Se eu
fosse um fundamentalista desportivo ou um deficiente motor careta e estivéssemos
num país “daqueles”, estaria aqui a exigir a morte ao infiel capaz de
caricaturar a vaca sagrado do cidadão com deficiência, um dos temas que mais
impõe o politicamente correcto levado ao extremo da caridadezinha mental
daqueles que eliminam a polémica erradicando tudo quanto possa provocá-la.
Mas não
sou. E por isso, como simples exercício, simples usufruto deste paraíso que é a
liberdade de expressão, entendi postar o meu desconforto perante algo postado
por um colega de um blogue que, sendo colectivo, não é alimentado por amibas
sem reacção.
Direito ao assunto: sinto-me desconfortável
com as postas do Raim, nomeadamente as subordinadas à temática dos paralímpicos.
Podia, claro, enviar um email ao próprio e
colocar-lhe a questão em privado: olha lá
mano, qual é a tua onda afinal? Mas não era mesmo a mesma coisa, pois
estaria a ocultar o meu desconforto apenas para não perturbar o comodismo
consensual que qualquer hipócrita privilegia.
Por isso e porque os temas em foco (a tristeza
do Ronaldo e o julgamento do sogro que esvaziou uma pistola no genro com a neta
ao colo) não bastam para estimular uma posta em condições entendi trazer à luz
do dia a minha sensação desagradável, sem por isso exigir a sharia contra o réu filisteu ou hebreu ou
lá o que ele seria aos olhos de quem tenha o dedo da censura mais ligeiro no
gatilho.
Assumo sem problemas que o meu desconforto
passa menos pelo hipotético pecado implícito na expressão popular “há coisas
com que não se brinca” e mais pela constatação de o meu sentido de humor se
revelar incapaz de apanhar a ideia.
Ou seja, não sendo possível uma abordagem não
subjectiva à minha incapacidade de entendimento acabo por aproveitar a boleia
da liberdade de expressão e do direito de resposta ou o raio que o parta para apontar
o dedo acusador ao ilustre criador com o qual partilho este espaço em igualdade
de circunstâncias, na saúde e na doença, na riqueza e na miséria, até que o
Facebook ou a falta de pachorra nos separe.
E esse dedo, firme e erecto como é apanágio do
respectivo dono, aponta no sentido de achar que é pá, tá mal gozares assim com as pessoas diferentes, tão intocáveis na lógica
mesquinha dos proibicionistas capazes de colocarem a cabeça de um cartoonista a
prémio por ousar a paródia com figuras ou conceitos que na sua compartimentação
apertada das doutrinas e respectiva aplicação prática não se prestam à
brincadeira.
Nem que seja a brincar…
Por isso, para marcar a diferença e não exigir
o apedrejamento público (ou em privado) do meu parceiro blogueiro (ou blogger
ou bloguista, escolhei o que melhor vos sirva), aproveito para manifestar a
minha ligeira indisposição física por ter comido que nem um alarve ao almoço e
mental por ter que lidar com a minha reacção instintiva à cena do Raim. E por não
querer suportar ambas em silêncio, até porque para a falta de sentido de humor
não existem uma água das Pedras, um Kompensam ou um Alka-Seltzer eficazes.
Isto a propósito do que distingue o mundo dos verdadeiros
aleijadinhos (os fundamentalistas) e o das pessoas normais que conseguem
encaixar os seus desagrados, que são só seus, num contexto da sociedade em que
temos que aturar-nos as pancas nem que para isso tenhamos que virar a cara para
não termos que reagir em conformidade (como tento fazer nesta ocasião).
Sim, quem não gosta não é obrigado a comer. Se come e não gosta, das
duas uma: ou refila com maneiras porque tem direito à sua opinião ou cala o
bico e muda de mesa para não atrapalhar a refeição dos que a saibam degustar
sem por isso terem que dar satisfações a alguém.
Aposta que é uma opinião.
ResponderEliminarE nada mais.
EliminarE mesmo por isso é que existe o amarelo: o que seria do azul se apenas se gostasse da cor de muitos sorrisos?
EliminarNão levo tão a peito e a mal as caricaturas do Raim.
No registo em que as observo- e isso é dependente de cada pessoa- não me chocam absolutamente nada. Até porque todos nós somos potenciais candidatos a deficientes e somo-lo todos de algum modo pois em qualquer pormenor físico teremos alguma coisa que funciona menos bem, ou seja com deficiência.
Olho para os desenhos do Raim como uma ascenção dos deficientes ao patamar das pessoas de pleno direito, inclusive ao direito de serem tratados como qualquer pessoa no que toca à caricatura. Uma das formas de discriminação mais frequentes é o da púdica ignorância e do eufemísmo. Não se chama preto mas pessoa de côr, nem cego mas invisual, nem coxo mas deficiente motor e já que é uma pessoa de mobilidade reduzida, empata as mobilidades alheias se tiver de usar uma cadeira de rodas. As pessoas com deficiência são efectivamente discriminadas, evita-se convida-las para eventos pois o seu estado incomoda a muita gente e por isso é mais cómodo olhar para o lado e fazer de conta que não existem.
