novembro 01, 2013

Aqui-Babá e os Quarenta Ladrões (no dia em que roubaram um dia feriado à nação)

Há em mim um dispositivo orgânico que se comporta de modo assaz curioso. Vejam bem: à medida que o discurso de um político de topo, seja um Sócrates ou um Coelho, se vai guindando até níveis socialmente descontrolados, desenvolvo uma espécie de incapacidade técnica de os ouvir.

Isto é, consigo abstrair-me completamente do ruído que produzem, sem sequer necessitar de desligar o aparelhómetro que emana tais guturalidades e sem qualquer esforço físico aparente.

Tenho para mim que se trata de uma reacção saudável do meu organismo que, como todos sabemos, tem essa capacidade extraordinária de gerar anticorpos que nos protegem de quase tudo o que nos seja estranho e susceptível de causar dano, desde a picadela epidérmica da melga à agressão violenta que uma imponente bacorada provoca nalgum neurónio desprevenido.

Mas, por vezes, armo-me em cidadão em ânsias informativas e lá dispenso uns minutinhos da minha atenção a algum desses vendilhões do templo, quase sempre logo me arrependendo ao verificar que mais não me propõem do que a compra de dois atoalhados, com a oferta de um sabão-macaco e um par de palmilhas usadas, tudo pelo mesmo preço que, diga-se, ainda assim tende a ser, invariavelmente, caro até à insanidade.

Num desses momentos – em boa verdade, cada vez mais raros -, ouvi, ouvi, ouvi… e ocorreu-me esta metáfora de contornos esconsos:

- Imagino o Ali-Babá e os seus quarenta ladrões a assaltarem-me nalgum beco ou vão escuro da cidade, com a solidária intenção de me despojarem de tudo, mas mesmo tudo, quanto eu tenha comigo, do palito usado esquecido no bolso do casaco até ao cartão caducado do metro, passando pelas peúgas, já com certo uso, e outras minudências.

Eis senão quando, passa pelo cenário outro gangue a caminho de outras quejandas vilanagens e, no momento em que se cruzam uns pelos outros, o chefe dos que me assaltam diz ao outro chefe:

«- Oi, ó meu, agarras-me aí na naifa, fachavor, que estou com uma comichão danada num testículo e não queria deixar fugir este otário…».

O interlocutor, empenhado em não perder a escuridão da noite tão conselheira ao abarbatar das posses alheias, nega-se, invocando que tem outros projectos e, daí, alguma falta de tempo para solidariedades espúrias. O Ali-Babá que peça ajuda aos que o acompanham, que estão para ali a ver, sem fazerem nada, sem préstimo sequer para coçarem um testículo ao chefe…

Então, perante o desplante da resposta e ainda que profissionais do mesmo ofício, o primeiro desata a vociferar que por estas e por outras é que a nobre arte do gamanço anda pelas ruas da amargura, que as sortidas nocturnas não rendem nem um terço das expectativas e como é que há-de sustentar a amásia mais a família legítima, etc., etc., etc. – vocês conhecem a argumentação – e remata gritando que a culpa do mais que provável insucesso do seu gangue naquela noitada de assaltos fica, desde já, a dever-se ao calão que não quis estender uma mão solidária perante a inopinada coceira que vitimou o Ali em pleno desempenho profissional.

Esta estupidez metafórica ocorreu-me ao assistir à última sessão parlamentar. E, logo depois, uma pergunta angustiante: mas como é que ainda há quem vote nos «partidos do arco da governação» - zona escura e mal frequentada, onde nem a polícia se atreve a ir assim que a noite cai?

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