março 31, 2014

«Cogula» - António Pimpão

Até sexta feira passada nunca tinha ouvido falar de Cogula.
Fui lá nesse dia levar ao Centro de Interpretação dessa localidade dois quadros da minha mulher para aí participar numa exposição coletiva de pintura e fotografia sob o tema Arte e Religião.
Cogula é a freguesia mais pequena do concelho de Trancoso, sendo atravessada pelo novo IP2 que segue na direção de Mirandela e Bragança.
Durante a primeira dinastia foi habitada em boa convivência por cristãos, judeus e mouros. Foi doada por D. Pedro I aos irmãos de D. Inês de Castro. Por essa razão se diz que Cogula é terra de Castros.
Ainda hoje conta com um conjunto de bonitos e imponentes solares, evidências de alguma riqueza nos tempos idos.
Com efeito, Cogula é uma região de produção de azeite, tendo ainda em funcionamento dois lagares e, até há pouco, era o maior produtor de velas de cera da zona centro, abastecendo igrejas e santuários da área, tanto de velas de iluminação como de ex-votos. Chegou a ter 7 fábricas de velas, agora já só tem uma.
No contato com habitantes da freguesia ficamos a saber que a povoação tem 350 habitantes, mas já teve muitos mais. Ainda mantém o ensino pré-escolar e do primeiro ciclo mas as pessoas receiam que isso venha a acabar, pois nascem poucas crianças. No século passado teve uma filarmónica e dois clubes, cada um deles com o seu grupo de teatro; hoje não haveria nem atores nem assistência que permitissem a sua manutenção. Resta um grupo de concertinas, que animou – e muito bem – a sessão de inauguração da exposição que hoje teve lugar no Centro de Interpretação (do Azeite). Voltarei a este assunto.
Este Centro de Interpretação ocupa uma casa antiga, de pedra, recuperada e muito completa, dispondo de biblioteca, centro de internet, pequeno auditório e um ambiente acolhedor. Apesar da sua designação, ele é sobretudo a Casa da Cultura da localidade.
Segundo nos contou o seu responsável e animador, Pedro Fidalgo, os locais tinham, no início, receio de transpor as portas do Centro mas, gradualmente, foram-se familiarizando com a sua existência e eventos e hoje convivem bem com e no Centro, frequentando-o com assiduidade. A empresa municipal Trancoso Eventos procura facultar aos residentes acontecimentos culturais diversificados e quase permanentes para aumentar o interesse, criar hábitos e evitar eventual desmobilização.
O tal conjunto de concertinas, que atuou com 13 elementos, tem categoria e carácter e muito interesse, sendo muito heterogéneo em termos de instrumentos (7 concertinas, 2 cavaquinhos e 4 instrumentos diversos de percussão, incluindo as tabuínhas que se vêm na fotografia), de sexo (7 masculino e 6 feminino) e de idades (4 crianças, 4 acima dos 50 e 5 jovens). Têm um professor, a quem pagam pelos ensaios.
É estando no próprio local que melhor se sente a desagregação que o país está a sofrer nas últimas décadas, mormente no interior, onde se assiste passivamente a uma crescente e perigosa desertificação, sem atividade local nem futuro que possa fixar as pessoas. E onde a taxa de natalidade é também baixa, não sendo este um problema exclusivo das cidades.
Mas tem que se reconhecer que estas atividades culturais são ainda a alma duma povoação; outras, sem isso, estão mais mortas que vivas. Mas a atividade cultural não é de geração espontânea, ela exige imaginação, empenho e dedicação. E, nisto, o Pedro Fidalgo, não sendo único, é exemplar.

