novembro 01, 2013

«Sair do euro?» - António Pimpão

De vez em quando vão-se ouvindo vozes a defender que Portugal deve sair do euro. Mas a maior parte dos comentadores continua a achar Portugal deve manter no euro.
É inegável que a existência de uma moeda forte comum a várias economias nacionais com diferente grau de desenvolvimento económico, como é o caso do euro, acaba por penalizar significativamente as economias mais débeis, pois lhes dificulta as exportações, ao mesmo tempo que facilita as importações (por comparação com a situação anterior, de moeda nacional).
Por outro lado, a existência de uma moeda forte mantém invariável os custos com o pessoal (tanto das empresas como do funcionalismo público) e com as prestações sociais, sobretudo das pensões de reforma, inviabilizando o ajustamento dos custos dos fatores para o nível de desenvolvimento da economia em causa. Ao mesmo tempo, exerce uma pressão crescente sobre o orçamento do Estado que, ao mesmo tempo que vê minguar as suas receitas, fruto da quebra da atividade, vê aumentar o esforço com o pagamento dos vencimentos e das pensões de reforma numa moeda mais forte do que a que a economia justificaria.
Inversamente, essa mesma moeda forte evita que se degrade o poder de compra dos rendimentos fixos, como é o caso dos vencimentos e das pensões (e também dos depósitos) – o que não aconteceria se ainda tivéssemos a moeda nacional -, impedindo que eles sejam afetados negativamente, à medida que a economia nacional se vai debilitando.
Se ainda tivéssemos o escudo, há muito tempo que, pela via da inflação (emissão de mais moeda) o poder político teria procedido a um ajuste da situação, desvalorizando o poder de compra da moeda nacional, sem que o sentíssemos, pois seríamos iludidos pela manutenção do valor nominal da moeda.
Reduzir o valor dos salários e das pensões, na vigência do euro, conduz ao mesmo resultado da inflação, pois ambas as vias conduzem à redução efetiva do poder de compra da moeda. A diferença é meramente psicológica: aceitamos, porque anestesiados, a segunda hipótese (inflação) e reclamamos afincadamente contra a primeira (redução do valor dos salários e das pensões).
Pode ter sido um erro adotar o euro como a moeda de curso legal no país. A partir daí não mais seria possível ajustar em baixa os rendimentos sem que se sinta, recorrendo à emissão de moeda, o que seria indispensável quando a economia produz menos do que se consome. Nesta inequação, apenas resta, como saída, pedir dinheiro emprestado para manter esse nível de despesa acima do nível da produção nacional.
Mas seria muito pior, do ponto de vista de quem vive apenas do salário ou da pensão de reforma, sair agora do euro: todos os rendimentos fixos referidos (salários e pensões) sofreriam imediatamente um corte substancial e passariam a situar-se num patamar muito inferior ao que está a ser proporcionado pelo euro.
Infelizmente, enquanto não se produzir ao nível do que se consome (ou não se baixar o consumo para o nível a que se produz), a única saída para se atingir um ponto de equilíbrio será a redução destes rendimentos fixos, pela via do aumento dos impostos ou da diminuição do valor desses mesmos rendimentos.
Em conclusão: a saída do euro facilitaria a vida às empresas com perfil exportador, sobretudo das de elevado valor acrescentado nacional (as que importam poucos inputs), e ao governo que, perante as dificuldades, teria sempre como saída mandar imprimir mais moeda. E seria desfavorável para os detentores de rendimentos periódicos (salários e pensões) e de poupanças.

António Pimpão

4 comentários:

  1. Pois, tudo é verdade mas há outra coisa a ter em conta.
    Já defendi aqui neste espaço de que poderíamos perfeitamente usar a nosso favor a Lei de Gresham.
    Duas moedas a circular em paralelo tendem a criar a poupança da moeda forte enquanto a considerada fraca passa a circular e a ser a "moeda de troca".
    Nunca achei ( e predisse o que iria a acontecer nas rodas de cafés com amigos) que fosse boa a ideia de acabar com o escudo. Poderíamos perfeitamente utilizar as duas moedas em paralelo e eu vivi num espaço onde aliás nasci, as caraíbas, onde não são duas mais várias moedas a circular em simultâneo.
    Confuso? NADA. as moedas fortes funcionam como refúgio, poupança, as outras circulam e cobrem uma coisa que o artigo supra não cita; o mercado interno que consome produto interno.
    Se por uma lado a taxa de câmbio entre Escudo e Euro teria de ser variável e não fixo,por outro, os preços da produção interna ficariam muito atractivos, bom para a exportação, mas também para os orçamentos familiares no que toca ao preço dos bens essenciais em primeiro lugar.
    Até mesmo a importação dos bens de alta tecnologia poderia beneficiar da barreira artificial constituída pelo preço mais elevado dado o câmbio, reduzindo-se a importação de produto acabado e potenciando a montagem feita no país, uma vez que se sabe não ser possível produzir de raiz grande parte dos gadjets modernos e indispensáveis no mundo actual mas entre importação de produto acabado e montagem no pais vai um grande passo de valor acrescentado.
    E cria-se emprego além de que os governos passam a ter uma ferramenta de que agora não dispõem

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    1. Sempre defendeste isso e eu sempre achei uma solução bem viável (não é por acaso que foi e é aplicada por vários países, em determinados momentos da sua história).
      Mas digo mais: não sei com que base se poderá afirmar categoricamente que uma moeda nacional (o escudo ou outra) iria ser fortemente desvalorizada. Tudo dependeria de diversos factores, entre eles o nível de emissão dessa moeda que se fizesse em cada momento. Mas confesso que não aprendi quase nada com o meu professor de «Moeda Crédito e Banca» na Faculdade...

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  2. Temos um case study que dispensa os mainstreamers correntes que apenas regurgitam as teorias que passam de geração em geração e sem contestação.
    Angola é o exemplo de moeda interna que sendo mais fraca do que a da "Metrópole" não reflectia essa aparente fraqueza nos preços que paradoxalmente eram mais baratos lá do que cá em muitos artigos, principalmente os alimentares.
    A importância das notas falsas de Alves dos Reis como pontapé de saída para o desenvolvimento da nossa ex-colónia nunca foi bem estudado, mas seria bom alquém debruçar-se sobre o tema de uma forma desapaixonada e sem opinião pré- formatada: que ele era aldrabão não é novidade, sou será que não era tão aldrabão assim?

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    1. A História nunca foi (e muito menos é) como nos contam nos livros... e nos filmes...

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