junho 05, 2012

não sei por onde vou, mas sei que não vou por aí...


José Régio e o seu Cântico Negro são referências que me ocorrem ao olhar para a linha evolutiva de Portugal, de há uma trintena de anos a esta parte, cruzando essa observação com as discursetas que nos chegam do poder e dos poderosos e com a realidade que apuro de uma imensidão de testemunhos directos daquilo que poderia chamar-se de «amargura de viver».

Entretanto, o circo. Ele são os concertos inundados de futilidades, os futebóis que continuam a «arrastar multidões» - ainda que mal se apure para onde é que elas estão a ser empurradas – e os seus rios inesgotáveis de dinheiros públicos, os bancos alimentares contra a fome e em favor dos possidentes, as galas do espavento em favor dos possidónios, que nos são impingidos entre profundos decotes e não menos profunda vacuidade.

A par disto, a falta do pão, a miséria do estado para onde se está a levar o ensino público, a saúde pública e tudo que é público, afinal, perante um quase pasmo alheamento dos cidadãos.

E quando, por fim, uma reacção surge – veja-se como exemplo a luta dos professores contra as Marias de Lurdes Rodrigues do nosso descontentamento -, logo ela se torna inconsequente e esvaziada de conteúdo perante a falta de apoio sustentado por organismos de cariz social que sejam capazes de desfraldar a bandeira da cidadania, de modo um pouco mais consequente, mais parecendo que somos todos um rebanho ordeiro e acarneirado, felizes por termos os cães que temos e que nos mordem os artelhos para nos manter no redil, por mais virtual que este seja.

Logo mais, ao descobrirmos que os cães são, afinal, lobos, chacais ou hienas, damos tudo de barato à conta da desgraça do destino no tom dolente de algum fado.

Traímos uma geração e hipotecámos o futuro com a ligeireza, insensibilidade e violência de um gang mafioso; permitimos que o Estado – que somos nós! – seja o principal mentor e factor da mais despudorada, vil e criminosa desregulamentação de todo o «estado de direito» em que alegadamente vivemos, do «estado democrático» que alegadamente constituímos, onde direito e democracia são meras palavras esvaziadas de conteúdo na rudeza clara e bruta do dia-a-dia.

Abandonámos os nossos velhos, condenando-os ao martírio da solidão e da exclusão social – e carpimos hipócritas lágrimas de crocodilo por isso –, expulsámos os nossos jovens com o paleio reles e desconsiderado da «busca das novas oportunidades» em solo estrangeiro, numa invocada nova gesta da diáspora, mas agora sem caravelas; zurzimos a «classe média» - leia-se o trabalhador por conta de outrem, os poucos que ainda têm algo a perder – com a mais abjecta subversão das regras laborais, em particular, e sociais, em geral.

Alinhamos em todo esse circo, impávidos e colaborantes activos, já nem sequer exercendo o direito ao voto pois, como sempre se prova, não vale a pena e atrás de nós virá quem de nós bons fará.

Estarão, estaremos a transformar-nos num povo de canalhas?

Olhando para o futuro e a não ser que desponte uma vaga emergente da turba dos indignados, dos precários, dos desempregados que seja capaz de varrer este lixo em que nos vamos atascando, desespero-me para encontrar sinais de sobrevivência…

Nota de rodapé e desabafo – Não cultivo nem gosto, por hábito, do pessimismo, até por atitude filosófica de vida. Mas há momentos em que essa vida nos dói, porra! E nem só o humor ou a ironia podem ou devem esgotar o nosso espírito crítico.

2 comentários:

  1. E são tempos para termos mesmo um espírito muito crítico. E atento.

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  2. Se os poemas podem ser possuídos, sempre disse de "Cântico Negro" ser o "meu" poema. E entre deuses e diabos, a vida dói é aos que por cá andam, sim. Na mouche, como sempre.

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