António Pimpão

março 29, 2014

40 anos a cantar Abril

Aquilo que eu vou escrever pode ser objeto de muita crítica, mas não consigo calá-lo. Lembro-me de ter lido algures que a sensibilidade à dor é tanto maior quanto mais desenvolvidos forem o sistema nervoso central e o simpático. Quero com isto dizer que, segundo este postulado, a dor sentida por um primata superior é mais aguda e 'dolorosa' que aquela que sentirá um verme ou inseto. Não tenho provas disso e não consigo colocar-me no corpo desses seres, que têm exatamente o mesmo direito à vida que eu tenho e não devem sentir dor, como eu não devo. Mas que a ciência o afirma, isso é verdade.
Ora bem. Vendo hoje a reportagem do concerto que ontem celebrou os 40 anos do concerto da 'canção portuguesa', senti viva na mente de quem lá esteve uma complexa rede de sinapses que nos fazem pensar que nem todos os seres humanos são iguais. Dos 10 anos que vivi antes do 26 de Abril de 74, lembro-me de coisa pouca, mas lembro-me de que ninguém dizia nada, ninguém se queixava, como se chegar ao fim da jorna e ter em casa um pouco de pão e um copo de vinho fossem a dimensão plena da beatitude. E era assim por toda a aldeia. Mas também me lembro de que quando entrei no 1º ano do ciclo preparatório, lá na cidade, alguma coisa era diferente. Por isso acredito que se nessa altura eu fosse adulto, com alguma visão do mundo, sofreria no íntimo a amargura de só ter na mesa um pouco de pão e um copo de vinho.
Por isso mesmo, aqueles que julgam que falta muito para se cumprir Abril, creio, possuem um sistema muito mais sensível, menos primário ou reptiliano que aqueles que aceitam tudo o que se lhes impõe com a mesma fatalidade do asno que carrega o seu dono até cair, trôpego pela carga. E eu, como aqueles que ontem agitaram na mão a flor rubra do ideal da liberdade, não quero ser asno!

março 26, 2014

«pensamentos catatónicos (303)» - bagaço amarelo

Um abraço

Há duas palavras que eu detesto: "empreendedorismo" e "sucesso", porque actualmente as duas estão tão próximas uma da outra quanto distantes. Por isso, mas também porque detesto fingimentos e lonjuras. Ser empreendedor ou ser um self made man é ser a antítese do Amor. A merda deste país acabou nestas duas palavras. Fala-se do sucesso dum amigo porque ele tem emprego ou abriu uma lojeca qualquer numa esquina da cidade, nunca porque ele está apaixonado apesar dos seus quarenta anos. Não me fodam, a felicidade não passa por aí.
O Amor também não é felicidade, é verdade. O Amor é estar vivo, é estar sempre nos píncaros da felicidade ou da tristeza profunda. Nada mais. Mas é isso que é estar aqui, tão vivinho quanto a sardinha que salta no cais depois de apanhada. Este país cansa-me porque já nem sequer sabe estar triste. Não sabe sofrer. Só sabe falar em palavras vãs como empreendedorismo e sucesso. Fala-se nisso, depois morre-se.
Tenho uma má notícia para todos os que consideram que o seu sucesso passa por ter um pequeno negócio ou por uma pequena empresa que lhes permite sobreviver: isso não vale uma merda. O que vale é, tendo uma loja, sorrir para os clientes, apaixonarmo-nos todos os dias, dar a mão a um Amor todas as manhãs. O resto é folclore. Até eu estou a abrir um negócio. Não para viver, mas sim para sobreviver.
Este país cansa-me porque já nem sequer é um país. É um pequeno grupo de gente que busca uma conta bancária confortável, apesar de nunca o conseguir, e acha que isso é normal. É um país que não fala de Amor, é uma coisa sem vida que nem triste consegue ser. Eu não quero ser parte disto, até porque ainda me apaixono todos os dias.
Agradeço à mulher que hoje, no Parque Infante Dom Pedro, me pediu um abraço. Um abraço nunca se pede, porque quando se dá também se recebe. É isso, um abraço troca-se. É por isso que é tão bom abraçar. Só por isso. Tenho pena de quem ainda não chegou lá. Ela chegou lá hoje. Eu também.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

«O emprego» - curta-metragem

março 25, 2014

Mudança de hora - e tu e eu, o que é que podemos fazer? Talvez oder... talvez oder*

* Oder - fazer odes

"lá nos mudam a hora os pobres coitados
porque sim ou não e até por talvez
mas não mudam mais nada os pobres paus mandados
que nem morrem nem desamparam a loja de vez

mudança da hora por quem nada muda
causa em mim perplexa e vil desconfiança
mais cheira a quem quer que a malta se iluda
em artes de engano e de vã cagança..."

"Por cá mudam também:
O Sudeste fica à frente,
Combinando com o Sul.
E todos do Centro-Oeste,
Só a Bahia, no Nordeste.

"Muda tudo, mudam o horário,
Só a Política é que não.
Brasília é sempre a “mesma”,
Paletós de colarinhos brancos,
Mesmo com o horário de verão.

O Norte é demais imenso,
Neste solo tão gentil.
Cabe nele parte do Mundo
E grande parte do Brasil.

