A questão prende-se com o que nos define.
Neste sentido, vejamos um caso
1: Z, modelo internacional famosa com uma licenciatura numa das faculdades da
Ivy League, daquelas que as mulheres invejam e os homens desejam, no seu mês de
férias, sai à rua para pôr o lixo no ecoponto de cabelo desgrenhado, nariz de
constipação, depilação de buço por fazer e roupas andrajosas. Há um transeunte,
alheio ao mundo da moda e da cultura (nos intervalos entre desfiles, ela dá
palestras sobre retórica medieval), que se cruza com ela e comenta com o amigo
com quem fala ao telefone: "eishhh, acabei de me cruzar agora com um destroço
que nem imaginas, parecia uma girafa peluda, esta nem se Anna Harendt tivesse
encarnado nela me faria virar a cabeça".
No mesmo sentido, analisemos um
caso 2: Y, comummente reconhecido como uma besta por quem lhe é próximo, por
quem lhe é distante e pelos que estão ali a meio, salva, um dia, uma criancinha
de se afogar no lago do parque da cidade onde mora. Fê-lo contrariado, porque
não queria sujar os ténis novos nem molhar os jeans, mas a "chata da velha"
(sic) que ia a passar chorou e berrou até ele ceder; ainda por cima, durante o
salvamento a criancinha vomitou-lhe o pólo que a irmã lhe dera no aniversário
(de que nem sequer tinha gostado muito) e só lhe apetecia esbofeteá-la, mas
conteve-se, porque entretanto viu um amontoado de gente, de entre os quais saiu
um homem com uma câmara e uma mulher de microfone em punho. Acabou entrevistado
para o telejornal mais visto do país e é hoje tido como um abnegado herói,
adorado pelas mulheres e imitado pelos petizes; consta-se que participará do
próximo reality show da TVI.
O que é que quero provar com estes casos
ficcionados?
Que um dos nossos actos isolados não nos define. Que uma opinião
que emitimos não diz quem somos. Que uma fase muito boa ou uma muito má da vida
não nos rotula. Que uma falha não nos condena. Que uma nota medíocre numa prova
não nos legenda.
E poderia continuar infinitamente com exemplos, se não
acreditasse que estes bastam para chegar onde quero: um jogador de futebol (ou
um político, ou um cantor ou o vizinho do lado, ou um amigo/conhecido) não pode
ser uma besta hoje e bestial amanhã, ainda que nos pareça. Provavelmente, não é
uma coisa nem outra (como todos nós): é só uma pessoa que, por mais bem cotada
que seja no exercício da sua profissão/relações (como alguns de nós), é muitas
vezes brilhante e outras falha (se bem que é bom - para ele - que brilhe mais do
que falha, sob pena de perder o emprego, algo a que também nós, comuns mortais,
estamos sujeitos).
E é justamente por isto que quando vejo, num dia, críticas
de meia noite ao indivíduo A (e muito poucos em sua defesa) e, passados uns
dias, vozes a enaltecê-lo como se fosse uma qualquer divindade que nos dá a
honra da sua presença entre nós, aproveitando para desancar os que anteriormente
o criticaram (não percebo é porque não o defenderam com a mesma garra antes de o
homem brilhar que nem estrela), não é do indivíduo A que tenho pena.
É de
quem não percebe que os seus absolutismos, sejam em que direcção forem (para
idolatrar ou para achincalhar), nunca deixarão de ser isso mesmo: absolutismos.
E o cenário agrava-se se pensarmos que o futebol ou a nossa reacção a ele, é só
uma amostra do resto da vida.
A boa notícia (porque as há quase sempre) é que
somos mais facilmente definíveis, de acordo com estas atitudes - ou má, depende
do ponto de vista.
A malta sempre disse que o Cristiano era o salvador da Pátria... mas se ontem Portugal tivesse perdido, a malta sempre disse que o Cristiano só tem é mania :O)
ResponderEliminarNão há como uma mulher para falar de bola como deve ser...
ResponderEliminar:)
Obrigada :O)
ResponderEliminarSomos assim mesmos, animais gregários que precisamos dos outros tanto para nos prolongar e fazer crescer por dentro, como dos mesmos para expiar as nossas misérias.
ResponderEliminarO bode expiatório não é mais do que um dos muitos esqueletos que habitam os fundos dos armários.
O bode e as cabras, que também expiam os nossos pecados.
EliminarE então se forem cabrões, upa upa, que é só pecados expiados, as cabras que o digam
EliminarQuem cabritos vende e cabras não tem...
Eliminar... em algum lado elas se vêm...
ResponderEliminarCom o pastor?...
Eliminar...Alemão...
ResponderEliminar"Vinde a mim as ovelhinhas"?
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