Não me incomoda particularmente a existência das Isabéis Jonets deste mundo, tão cheio de tão maiores iniquidades e de imbecilidades não inocentes, nem a minha insistência neste tema deve ser considerado como qualquer ataque pessoal à personagem, tão caritativa ainda que tão sem graça.
Mas a personagem mediatizou-se. E fala. Fala pelos cotovelos, pelos pés, que não apenas pela boca, esse aparelho áudio do nosso cérebro. E, assim sendo, põe-se a jeito para colher ecos dos concidadãos, a quem não bastam os governantes fascistóides que vamos tendo, como ainda têm de aturar estes serôdios movimentos nacionais femininos do nosso descontentamento.
Atentemos em dois reduzidíssimos espasmos da suma Jonet, paridos em dois cruciais momentos da vida miserável que nos está a ser imposta, recentes ambos, que nos ilustram acerca de como uma economista arvorada em benfeitora dos pobres através do incremento das negociatas dos ricos, prova à saciedade e, já agora, também à sociedade, qual a barricada pela qual optou:
«As pessoas passaram a achar que têm direito a todas as prestações sociais e dão-no como adquirido. Muitas vezes, preferem ir para o subsídio de desemprego do que ter um emprego, ainda que ele seja menos bem pago, porque sabem que vão ter a prestação social no final do mês.» (http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Vida/Interior.aspx?content_id=1870626)
«Eu sou mais adepta da caridade do que da solidariedade. A caridade é muito mais. A palavra está desvirtuada por ter uma conotação religiosa, mas para mim a caridade é a solidariedade com amor. Com entrega de si mesmo. A grande diferença é que caridade é amor e solidariedade é serviço.» (http://www.solidariedade.pt/sartigo/index.php?x=2149)
Perante a perplexidade que tais paupérrimos dislates nos suscitam e que já foram sujeitos ao crivo de milhentos comentários críticos, pelo que poupo os meus improváveis leitores a maiores arrazoados, olhemos, agora, com justificado pânico, através da sua biografia oficial, para as instituições onde a senhora, advogada destes (pre)conceitos obscurantistas e desumanos, exerce magistério de influência:
Isabel Jonet, Presidente do Banco Alimentar - Maria Isabel Torres Baptista Parreira Jonet, nasceu em Lisboa a 16 de Fevereiro de 1960, é casada e tem cinco filhos. Licenciou-se em Economia em 1982, na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa. Desde 1993 trabalha em regime de voluntariado no Banco Alimentar Contra a Fome, sendo actualmente Presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome, Presidente do Banco Alimentar Contra a Fome de Lisboa e Membro do Conselho de Administração da Federação Europeia dos Bancos Alimentares. Nessa qualidade apoiou a criação dos 11 Bancos Alimentares portugueses.
É fundadora e Presidente da ENTRAJUDA, instituição de apoio a instituições de solidariedade social numa óptica de gestão e organização. Trabalhou no Comité Económico e Social das Comunidades Europeias, em Bruxelas, entre 1987 e Julho de 1993. Foi adjunta da Direcção Administrativo-Financeira da Sociedade Portuguesa de Seguros entre Março de 1983 e Dezembro de 1986 e da Direcção Financeira da Assurances Général de França em Bruxelas em 1987. – Dados obtidos no sítio do Banco Alimentar contra a Fome - http://baeslc12.blogspot.pt/2011/05/biografia-de-isabel-jonet.html).
Se não fosse, realmente, digna de se lhe atribuir importância, para quê fustigar a criatura? Mas ela tem uma relevância assumida em cada uma destas instituições, para além de ser continuamente insensada como exemplo maior de altruismo, havendo então que a denunciar bem como a essas instituições como braços «armados» da sociedade esclavagista a que alguma desta gentinha parece apostada em fazer regredir a Humanidade.
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Nada tendo eu a opor ao conceito de caridade, mas não estando nada de acordo com o conceito de que a caridade esteja desvirtuada por conotações religiosas – o que poderá ocorrer na casa e entre os amigos da senhora mas está longe de ter a abrangência que ela lhe quer vestir –, repugna-me muito especialmente que a alminha tenha escolhido criar essa dicotomia de caridade versus solidariedade.
Vejamos: quando esta senhora assume as suas obrigações fiscais no Estado em que se integra está a praticar um acto de caridade ou um acto solidário? E, cuidado, pois se ela menospreza o carácter solidariamente cívico do pagamento de impostos, poderá estar a promover a desobedência civil... O Gaspar que se acautele. E quando ajuda a erguer o velho que acabou de se estatelar na rua, está a ser solidária ou caridosa, ou ambas? Ou, caridosa, ajuda o pobre velho a erguer-se e, logo mais, solidária, oferece-se para o levar a casa, mas chama, entretanto, um polícia para participar do buraco no passeio que provocou a lamentável ocorrência?
Se podemos de boamente afirmar que a caridade é um sentimento ou uma acção altruísta de ajuda a alguém sem busca de qualquer recompensa – o que nem sempre é claro, pois algumas almas impolutas sempre levaram isso à conta do deve-haver de acesso ao paraíso… – já o conceito de solidariedade, incidindo sobre o mesmo altruísmo, traz em si, mais entranhadamente, conceitos mais burilados como consciência social, atitude racional e voluntariamente assumida.
Em qualquer dos casos não fará grande sentido criar oposição entre os conceitos, como Isabel Jonet o fez e que, como já se disse, se só servem para perturbar mais mentes já perturbadas, por outro lado desmascaram a sua clara posição ideológica. Porque isto, meus amigos, quer se queira quer não, anda tudo ligado...
E então assim todos ficamos a saber que esta caritativa Jonet é muito mais adepta de oferecer ao faminto o peixinho frito – a tal caridadezinha muito sua – do que lhe fornecer a cana de pesca, transmitindo-lhe também as condições e os ensinamentos necessários – a solidariedade que Jonet desmerece – para que o tal faminto possa deixar de o ser, mas através da sua individualidade, pela força das suas próprias mãos e na dignidade do seu próprio trabalho.
E isso, além de imperdoável, está muito fora de todos os avanços civilizacionais ocorridos de há uma pipa de séculos a esta parte.