O horário no Norte não se altera.
O cantar do galo me desperta,
Pelas frestas de luz vejo que é hora
De seguir em frente e ir embora.

Dizem que assim agindo
Muita riqueza resulta.
Se for para os bolsos de poucos,
Pois os outros são “filhos da fruta”.

O horário de pico se mede
Por aquele que gasta mais.
Gastar o que, o cidadão fodido?
Se têm as luzes do sol e da rua,
Para “lumiar” sua dormida,
E amar sobre a luz da lua?

(Sendo solidária)"

visto dourado

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um herói do 25 de Abril

Em Março de 2008 publiquei, na revista Perspectiva, o texto que abaixo se publica. Verifico com agrado que este mesmo tema foi objecto de publicação em livro, da autoria de Adelino Gomes (texto) e de Alfredo Cunha (fotografia), a ser lançado hoje, pelas 18h30, no Torreão Poente do Terreiro do Paço, e com o título Os Rapazes dos Tanques.

Haverá a acrescentar, também, a atitude do cabo apontador José Alves Costa - cuja identidade apenas agora é conhecida (veja-se a edição do Público de hoje) - que, sequencialmente à atitude do então alferes miliciano Fernando Sottomayor, optou por não cumprir a ordem de fogo que lhe foi transmitida, enclausurando-se no tanque, não disparando, também, contra os camaradas de armas. Aqui fica, então, o meu artigo evocativo do nosso 25 de Abril:

Rubrica o adejar da mariposa - UM HERÓI DO 25 DE ABRIL

No dia 25 de Abril de 1974, e num momento crucial para o desenvolvimento das operações, Salgueiro Maia afrontou corajosamente o brigadeiro Junqueira dos Reis, leal ao regime, que comandava a força de Cavalaria 7, constituída por quatro carros de combate M47, seguidos de uma companhia de atiradores do Regimento de Infantaria 1, da Amadora, e alguns soldados da PM de Lanceiros 2, na Rua do Arsenal. Terá sido esse, porventura, um dos momentos de maior tensão dos muitos momentos tensos que nesse dia se viveram.

Após sucessivas tentativas de negociação ou de mero diálogo, por parte dos revoltosos, que resultaram infrutíferas, o comandante da força pró-governamental deu, primeiro, ordem de prisão e, depois, por falta de acatamento daquela, ordem de fogo contra Salgueiro Maia.

O alferes miliciano a quem foi dada essa ordem, de seu nome Fernando Sottomayor, pertencente ao RC7, recusou-a, sendo detido de imediato, por afrontamento directo ao seu comando e, porventura, hipotecando a sua vida com tal decisão, se o movimento dos capitães não houvesse saído vitorioso da contenda.

Essa sua atitude veio a ser seguida por todos os seus camaradas de armas, que o secundaram no acto, aderindo grande parte deles ao movimento dos revoltosos e esvaziando a ameaça que aquela força constituía para o sucesso global da operação.

Foi o acto de um homem isolado, que talvez nunca se tivesse sentido tão só como naquele segundo determinante da sua e das nossas existências. Ainda assim, arrostando com medos e circunstâncias adversas, ele deu o passo que a consciência lhe ditou, tendo assumido a sua escolha e, com isso, alterando o curso da nossa História.

Ele é, também, um herói porventura esquecido, quase anónimo e certamente não glorificado do 25 de Abril, ainda que a sua atitude tivesse sido decisiva no desenrolar dos acontecimentos.

Este é o peso, pouco ou nenhum e, ainda assim, determinante que cada acto nosso pode valer no concerto do mundo.


- Jorge Castro
Março de 2008

março 22, 2014

Sem MAIS palavras

de: https://www.facebook.com/NikamenteBR

A subtileza é a  mais poderosa de todas as forças.

março 21, 2014

Mudança de hora - mais uma voltinha... mais uma viagem...


"Para
Centro de Contacto EUROPE DIRECT

Como podem constatar pelas minhas mensagens abaixo, no dia 27 de Janeiro enviei um e-mail para a entidade que me indicaram como sendo a responsável em Portugal por este assunto da mudança de hora e, desde então, apesar das minhas insistências e de envio com conhecimento para vários destinatários, não tive qualquer resposta nem mesmo uma simples confirmação de recepção.
Como me informaram que a "Comissão incorpora representantes de diversos ministérios do Governo Português e também das Regiões da Madeira e dos Açores", agradeço que me informem quais são esses ministérios que integram a Comissão Permanente da Hora, a fim de tentar obter resposta às questões que coloquei.

