novembro 17, 2013

A armadilha do egoísmo.



O individualismo conduziu naturalmente ao estado em que nos encontramos: apenas o "eu" e o imediato importa, um condomínio fechado de muros altos não importando se sim ou não rodeados de pobreza
Quando nos já longínquos sixties se estudavam as primeiras noções sobre Economia, havia algo a que se chamava "Responsabilidade Social das Empresas".
Estava-se então em plena ascensão do wellfare Europeu que durante cinquenta anos, descontando os dez últimos portanto até ao mítico ano 2000, produziu na Europa o mais elevado estado social de que há memória.
Que tem custos?
Nada é grátis. Quando se comparam os benefícios sociais na Europa do Norte, estes são generosos, mas assentam obviamente em pesados impostos que o Estado devolve aos cidadãos em serviços e sentimento de segurança em relação ao futuro.
Portanto, os cidadãos descontam, não para "eles" que são os gajos que estão instalados no Estado, mas para "eles", os que de facto descontam.   Dito de outro modo, são eles que produzem o seu bem estar através da capitalização do trabalho.
Acresce-se ainda que estavam à partida garantidos através do pacto social os mínimos considerados decentes, pelo que os impostos não colocavam os cidadãos nas situações de aflição de que todos damos conta nos nossos dias. Infelizmente e com o espalhar da crise, têm aberto brechas: há hoje largas franjas de jovens que começam a trabalhar por retribuições muito abaixo dos valores que fizeram da Europa o que ela foi
Contudo, lá ainda existe a cultura da empresa como coisa "nossa". Uma empresa tem orgulho nos seus quadros e funcionários, colaboradores e clientes.
Lá não são "eles" que estão a construir uma estrada, mas somos nós que estamos a fazê-la.
Não é "eles" que vão projectar um novo automóvel, mas sim a "nossa" fábrica que vai investir numa modernidade, somos nós que vamos construir um coisa linda na qual nos vamos empenhar.
Se a isto se pode chamar persuacção? Acho que sim.
O contrário disso é o que temos por cá.
As empresas, numa cultura que apenas mira o máximo lucro e de forma  imediato, passam a olhar para os colaboradores como "uma coisa chata" que "tem custos", e os outros que vendem o seu trabalho para as empresas, a olharem para os donos, como os chulos que só querem sacar o máximo dando o mínimo, e se possível nada. Recorrendo a todos os expedientes, contratando a prazo, cortando no máximo em direitos mínimos etc.
É de admirar que nada de bom saia destas posturas?
De empresas com este tipo de procedimentos não é de esperar funcionários que lhe vistam a camisola.
É por outro lado um cadinho formidável para se instalarem sindicatos oportunistas e tão canalhas quanto este tipo de patrões. E se todas as empresas fizerem o mesmo, que mercado é que têm? A quem é que vendem o que produzem? É de admirar que a míngua de dinheiro faça o sucesso de produtos de qualidade inferior e importados e que por essa via minam as empresas? No fundo, que a aparente vantagem imediata da cultura do egoismo, seja prejudicial para todos?
Quando numa empresa a que todos chamam nossa, se faz um plenário que seja inclusivo de toda as equipas, desde chefias até aos porteiros, e se explanam razões para que haja uma diminuição da distribuição da riqueza pois esta está a ser produzida em quantidades mais reduzidas, é sempre possível chegar a soluções de consenso e baseadas ao menos no mínimo de racionalidade.
Contudo, temos assistido a uma viragem lenta e insidiosa na última geração.
O individualismo, o "cada um por si" como estratégia empresarial de dividir para reinar passou a ser cada vez mais a marca de conduta colectiva. O nosso actual Presidente, na altura Primeiro-ministro, inaugurou então no seu consulado a viragem de uma sociedade que fruto do 25 de Abril ensinava nas escolas as virtudes do colectivo.
Embora de forma exacerbada e fortemente conotada com a ideologia de esquerda, tinha a virtude de ensinar nos bancos da escola que não somos ninguém sem os outros que são nossos semelhantes e que uma sociedade deve ser a harmonia dos indivíduos, que o bem estar é um jardim sem muros pois o meu vizinho vive tão bem quanto eu....
Este individualismo conduziu naturalmente ao estado em que nos encontramos: apenas o "eu" e o imediato importa, um condomínio fechado de muros altos não importando se sim ou não rodeados de pobreza
Esta atitude anti-social e por isso a prazo (estamos lá) anti económica, se já é má em relação ao tecido empresarial, é terrível se o seu benchmarking se projectar à dimensão de um País, de um projecto comunitário.
Vem-me à memória a armadilha com que se apanham macacos: dentro de um oco muito apertado põem uma guloseima irresistível. O macaco vai no encalce do seu cheiro e de água na boca, mete a mão no oco, pega na dita mas agora com a mão fechada sobre o tesouro não consegue tira-la. O punho fica grande demais para o oco. E assim fica, lutando com o oco, sem nunca lhe ocorrer que apenas o pode fazer se abrir a mão e largar o isco da armadilha.
Sinto que estamos todos a fazer esse papel e bem podem chamar à guloseima o Euro, ou aos produtos Chineses, que eu não me importo nada, mas tenho a certeza de que muitos aflitos responderiam a quem quisesse ajudar: "Queres o quê? Que eu largue isto? Era o que faltava, não querias mais nada..."

8 comentários:

  1. Água na eira e sol no bananal como o macaco gosta ;)

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  2. E a imagem que usas é muito acertada para os nossos desGovernantes.

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  3. Estou a fazer um «ensaio» sobre a responsabilidade social das empresas em tempos de Estado Novo e de Corporativismo e tenho sedimentado conclusões interessantíssimas... Entre outras, o facto de uma coisa à partida má pode evoluir em múltiplos desvarios e chegar, até, a objectivos objectiva e socialmente bons.

    Cada vez me convenço mais de que a História devia ser disciplina de carácter obrigatório, pelo menos, desde a pré-primária e até, pelo menos, à conclusão do doutoramento!

    Tem isto tudo a ver com o que o Charlie nos diz.

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    1. Pelo menos, como dizia António Sérgio, "para aprendermos com os erros dos nossos antepassados".

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  4. Pois... mas como o Camilo Lourenço, (uma das vozes fazedoras de opinião) dizia,

    "..É uma inutilidade aprender História,".

    Ou seja, a gente tem é de ser como os porcos; comer e dormir. Com a diferença de que os porcos engordam cheios de felicidade a caminho do cutelo, enquanto a gente é empurrado para a fome sob a ameaça do mesmo.
    Tenho a certeza de que o Orca irá produzir um excelente trabalho sobre o tema que ventilou no seu comentário,
    Prevejo que ele pode ficar descansado: os do costume não lhe irão passar os olhos por cima.

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    1. Por que será que os palpites do Camilo Lourenço sempre me causaram urticária?!

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  5. Porque tens uma pele iqualzinha à minha... ou eu à tua...
    Vai dar ao mesmo...

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