setembro 24, 2012

«Solos: Agricultura, floresta, urbanização» - Jaime Ramos

Precisamos de uma lei de solos onde se estabeleça o bem social da propriedade. Com absoluto respeito pela livre iniciativa e pelo direito à propriedade temos de reconhecer que o solo é um bem finito.
Independentemente do seu uso, floresta, caça ou pastorícia, agricultura ou urbanização/construção, o solo é sempre um bem relativamente escasso, finito, limitado, que não se produz mais. A área do país não aumenta, o solo é o que há.
Um proprietário tem todo o direito de não utilizar nem rentabilizar a sua propriedade. Um proprietário pode ser absentista e desprezar a sua propriedade enquanto que outro a aproveita com o máximo de eficiência.
A lei deve reconhecer que a posse da terra dá ao proprietário o direito a dela usufruir e rentabilizar como bem entender, desde que não prejudique terceiros e respeite as regras de uso do solo. Este direito à propriedade, porque é um bem finito, desigualmente distribuído, deve estar sujeito a pagamento de imposto.
Um indivíduo proprietário de um solo com aptidão florestal pode decidir não o rentabilizar dentro do seu direito à propriedade.
O terreno abandonado aumenta o risco de incêndio. Risco de incêndio superior ao de um terreno bem florestado e adequadamente limpo.
Perante o eclodir de um incêndio no terreno abandonado ninguém defende que o Estado e a comunidade optem pelo deixar arder.
Seria inaceitável não tentar extinguir o incêndio, não só para proteger a propriedade do proprietário absentista, como também impedindo a propagação aos terrenos vizinhos. O proprietário despreza o terreno mas o Estado não pode deixar de pagar todas as estruturas necessárias ao combate dos incêndios.
É legítimo que a propriedade esteja sujeita a um imposto sobre o património calculado com base na rentabilidade potencial do solo. Aquele solo, se bem florestado e rentabilizado, pode ter uma determinada rentabilidade ano sobre o qual o proprietário diligente paga os seus impostos de rendimento. O proprietário absentista deve estar sujeito ao mesmo valor de imposto. A comunidade não tem culpa que obtenha prazer com o facto de dispor de uma propriedade que não usa.
Esse direito de ser dono de uma propriedade, que não usa nem rentabiliza, não o pode isentar de pagar imposto sobre esse património, tendo em consideração a sua potencial rentabilidade.
Estamos a falar de um bem finito de interesse nacional. Nós precisamos de produzir turismo de natureza, caça, floresta, agricultura para reduzir o nosso défice externo. A melhoria da balança externa tem de ser uma prioridade nacional.
Imagine-se por absurdo que todos os donos das terras em Portugal, de vocação agrícola ou florestal, optavam por nada produzir. Esta decisão condenaria o país e todos os residentes a uma dificuldade extra para enfrentar a balança externa, relação entre importações e exportações.
O mesmo se passa com o solo urbanizado. O proprietário de um terreno localizado em zona de construção tem o direito a não o rentabilizar mas não pode ficar isento de imposto.
A autarquia investiu em infra-estruturas e aprovou planos a classificar o solo como tendo aptidão para a construção. O Município constrói vias, ruas, assegura abastecimentos de água, esgotos e electricidade, para que se possa construir naquele terreno. Estas infra-estruturas são pagas pelos impostos de todos e não só pelos proprietários.
São os contribuintes, os munícipes que investem no terreno garantindo as infra-estruturas necessárias à futura construção, valorizando o terreno.
O proprietário passa a possuir, não um terreno florestal ou agrícola, com baixo valor, mas sim um solo valorizado, às vezes hipervalorizado.
Esta mudança de uso, assente em opções políticas muitas vezes tomadas sem critério, de forma perfeitamente discricionária, pode prejudicar uns e beneficiar outros proprietários.
Uma sociedade justa, com regras de equidade, deve assegurar que estas valorizações dos solos, decorrentes de investimentos públicos e não privados, estejam sujeitas a imposto.
O proprietário de um terreno urbanizado por uma autarquia tem o direito a não construir e a mantê-lo abandonado à espera de uma boa oportunidade. Mas este direito não o pode isentar de pagar contributo fiscal, tendo em consideração o valor real, actualizado, do património.
É verdade que se pode cair em exageros com tributações excessivas originadas por valorizações “especulativas” por parte das Finanças.
Nestes casos, sempre que a uma parcela de terreno (seja urbano, rústico, florestal ou agrícola) for atribuído um valor que o proprietário considera excessivo, este deve ter o direito a reclamar e a obrigar a reavaliação da contribuição.
Terminado o processo de reavaliação, se o Estado através das Finanças insistir em atribuir um valor que o dono considera excessivo, o Estado deve ser obrigado a adquirir o solo ou o imóvel pelo valor da avaliação final, se essa for a vontade do proprietário.
Se o Estado avalia um terreno para efeitos de cobrança de impostos tem de assumir que, como pessoa de bem, assegura que esse é o valor real.
A nossa floresta ocupa 38% do território. O restante é terreno de mato ou de agricultura.
Portugal possui mais de 400 mil proprietários florestais. 85% da floresta é privada, 13% são baldios e pouco mais de 2% pertence ao Estado. A maioria dos países europeus é dona de percentagens de áreas florestais muito superiores à nacional. Há zonas do país onde a propriedade média tem uma dimensão inferior a 500 metros quadrados. Não é erro, são metros e não hectares. Cerca de 61% da propriedade tem menos de cinco hectares, área insuficiente para uma gestão eficaz. As empresas produtoras de pasta de papel possuem cerca de 250 mil hectares ou seja 7,7% da área florestal.
Uma política florestal tem de apostar na melhoria produtiva dos povoamentos, com substituição e alteração de espécies, investir na gestão multifuncional com valorização ambiental da floresta e apoiar a modernização das empresas florestais.
A floresta pode ser um mundo de oportunidades desde o turismo de natureza, indústria do mobiliário, apicultura, silvopastorícia, caça, pesca, cortiça, pinhão, cogumelos, produção lenhosa, energia da biomassa, indústria de celulose e construção de habitação em madeira. A floresta contribui para o sequestro efectivo de carbono, fundamental à preservação ambiental, pelo que se deve estudar formas de remunerar os produtores.