Cumprimentos,
Paulo Moura"

março 18, 2014

«Praxe e praxes - Tradições ou sistemas de repressão em rede?» - Professor Luís Reis Torgal

Na revista Via latina de Março de 2014, publicada pela Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra, vem o artigo (pp. 14-21) que abaixo disponibilizo, em que o Prof. Luís Reis Torgal analisa o ‘percurso’ das praxes académicas e o seu significado.
Deixo-vos um excerto:

"A massificação das universidades, se tornou mais vulgares os graus, sobretudo da licenciatura e do mestrado (o que origina estatísticas de sucesso, que se costuma antes chamar “sucesso das estatísticas”), também veio reforçar a afirmação de uma elite, ainda que falsa, desenvolvendo a ideia de “doutorice”, sempre presente na mentalidade portuguesa. Por isso os estudantes — numa sociedade em crise, em que a intervenção seria mais natural — estão cada vez mais fora da acção política, como cidadania, embora possam estar mais próximos de praxes inúteis e da vida partidária das “jotas”, que lhes podem dar o emprego que a competência (quando existe) não lhes confere. Portanto, pode dizer-se que para terminar com o abuso da praxe será necessário alterar os valores da sociedade, que se guia mais pelo espectáculo (por vezes obsceno, como se verifica, por exemplo, na televisão e até na vida política) e pelo interesse do que pela ética."

Recomendo a leitura do artigo completo:

A Dora não adora a mudança d'hora!

Noé...

está por aí a chegar... o filme!
Raim on Facebook

março 17, 2014

Diz a DECO: «Factura da Sorte é "versão pimba" do Ministério das Finanças»

Desde há muitos anos que deixei de ser filiado da DECO, por motivos que não vêm ao caso.
Mas tenho que concordar com a tomada de posição do secretário-geral da Deco, que acusa o Governo de querer transformar os contribuintes em fiscais de impostos:

"Onde está aqui a sustentabilidade da economia portuguesa?"
"O sorteio é uma medida que 'descentra' a obrigação de os consumidores pagarem impostos"
"A razão de pagar impostos é para ter mais protecção social e não para participar num 'eventual' prémio de automóveis, ainda por cima topo de gama"
"Somos claramente pela obrigação de os portugueses pagarem de forma justa os impostos. Não há sociedade que possa viver sem impostos devidamente pagos e administrados, para que haja prestações do Estado na saúde, ensino ou estradas"
"Não é correcto transformar os consumidores em inquiridores e fiscais de impostos, em agentes de fiscalização"
"Este governo tem recuado muito nas prestações sociais, ao mesmo tempo que aumenta os impostos, e temos consciência que há aqui alguma contradição e que não seria este o Governo com mais condições para mobilizar as pessoas para o pagamento de impostos"
"A importância do pagamento dos impostos é um trabalho que deve ser feito nas famílias, nas escolas, nas comunidades"

E nós... pimba! Nós... pimba!

março 14, 2014

Pode não ser masoquismo, senhor Presidente. Pode ser... realismo!

«Surpreende-me que em Portugal existam analistas e até políticos que digam que a dívida pública não é sustentável», afirmou o chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silva, em declarações aos jornalistas esta semana.
Sublinhando que os próprios credores, a comissão, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Europeu dizem que «é sustentável», Cavaco Silva questionou por que são os próprios portugueses, que são os «devedores», a dizer que não é sustentável.
«Só há uma palavra para definir esta atitude: masoquismo»

Já tive que renegociar uma dívida de uma empresa com vários credores (bancos, Estado e Segurança Social). Defendi perante os representantes desses credores (na maioria advogados) que o pagamento da dívida era insustentável e que o perdão parcial de juros seria insuficiente para a empresa poder recuperar... e pagar essa dívida aos seus credores. Quando lhes tentava mostrar que os meios libertos estimados para os anos seguintes só permitiriam liquidar, no máximo, 70% da dívida (com perdão total de juros), esses credores «consolaram-me»:
- Doutor, não seja pessimista. Vai ver que conseguirá pagar tudo...

março 11, 2014

Machete passa ao ataque...

 não sabe ainda o que fazer com a verba arrecadada. 
mas para já a certeza de que a mesma não servirá 
de indemnização para os Ucranianos.
Raim on Facebook