A atitude asséptica duma sociedade que persegue a imagem de uma juventude perfeita e eterna não se coaduna com os diferentes, são desagradáveis ao paradigma, freiam o eterno sorrir ao expor o que crêem ser a imagem do sofrimento.
Neste sentido, aprecio os trabalhos do Raim, não os vejo como chacota mas antes como o seu contrário, e acho que é essa a intenção do nosso co-bloguista, o grande Raim.
Bem hajam por isso: os Para-Olímpicos merecem serem tratados do mesmo que os Tristianos Reinaldos pelas canetas do Raim. Têem ambos "grupos" pleno direito a isso.
Uma das tácticas mais eficazes para desmobilizar os fundamentalistas e os puritanos de fachada é precisamente a de "ocupar-lhes o território", retirando-lhes espaço de manobra para as suas manifestações de intolerância.
EliminarEspero que a minha posta tenha deixado bem clara essa minha intenção!
Conseguiste Amigo! Tu o que quiseste foi um cartoon, pá! Batoteiro...(eheheh)
EliminarLi com muito interesse as opiniões expendidas sobre os cartoons do Raim e respeitando sem limites essas opiniões, deixem-me lá lavrar aqui algumas minhas, já agora.
ResponderEliminarEntendo e percebo, solidariamente, o desconforto do Shark. Até eu sou capaz de ter, numa primeira abordagem, sentido algum. Mas, aqui, se calhar, o problema é mais meu, como meu é esse desconforto.
Ele prova-me que eu tenho alguma questão mal resolvida com esta problemática.
E isto porquê? Ora, no fundo, qual é a diferença entre gozar com um gajo que tenha duas pernas ou gozar com um outro que não tenha nenhuma? Objectivamente trata-se de dois seres humanos que, socialmente, têm o mesmo peso... e poderão (deverão?) ser alvo da observação dos outros.
Não fará, por outro lado, qualquer sentido que se legisle no sentido de limitar ou, até, proibir gozar, de qualquer modo, com qualquer cidadão «portador de deficiência» - fórmula aberrante pseudo-positiva de tratar o cego, o coxo, o autista, etc., mas que curiosamente não incide no louro, no moreno, no sardento e por aí fora. No fundo, quais serão os limites a impor? E será sequer de impor algum limite?
Estamos, pois, no terrível domínio das convenções sociais e tropeçando com as éticas de circunstância temporal.
Quem não sorriu ou riu desbragadamente com qualquer uma das incontáveis anedotas que envolvem os tais «deficientes»? E os velhos? E os alentejanos? E os portugueses? E... nunca mais acabaríamos.
Entretanto, a interessantíssima abordagem que o Raim tem vindo a fazer sobre todos os olímpicos denota um espírito de observação e criatividade que me faz sentir honrado por partilhar o mesmo espaço que ele.
De facto, se virmos até a coisa com outro olhar, Raim homenageia o espírito de sacrifício, de abnegação, de adaptação criativa a que recorrem estes atletas para ombrearem com o desempenho dos demais, mais «completos» uns do que os outros, mas isso não é determinante, quando o espírito é de ir à luta e participar afincadamente.
Mas fá-lo com o mesmo olhar jocoso com que brinda os «normais» no seu próprio desempenho. E assim promove aquilo que eu considero uma igualdade de direito, apesar da diferença de facto.
E disse.
E disse muito bem, no meu modesto entender.
EliminarE mais, meu caro Shark, digo ainda que tu tens um especial e louvável condão de despoletar polémicas - o que é sempre um modo muito saudável de estar no mundo e na vida, dando, depois, a cara à luta e sem receio de opinar, ao contrário de tanta lesma que anda por aí a espreitar atrás de cada árvore, à espera de morder numa canela indefesa, para logo desaparecer num qualquer horizonte nebuloso.
EliminarO meu aplauso sentido por isso, digo eu que nem sou de louvaminhas.
Afinal, passamos a vida a aprender que da discussão nasce a luz e, as mais das vezes, todos nos sentimos (e sentamos) muito bem e tranquilos na mais profunda escuridão.
A começar no próprio cartoon do Raim, passando pela tua apreciação e observando a do Charlie, dei por mim com os neurónios a trabalhar em grande aceleração, mesmo sendo vésperas de fim-de-semana.
E com o que tu escreves, os meus neurónios ligam o turbo :O)
EliminarO nosso Orca tem os neurónios de alta qualidade, precisamente da mesma que o Tubarão.
EliminarE eu, por mim, fico assim fora de água a assistir ao combate, não vá sobrar-me uma potente dentada e por essa via entrar a candidato às caricaturas do Raim em BTT para-olímpico
ihihihih
EliminarPor acaso tens-te safado. As minhas pernocas e a minha carinha laroca é que já estão mais riscadas que a Angelina Jolie, não desfazendo :O)