março 31, 2014

«Cogula» - António Pimpão

Até sexta feira passada nunca tinha ouvido falar de Cogula.
Fui lá nesse dia levar ao Centro de Interpretação dessa localidade dois quadros da minha mulher para aí participar numa exposição coletiva de pintura e fotografia sob o tema Arte e Religião.
Cogula é a freguesia mais pequena do concelho de Trancoso, sendo atravessada pelo novo IP2 que segue na direção de Mirandela e Bragança.
Durante a primeira dinastia foi habitada em boa convivência por cristãos, judeus e mouros. Foi doada por D. Pedro I aos irmãos de D. Inês de Castro. Por essa razão se diz que Cogula é terra de Castros.
Ainda hoje conta com um conjunto de bonitos e imponentes solares, evidências de alguma riqueza nos tempos idos.
Com efeito, Cogula é uma região de produção de azeite, tendo ainda em funcionamento dois lagares e, até há pouco, era o maior produtor de velas de cera da zona centro, abastecendo igrejas e santuários da área, tanto de velas de iluminação como de ex-votos. Chegou a ter 7 fábricas de velas, agora já só tem uma.
No contato com habitantes da freguesia ficamos a saber que a povoação tem 350 habitantes, mas já teve muitos mais. Ainda mantém o ensino pré-escolar e do primeiro ciclo mas as pessoas receiam que isso venha a acabar, pois nascem poucas crianças. No século passado teve uma filarmónica e dois clubes, cada um deles com o seu grupo de teatro; hoje não haveria nem atores nem assistência que permitissem a sua manutenção. Resta um grupo de concertinas, que animou – e muito bem – a sessão de inauguração da exposição que hoje teve lugar no Centro de Interpretação (do Azeite). Voltarei a este assunto.
Este Centro de Interpretação ocupa uma casa antiga, de pedra, recuperada e muito completa, dispondo de biblioteca, centro de internet, pequeno auditório e um ambiente acolhedor. Apesar da sua designação, ele é sobretudo a Casa da Cultura da localidade.
Segundo nos contou o seu responsável e animador, Pedro Fidalgo, os locais tinham, no início, receio de transpor as portas do Centro mas, gradualmente, foram-se familiarizando com a sua existência e eventos e hoje convivem bem com e no Centro, frequentando-o com assiduidade. A empresa municipal Trancoso Eventos procura facultar aos residentes acontecimentos culturais diversificados e quase permanentes para aumentar o interesse, criar hábitos e evitar eventual desmobilização.
O tal conjunto de concertinas, que atuou com 13 elementos, tem categoria e carácter e muito interesse, sendo muito heterogéneo em termos de instrumentos (7 concertinas, 2 cavaquinhos e 4 instrumentos diversos de percussão, incluindo as tabuínhas que se vêm na fotografia), de sexo (7 masculino e 6 feminino) e de idades (4 crianças, 4 acima dos 50 e 5 jovens). Têm um professor, a quem pagam pelos ensaios.
É estando no próprio local que melhor se sente a desagregação que o país está a sofrer nas últimas décadas, mormente no interior, onde se assiste passivamente a uma crescente e perigosa desertificação, sem atividade local nem futuro que possa fixar as pessoas. E onde a taxa de natalidade é também baixa, não sendo este um problema exclusivo das cidades.
Mas tem que se reconhecer que estas atividades culturais são ainda a alma duma povoação; outras, sem isso, estão mais mortas que vivas. Mas a atividade cultural não é de geração espontânea, ela exige imaginação, empenho e dedicação. E, nisto, o Pedro Fidalgo, não sendo único, é exemplar.

António Pimpão

2 comentários:

  1. Problemas de desertificação comuns nas maior parte do país interior. Depois dizem por cá:
    - Para quê criar filhos? O Estado tirou tudo e as escolas são cada vez mais longe. Dão subsídios para criar animais e preservar espécies mas para crianças não dão nada.

    ResponderEliminar
  2. Desde que inventaram o benchmarking e a massa crítica, que deixou de haver espaço para a semente...

    ResponderEliminar