O professor Aníbal e o professor Heraba

Deslocava-me eu, tranquila e civilizadamente, para o meu local de trabalho, assumindo, como em cada dia, que o meu dia seria eu a fazê-lo, quando, ao virar de uma esquina, um jovem quilométrico, africano e de resplandecente dentadura me entregou um folhetozinho que anunciava:

«Prof. Heraba – Astrólogo Médium Africano Vidente – Prof. Diplomado – Segredo Absoluto – Grande conselheiro com 25 anos de experiência. Especialista em todos os trabalhos ocultos. Conhecido por grandes personalidades do Mundo inteiro…, etc. etc., aconselha rapidamente sobre todos os seus problemas mesmo os mais difíceis e desesperados tais como: amarração, afastamento, problemas profissionais e familiares, negócios e impotência sexual, sorte, justiça, doenças, vícios (…) Pagamento depois do resultado. (…) Trabalho honesto, sério, eficiente e rápido».

E tal arenga não pôde deixar de me suscitar uma comparação óbvia: o nosso ilustre professor Aníbal. Veja-se: vidente, 25 anos de experiência, especialista em trabalhos ocultos, conhecido por grandes personalidades… um nunca acabar de coincidências.

Ora, elucubrações não eram feitas e eis senão quando o nosso vidente de serviço à Presidência nos anuncia, sem dó nem piedade, que o sofrimento a que votaram os portugueses em geral e a grande maioria em particular deverá prolongar-se, no mínimo, até 2035!

Delapida a esperança, trucida o labor, esmaga o sonho. Portugal, até 2035, segundo o vidente – que não previdente professor de meia-tigela, ou não teria feito tantos disparates como até aqui, enquanto primeiro-ministro e presidente da República – não é lugar recomendável nem apetecível.

(Caramba, o que é que esta gente anda a beber…?)

E dei por mim, também obviamente, a imaginar o quão melhor ficaríamos se trocássemos de professor, saltando do Aníbal para o Heraba. Mal por mal e com credenciais tão idênticas, aquele só recebe depois do resultado. E, cá para nós, tenho a certeza de que tem uma dentadura em muito melhor estado.

Enfim, se conseguíssemos levar estes tipos a sério - ainda que receie aqui o tal inconseguimento da Assunção -, o que o professor Aníbal presidente disse, como e onde o disse, talvez justificasse mais um a voar de alguma apropriada janela. Mas isso foi noutros tempos. Agora todos voamos baixinho…

março 10, 2014

«O Partido do 25 de Abril» - artigo de Boaventura de Sousa Santos

Suspeito que tarde ou cedo vai surgir em Portugal o partido do homem e da mulher comuns. Será a resposta política aos que, aproveitando um momento de debilidade, destruíram em três anos o que construímos durante 40.

Escrevo esta crónica da Índia, onde tenho estado nas últimas três semanas. Na década passada, a Índia foi avassalada pelo mesmo modelo de desenvolvimento neoliberal que a direita europeia e seus agentes locais estão a impor no Sul da Europa. As situações são dificilmente comparáveis mas têm três características comuns: concentração da riqueza, degradação das políticas sociais (saúde e educação), corrupção política sistémica, envolvendo todos os principais partidos envolvidos na governação e setores da administração pública.
A frustração dos cidadãos perante a venalidade da classe política levou um velho ativista neo-gandhiano, Anna Hazare, a organizar em 2011 um movimento de luta contra a corrupção que ganhou grande popularidade e transformou as greves de fome do seu líder num acontecimento nacional e até internacional. Em 2013, um vasto grupo de adeptos decidiu transformar o movimento em partido, a que chamaram o Partido do Homem Comum (Aam Aadmi Party, AAP).

O partido surgiu sem grandes bases programáticas, para além da luta contra a corrupção, mas com uma forte mensagem ética: reduzir os salários dos políticos eleitos, proibir a renovação de mandatos, assentar o trabalho militante em voluntários e não em funcionários, lutar contra as parcerias público-privadas em nome do interesse público, erradicar a praga dos consultores através dos quais interesses privados se transformam em públicos, promover a democracia participativa como modo de neutralizar a corrupção dos dirigentes políticos. Dada esta base ética, o partido recusou-se a ser classificado como de esquerda ou de direita, dando voz ao sentimento popular de que, uma vez no poder, os dois grandes partidos de governo pouco se distinguem.

