janeiro 19, 2012

O desconcerto da «concertação»

Milito num sindicato integrado na UGT. E servirá tão só esta declaração de voto pública como mero desabafo de repúdio por aquilo que considero um triste e fraco gesto de João Proença ao assinar, em representação da central sindical que integro, esta misérrima e hipócrita «concertação social».
Por esta altura, já quase todas as cabeças mais ou menos pensantes cá do burgo se pronunciaram sobre este acto – meramente simbólico, para uns, dramaticamente concreto, para outros. Assim, não terei muito a acrescentar, como digo, para além de algum desabafo, por um lado, e, por outro, persistindo numa prática diária de vida que não se quer constrangida por estas mancomunações dos ditos «poderosos».
Ouço e deslumbro-me com coisas tão espantosas como as pretensas novas regulações das «pontes» junto a feriados; como aos danos provocados em equipamentos como justificativos de despedimentos; como à definição de desadequações a um posto de trabalho que justificam cessação de contrato…
Mas, afinal, em que mundo tenho vivido? Num mirífico Portugal em universo paralelo, de ficção científica? Nos quase quarenta anos que levo de actividade profissional as agora anunciadas novidades sempre foram prerrogativas da entidade patronal. Refiro-me à troca de «pontes» por dias de férias, aos processos disciplinares por danos causados em equipamentos, em transferências compulsivas ou «diplomáticas» por desadequação ao posto de trabalho, etc., etc., etc.
As leis laborais sempre contemplaram isso, bem como os Acordos Colectivos ou Acordos de Empresa. Que raio de «novidade» nos estão a impingir?
Sedimentar o que já é prática comunmente aceite e unilateralmente desde sempre aplicada, terá apenas o efeito de reforçar e sublinhar que uma qualquer entidade patronal – principalmente das manhosas – pode fazer o que quer, agora com mais «legitimidade».
Também quanto à sacrossanta flexibilização de horários, também já cá canta há muitos anos. Eu, como exemplo vivo, tenho acordado, por conveniência da empresa, um regime de horário flexível que pode liminarmente traduzir-se do seguinte modo: se, em determinado dia e por exigência funcional, tenho de ficar «até mais tarde», o que vale dizer até às 19h30, posso (e devo!) compensar o tempo de serviço excedentário logo a partir do dia seguinte. Sem qualquer contrapartida remuneratória.
E não é uma benesse da empresa que me emprega. Não. Como disse, é por conveniência da mesma e por mim contratualmente aceite, sem contrapartidas. Porque assumi este esquema funcional e, com facilidade, ajustei a minha vida pessoal a ele. E já estava tudo consagrado na lei geral do trabalho, vai para trinta anos!
Apenas com uma ligeiríssima ressalva: no final de cada mês, o tempo excedentário não pode ultrapassar as 10 horas, a partir das quais a empresa terá de praticar o regime de hora extraordinária. Mas haja bom senso de parte a parte e tudo se conjuga. 
Uma vez mais, portanto, nada de novo por aqui.
Agora, na minha modesta posição de observador, o que nos traz, afinal, de novo esta extraordinária «concertação»? Ora, tão só a diminuição das indemnizações por despedimento, o cancelamento de três ou quatro feriados a custo zero para o patronato, mas penalizando as famílias, a diminuição do tempo de férias antes atribuído como prémio de assiduidade e bom desempenho, diminuição essa também a custo zero para o patronato… e mais uma série de pequenas-grandes manobras sempre a favor de uma das partes e em detrimento da outra.
Tudo o mais é treta, aldrabice despudorada, a roçar a canalhice. E estas não são  grandes e grossas palavras, porquanto nem sequer alguma destas medidas se aplica à imensa e esmagadora maioria de jovens em prestação de serviço a recibo verde ou com contratos a termo certo ou ainda com estágios não remunerados, para os quais a única lei que vigora é a da selva, qualquer que seja a empresa em que se encontrem, a começar pelas empresas de capital público ou pelo próprio estado.
Pelo meio disto tudo ficou o engodo para papalvo ver do aumento da meia-hora que – ó cúmulo do espanto! – nem ao patronato interessava, como tantos empresários afirmaram, por adivinharem o aumento de conflitualidade e artes de «deixa-andar» que tal aumento acarretaria.
Desde logo, porque é também consabido e universalmente aceite que nos custos de produtividade das empresas privadas que as tornam não competitivas não têm nada que ver com a massa salarial, mas sim com outros custos de produção e por má ou deficiente gestão.
E isto transporta-nos ao meu último desabafo: uma vez mais e sempre saíram incólumes de toda esta sacanagem os principais responsáveis por má gestão: os próprios gestores e os quadros superiores das empresas, com cargos definidos por nomeação e práticas de actuação medievais quando não peleolíticas, para os quais, em Portugal mais do que noutras refinadas catedrais do capitalismo porventura mais sofisticadas e modernas, as reiteradas más práticas não trazem qualquer responsabilização, penalização ou qualquer espécie de sanção, ão-ão…
Quem acreditar que é assim que vamos melhorar a competitividade e aumentar a produtividade ou ainda acredita no Pai Natal – e de imbecil a idiota pode percorrer vários estádios - ou não é pessoa a quem eu confie dez cêntimos.
E nem aqui se pode dizer que os cães ladram e a caravana passa, porque a pobre está encalhadinha de todo, ladrem-lhe ou não os canídeos.

6 comentários:

  1. É.... encara...digo encalhadinha....
    Mas o condutor é pitosgas e teima em não entender porque é que a coisa não anda...
    Sobre o Proença, não digo nem um pio.
    Ele representa os interesses do mundo da produção do trabalho, versus o mundo detentor do trabalho acumulado.
    No fundo...meus amigos, uma guerra tonta. Sem sentido. Como as guerras religiosas onde combatem uns por um deus e outros por outro, sem se darem conta que adoram o mesmo deus mas ao qual dão nomes diferentes.
    No fim quem ganha? Ninguém, todos perdem, o único vencedor é o Deus que quietinho lá nos campos do intangível se ocupa dos deveres de criação lá por outros mundos, que neste acho ter já desistido de tentar emendar uma obra que começou mal.
    O que fez Proença?
    Asneira pois claro. Agora não se queixe. O que tem feito Merkel?
    Asneira pois claro. Das asneiras de um e outro, e de outros no seu intervalo, resulta o aumento do mal estar, mas o Deus €uro deve estar bem, algures lá nos Olimpos, não os Gregos já se sabe, mas outros que a gente não conhece

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  2. E agora diz o pobre que foi empurrado até pelos malvados da CGTP... Pobre do pobre! Mas os tomates, Senhor, porque lhos sonegastes? Valha-nos a santa dos compromissos destes gajos «engajados»!

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  3. Conjugais, talvez, mas pouco fiéis decerto hehehehe :))))

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