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

5 comentários:

  1. olá! já pensaram em arranjar um perfil no facebook? faria os artigos mais faceis de ler e partilhar :)

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    1. Boa ideia, ó anónimo. E está feito:

      https://www.facebook.com/persuaccao

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    2. Boa, São Rosas,
      Tens que informar o Paulo Moura.

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  2. O problema da posse da terra resume-se a uma simplicidade enorme e que esbarra com esta cultura anti-natural a qual assenta na cultura da sacrossanta intocabilidade da propriedade privada. Na verdade, a única propriedade privada - de facto- é aquela muito pequena quantidade de coisas que conseguimos transportar com as nossas mãos. Todas as outras são convenções que derivam do contrato social: não roubarei se não me roubares, é um dos princípios.Não entro na tua casa, porque tu não o farás também...
    Mas o que acontece nestas alturas da História? É legítimo um proprietário omitir-se da contrapartida da propriedade e que é a responsabilidade? É legitimo transferir as responsabilidades daquela porção de terreno para os outros que não a possuem? Isso não se chama roubo?
    Pois na verdade, e de forma extensiva é o que o Neoliberalismo tem feito: toda a propriedade, nenhuma ou muito pouca responsabilidade. Nada dessas coisas de responsabilidade social de uma empresa, tese que fez escola e que é a base da social democracia. O abaixamento de impostos aos grandes empresários, às grandes fortunas etc, é precisamente o afloramento prático desta corrente ideológica. Anti-natural, pois a terra sendo finito, e não cabendo nas mãos de quem a possui, depende do contrato social. Chamaram nomes à reforma agrária? E que nome tem esta coisa?

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