Em dezembro passado, o partido concorreu às eleições municipais de Nova Delhi e, para surpresa dos próprios militantes, foi o segundo partido mais votado e o único capaz de formar governo. O governo foi uma lufada de ar fresco, e já em fevereiro o AAP era o centro de todas as conversas. Consistente com o seu magro programa, o partido propôs duas leis, uma contra a corrupção e outra instituindo o orçamento participativo no governo da cidade, e exigiu a redução do preço da energia elétrica, considerado um caso paradigmático de corrupção política. Como era um governo minoritário, dependia dos aliados na assembleia municipal. Quando o apoio lhe foi negado, demitiu-se em vez de fazer cedências. Esteve 49 dias no poder e a sua coerência fez com que visse aumentar o número de adeptos depois da demissão.

Perplexo, perguntei a um colega e amigo, que durante 42 anos fora militante do Partido Comunista da Índia e durante 20 anos membro do seu comité central, o que o levara a aderir ao AAP. "Fomos vítimas do veneno com que liquidámos os nossos melhores, favorecendo uma burocracia cujo objetivo era manter-se no poder a qualquer preço. É tempo de começar de novo e como militante-voluntário de base", respondeu-me. Outro colega e amigo, socialista e votante fiel do Partido do Congresso (o centro-esquerda indiano), disse-me: "Aderi ao AAP quando o vi a enfrentar Mukesh Ambani, o homem mais rico da Ásia, cujo poder de fixar as tarifas de eletricidade é tão grande quanto o de nomear e demitir ministros, incluindo os do meu partido".

Suspeito que tarde ou cedo vai surgir em Portugal o partido do homem e da mulher comuns. Já tem nome e muitos adeptos. Chamar-se-á Partido do 25 de Abril. Será, 40 anos depois da Revolução, a resposta política aos que, aproveitando um momento de debilidade, destruíram em três anos o que construímos durante 40. O 25 de Abril é o nome do português e da portuguesa comum cuja dignidade não está à venda no mercado dos mercenários, onde todos os dias se vende o país. Será um partido de tipo novo que estará presente na política portuguesa, quer se constitua ou não. Se se constituir, terá o voto de muitas e muitos; se não se constituir, terá igualmente o voto de muitas e muitos, na forma de voto em branco. Por uma ou por outra via, o Partido do 25 de Abril não esperará pelo próximo livro de Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia, onde ele explicará como o FMI destruiu o sul da Europa com a conivência da União Europeia.

Boaventura de Sousa Santos
(Ensaio publicado na VISÃO 1096, de 06 de Março)

março 07, 2014

Análise Simbólica das Manifestações diante do Parlamento




Mais uma manifestação de descontentamento , e certamente muitas outras virão diante do Palácio de São Bento
O edifício onde funciona a Assembleia da República data do Sec XVI.
Construído em estilo neoclássico, poucos edifícios poderiam exprimir melhor o que existe no Homem no que toca à sua subconsciente matriz organizacional no que ao simbolismo do Poder diz respeito.
Assente sobre a sublimação do falicismo, a fachada do edifício replica essa eterna referência e é assim com muita naturalidade que o imóvel transitou do seu objectivo original, mosteiro Beneditino, para sede de Poder, mal esse Poder extinguiu as ordens religiosas, um dos braços de uma outra expressão de Poder que na essência tende a ser sempre e apenas um.

É diante do edifício que se têm produzido ciclicamente manifestações e é no pormenor particular do afrontamento simbólico do Poder instituído que devemos centrar a nossa atenção.
Tecnicamente é fácil tomar o edifício se foram consideradas as alas laterais, que estão praticamente ao mesmo nível da entrada principal. As escadarias diante do edifício são um enorme inconveniente já que uma
pressão de massas nas laterais empurra quem defende o edifício para os lances inferiores fazendo perder a eficácia de uma eventual cortina de defesa.
No entanto, os manifestantes colocam-se sempre na parte inferior das escadarias, olhando de baixo para cima para o edifício, num alinhamento com o topo do triângulo, o Falo ancestral, o Poder.
É um momento de enorme carga simbólica. Ao colocarem-se na parte mais baixa da escadaria, elevando o olhar, assumem a sua posição no que à pirâmide de Poder diz respeito, reconhecendo a sua subalternidade enquanto afrontam esse mesmo Poder. Não é a tomada do Poder que é pretendido, mas sim a contestação do mesmo, e a tomada de lances de escada, no sentido ascensional, emerge do mais profundo do Homem no que à sublimação para o campo do simbólico, relativamente ao fenómeno da erecção fálica diz respeito e quanto à projecção do mesmo como expressão de força.

