. O problema é que tem muitos iguais melhores do que outros. O que vem a ser, meeeessssmoooo, IGUALDADE?!!!
    Parabéns pelo evento. Adoro boa música e sempre antenada em muitas daí. Ultimamente, um amigo me enviou um vídeo da banda Clã - Problema de Expressão, com Manuela. Adorei pela letra: um poema.
    Adoro Dulce Pontes em Your Love...e agora dei para amar um Quase Fado, com António Zambujo. E tantos outros, cujo espaço não daria para registrar tantos talentos.

    ResponderEliminar
  3. Como nós estamos ligados à música brasileira. Sempre fui fã de Milton Nascimento, Ivan Lins, Elis Regina,Chico Buarque e tantos outros...
    Do António Zambujo (que voz...), ouve esta música tradicional interpretada ao vivo com o coro das Vozes Búlgaras:

    https://www.youtube.com/watch?v=czFdTYXUXvo

    ResponderEliminar
  4. Gratíssima pelo presentaço. Já acessei... e ouvi.
    "Ó meu bem, ó Chamarrita,
    Meu alento e vai e vem,
    Vou embarcar nesta dança
    Sapateia, ó meu bem!

    (...)

    Pr'a acalmar minh'alma inquieta,"

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Isso... e...
      "Chamarrita, Sapateia, eu quero é contradizer,
      O alento desta bruma que às vezes me quer vencer"

      Eliminar
  5. Conheço o Zambujo ainda ele era criança, e tive o privilégio de gravar com ele um trabalho discográfico no contexto artístico da sua idade, que obviamente não tem nada a ver com o seu estatuto actual.
    Já então ele era muito mais do que um embrião do que agora é, nasce-se artista, é um facto.
    Há dias estivemos a beber um copo, aqui na sua cidade natal, na " Galeria do Desassossego", um espaço alternativo que cai bem a tudo o que é artista.
    Um copo de tintol e uma boa conversa

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tu és um pocinho de surpresas agradáveis, Charlie.

      Eliminar