setembro 07, 2012

Em suposta Democracia, a quem pertence, de facto e de direito, o Património Nacional?

Inspirado por recentes palestras sobre o assunto em apreço a que tive oportunidade de assistir, com ilustres e ilustrados oradores, bem como observações directas no terreno, desde que me conheço, calcorreando quilómetros e quilómetros pelo rectangulozinho que nos coube em sorte, uma reflexão se me impõe que, com a vossa incomensurável condescendência, me atrevo a partilhar com quantos me quiserem ler.

De facto, o tão gloriosamente chamado Património Nacional é pertença de quem? Quem é o seu dono? Quem determina o que lhe fazer e como o utilizar?

E é suscitada a dúvida pela observação dos maus tratos, incúrias, desleixos, puros abandonos, aberrantes modificações, negociatas mais ou menos infames, que estão aí, sob o olhar de todos os que ainda queiram ver, aparentemente tudo ocorrendo perante a mais pasma pasmaceira de (quase) todos e na certa impunidade dos delapidadores.

Dir-me-ão que nem tudo é assim. E eu concordo, claro, que a objectividade é coisa linda de se ver. Mas esses serão os casos onde o que se fez foi o que seria esperado que se fizesse, para bem, afinal, de todos nós, ainda que sem a nossa participação activa o que, já por si, é uma falha grave do regime.

Não, não. Eu quero falar é dos outros incontáveis casos de mau exemplo, de delapidação e destruição de todos um património, não apenas o edificado, mas todo aquele cujas extensas ramificações determinam ou documentam o povo que somos.

Desses tais fóruns que acima refiro, colhe-se muita vez a noção de que, perante o arbítrio dos poderes e dos interesses, nos resta a esperança de que venham dias melhores… e pouco mais. Aqui e ali um apelo à participação activa das populações em defesa daquilo que é o SEU património e pouco mais.

E as populações movimentam-se? Pouco, muito pouco, diga-se. E porquê tanto desinteresse? Ora, pelo alheamento reiterado que nos vem da incultura programada, pelo erróneo conceito de que o Estado paternalista é que tem a obrigação de tratar dessas coisas. Mas também do errado conceito de que «aquilo nem é meu». Porque, afinal, é-o! 

E o tal Estado, nas mãos das seculares e imutáveis seitas, faz o que lhe dá na gana, ao sabor dos interesses do momento, que podem, até, passar pelo aconchego rectificativo de um qualquer orçamento.

Ora, eu tenho cá para mim, que Património Nacional é isso mesmo: nacional. E não  pode, a nenhum título nem em nenhum momento, estar nas mãos, muito, pouco ou nada limpas de quem, num momento dado, se alcandorou ao poder. A qualquer poder, central, autárquico, forense, castrense, ou o que seja.

Na verdade, não é suposto estarmos em período histórico de déspotas esclarecidos. Na melhor das hipóteses temos, isso sim e por infelicidade ou má escolha nossa, no exercício do poder, déspotas sim, ainda para mais muito pouco esclarecidos. E que promovem por interesses pessoais ou por mera ignorância a destruição da alma mater portuguesa. Mas é também suposto que não vivemos no tempo do Marquês do Pombal ou de D. José, mas sim em regime democrático e, se a memória não me falha, em pleno século XXI.

Mas é ver o estado dos centros históricos das nossas urbes, de cabo a rabo do país – outra vez, com algumas honrosas excepções – onde a simples descrição de desmandos, gerais ou particulares, daria origem a um interminável Livro Negro sobre a matéria, desdobrado por muitos volumes.
E depois é ver o esbracejar aflito de uns quantos que ainda pugnam, contra ventos, marés e moinhos que são gigantes, mas cujos resultados práticos – ainda que sempre de enaltecer e secundar – pouco mais serão do que pedrinha lançada ao charco imenso da desgraça e que logo se afunda, vivendo apenas enquanto o leve estremecer da ondulação provocada não embate na margem ou se perde na distância.

Vamos lá saber se não seria, também aqui e por muito que a expressão penalize o ilustríssimo mentor da desgraça Medina Carreira, de mudar de paradigma?

Que tal apenas ser possível aos tais detentores de poderes alterar uma palhinha de qualquer elemento patrimonial nacional mediante prévio debate alargado e após referendo popular – que seria local, regional ou nacional, conforme a dimensão ou o impacto da res publica em análise, como assim lhe devemos chamar?

Assim, pelo menos, talvez pudessem ouvir-se vozes esclarecidas discorrer sobre cada caso, para alargamento de conhecimento de todos, em vez das negociatas sórdidas de que vamos sabendo após factos consumados e irreversíveis.   

Ocorre-me um pensamento hediondo a propósito desta minha verdadeira angústia existencial e de cidadania perante aquilo a que vou assistindo: que faremos quando, amanhã, um qualquer senhor muito importante e com um qualquer pin nacionaleiro na lapela do casaco quiser depositar os restos mortais de toda a família Carreira no Panteão Nacional por relevantes serviços prestados a si próprios ou disponibilizar os Jerónimos para uma grande superfície comercial apenas para dar um toquezinho ao orçamento periclitante daquele ano por imperativo de uma qualquer troika?

Aqui fica esta minha inquietação, pedrinha lançada ao charco…

14 comentários:

  1. Meu não é!
    (Senão ainda arranjam forma de eu pagar algum IMI marado ou outro imposto qualquer sobre o rendimento ou a propriedade...)

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    1. Olha, acabaram de me vir comer 7% do meu património... e falta o IMI...

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    2. E não achas espantoso que um tal de presidente da República, digno de Excelência e tudo, venha previamente dizer que, agora, vão ser «os outros» a pagar, quando afinal um seu aprendiz enjoado põe no terreno mais do mesmo?

      A corja já só de lá sai à paulada, por muito que isto nos custe nesta «civilizada» e vil tristeza em que nos vamos apagando. Mas pagando, sempre!

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    3. E o PS? Quero ver o que diz o PS. "Não pode haver mais do mesmo"...

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  2. Totalmente de acordo com o amigão ORCA.
    O Património Nacional, verdadeiro repositório e testemunho físico da memória colectiva não pertence a um administrador de passagem. Não é sequer lícito qualquer negociata de ocasião às mãos mais ou menos herbáceas das sofregidões das figuras que se conhecem. Certas empresas, pela importância activa que desempenham no global da economia, deveriam estar, por lei constitucional, blindadas aos disparates dos que estão de efémera e meteórica passagem.
    A alienação idiota que nada resolveu, como rapidamente se viu, das nossas joias da coroa, deveriam até ser consideradas manobras de traição. E não me venham com teorias de merda sobre a importância da iniciativa privada em empresas como a EDP: é sempre possivel fazer aumentos de capital e meter acções no mercado, não deixando nunca uma empresa dessa importância de ser o que facto nunca deveria deixar de ter sido : património nacional.
    Só peca o post pela suavidade com que acaba.
    Já é tempo de passar da pedrada no charco à dita nos cornos de quem merece.

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    1. Também achei que o OrCa, no fim, pôs vaselina no canal.

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  3. Çerá parenti du Nelo ó coizáçim???

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  4. Bem me queria parecer de que haveria uma parentanalidade qualquer----

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  5. Vocês têm razão. À conta do estilo, perde-se a força...

    Mas estou nessa da pedrada nos cornos, claro, ou nas montras de espavento de toda esta cáfila de traidores à pátria (ou à nação que, no caso, vai dar aos mesmos).

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