Se olharmos para as fotos do edifício e as suas imediações teremos diversas perspectivas do mesmo. Vistas
as fotos mais antigas reparamos como as escadarias, que hoje são vistas como ante-câmaras abertas do edifício, eram apenas um ornamento externo e que uma rua dava acesso directo a um pequeno lance de escadas à entrada principal.
 O facto de terem feito um contínuo do empedrado ligou de forma absoluta a escadaria ao edifício, potenciando por esse motivo todas as manifestações e operações de confrontação ao Poder.
O que o futuro nos irá trazer, só aos Deuses cabe responder, mas os dados estão lançados, e o Homem, sendo eterno, é de forma eterna que os dados se organizam, sempre da mesma forma, dando sempre as mesmas respostas.
E a haver acontecimento digno de nota, não será certamente pelo facto de assistirmos a manifestações.
Mas estas são certamente de levar em conta, se não se quiser consultar os oráculos.

março 06, 2014

Eu não consigo - tu desconsegues - ela inconsegue...

No fundo, Assunção Esteves tem razão e reflecte, porventura através de reminiscências de alguma sua cultura germanófila, o que de mais hiperbólico (des)grassa em Portugal: o inconseguimento frustracional derivado da crise, articulado com o espasmódico facto da Europa não projectar para o mundo o seu soft-power sagrado.

O Miguel do fugaz e metafísico empreendedorismo, aliás, não se expressaria melhor, quiçá alicerçado no hard-power, ainda que não menos sagrado, que um outro Miguel, mas mais Relvas, lhe conferia, ao nível da protecção lombar.

No fundo e para além das grandes metafísicas, como sempre tudo se resume a sabermos quem detém o dinheiro e, assim, o poder. E, munido de tais virtudes, consegue, mais coisa, menos coisa, o que quiser.

Já a outra malta, com fundos de maneio ao nível de subcave húmida e bafienta de prédio manhoso, quando intenta perseguir algum objectivo, não consegue. Por vezes, até, apura que desconseguiu. E outras vezes, ainda, padece de inevitável inconseguimento.

Ontem mesmo tive oportunidade de assistir a um outro inconseguimento performativo de Assunção Esteves no momento luminoso do debate, com o Passos Coelho a fazer que amuava porque Catarina Martins afirmou, em preâmbulo às questões colocadas ao senhor primeiro ministro, que ninguém acreditava na palavra dele – coisa com que eu estou tentado a concordar.

Dúbia jogada, no entanto, apesar de eu ter apreciado sobremaneira a restante diatribe da dirigente do BE, a que Passos Coelho, embirrento e embirrado, decidiu fazer orelhas moucas. É que deu oportunidade ao homem para fugir com o rabo à seringa alegando o amuo. Eis aqui um outro caso típico de inconseguimento, pois o senhor primeiro agarrou-se a esta bóia argumentativa e pulou para fora da resposta que lhe era devida à Assembleia, aliás, como a toda a nação.

Assunção Esteves conseguiu, entretanto, inconseguir numa série sequencial de atitudes frustracionais, ao divagar por aquela tormenta espumosa, sem mão nem jeito, mormente para quem esperasse dela um magistério eficaz próprio de lugar de tal relevância. Que Diabo, afinal, sempre é um dos superiores quadros da nação...

E rematou a deriva, a modos que em tércio de bandarilhas, salerosa, com uma recusa – que bons são todos os nossos governantes na recusa… –, recusando ao BE a conferência de líderes extraordinária, por eles solicitada, face a tal gritante deficiência democrática.

Em boa verdade, esta ditadura do pêessedêriado – um presidente eleito, um governo não eleito, uma maioria de conveniência e circunstância, no fundo também não eleita, uma presidente da Assembleia eleita pelos seus pares e precocemente reformada, muitos analistas televisivos e ainda mais jornalistas da cor, também nenhum deles eleitos, nem sequer pela paróquia de cada um… – está a tornar Portugal tão idêntico ao pré-25 de Abril que eu já nem sei se esta gente quer comemorar os 40 anos de Abril ou… os 40 anos e mais alguns mesitos.

Se houvesse pão em todas as mesas e – vá lá, para empurrar… – um vinhozinho à maneira, todo este inconseguimento até seria, para o país que assiste a tal cavalgada do seu futuro em lastimável Rocinante, risível, ridículo, anedótico, larachoso, até. Assim – e lá tenho eu de dar razão à senhora presidente da Assembleia da Repúbica –, é tão-só mais um inconseguimento frustracional a acabrunhar ainda mais o nosso fulgor lusitano.

«Afinal» o nosso primeiro quer manter como definitivo o que cortou «provisoriamente» em salários e pensões, argumento com que torneou os tíbios escrúpulos do Tribunal Constitucional. Tudo a bem da «estabilidade orçamental», espécie de país das maravilhas onde apenas a seita, a seitinha e a seitona se governam, desde o empregozinho de conveniência até ao grande hipermercado..

O resto da malta, que se lixe, nas suas doutas e preclaras palavras.

Quando alguém o alerta para que, assim, essas suas palavras (dele) nada valem, o homem amua. E amarra o burrinho, como dizia a minha avó. Vá lá que ainda não fez uma perrice. Mas há-de fazer.

Os «seguros» – do Partido dos Seguros, claro – oficial e oficiosamente, aos costumes dizem nada. Aliás, solidariedade «à esquerda», não ocorrerá nem com algum milagre de Fátima.

E lá vamos, de inconseguimento em inconseguimento até ao soft power sagrado final, que deve ser a modos que um paraíso intermitente que só abre portas, de quatro em quatro anos, em período pré-eleitoral.

Pessoalmente já levo mais de 60 anos disto... Vejam lá bem: ainda nem tinha arrebentado o 25 de Abril, como diria, também, a minha avozinha, esse poço de sabedoria! Arre, porra que é demais, digo eu, para parafrasear um desabafo dos tempos da negra ditadura… O que uma pessoa atura!

março 05, 2014

A «Factura da Sorte» - um erro de palmatória

No dia 17 de Fevereiro foi publicado o Decreto-Lei desta ideia peregrina, numa nova versão dos vendilhões do templo (a diferença é ser improvável que Jesus desça à terra para os expulsar).
Segundo diz o...

"Artigo 5.º
Documentos elegíveis
Para efeitos do sorteio «Fatura da Sorte», são apenas elegíveis as faturas, as faturas simplificadas e as faturas--recibo que (...) tenham sido validamente comunicadas à AT, pelo emitente (...)."

... ou seja, se um consumidor fizer a sua parte e pedir facturas com o seu número de contribuinte, não tem qualquer garantia de que essas facturas contem para o sorteio, pois o fornecedor pode não fazer aquilo a que está legalmente obrigado: comunicar as facturas à Autoridade Tributária.
Que tal, ahn?...

março 01, 2014

«Argileu Palmeira de novo» - António Pimpão

Argileu Palmeira era aquele poeta parnasiano que figurava no telenovela Gabriela, 1.ª versão, aquela dos anos setenta.
Sempre que o poeta encontrava uma pessoa, nem que fosse pela terceira vez, dizia-lhe: “Já lhe dei o meu cartão”?
Também hoje em dia, quando vamos a uma gasolineira, a um hipermercado ou a um estabelecimento dos shoping não há um em que não perguntem se já temos cartão de pontos ou do estabelecimento e procuram impingir-nos um. Se acedêssemos a todas as ofertas andaríamos com a carteira mais inflada do que grávida de 8 meses.
Se fosse da área, procuraria desenvolver e comercializar um sistema do tipo cartão do cidadão para agregar num só todos os cartões que temos à disposição.
Mais recentemente, são os CTT a quererem impingir-nos bilhetes da lotaria. Enquanto que nas nossas casas podemos evitar a receção de publicidade colocando no exterior da caixa do correio uma etiqueta com os dizeres “Publicidade, não, obrigado”, nas estações dos correios não podemos evitar o “quer comprar lotaria?”, o que nos coloca na posição de antipáticos, de não colaborantes, quando recusamos. Ainda se ao menos reformulassem a pergunta para uma frase menos agressiva, do tipo “temos aqui bilhetes da lotaria, está interessado?” – vá que não vá!
Pessoalmente, tenho resolvido este assunto: elaborei um cartaz em folha A4 que tenho no carro e quando vou a uma estação dos correios levo-o comigo Ao fazer o pagamento – altura que estrategicamente aproveitam para fazer a pergunta – exibo-o com os dizeres: “Lotaria não, obrigado”.

António Pimpão