Eles são assim uma espécie de ciclistas suburbanos, sem ciclovias para dar à perna, quiçá porque vivem num país onde se pensa em cada coisa por sua vez - quando se pensa - daí decorrendo que, passando algures uma estrada criada para automóveis, sempre se considerou que aí onde circula um carro há-de caber uma bicicleta.
Então, estão constrangidos a circular nas vias destinadas a todos os veículos e nelas, correm incontáveis riscos e contribuem alegre e conscientemente para o caos do trânsito sub e urbano.
Triste e inconscientemente contribuem, também, para os índices de sinistralidade.
Para algum céptico do que vou dizendo, sempre posso invocar a estrada marginal da Costa do Estoril até Lisboa onde, a partir das sete horas da manhã, apenas dois a três ciclistas conseguem o feito homérico de promover quilométricas bichas de milhares de concidadãos automobilizados, a bem da produtividade nacional e dos impostos em combustíveis a favor do Estado.
Mas têm, gritantemente, toda a legitimidade e direitos que qualquer outro circulante, tal como o Código da Estrada assim define e regulamenta e também por rigores de constitucionalidade.
E eles lá vão, equipados a rigor e de mochila às costas, onde transportam o fatinho de circunstância para o emprego que houver, dando à perna com denodo e valentia, enquanto atrás de si se formam as filas de carros, espreitando uma oportunidade – também ela legal e regulamentada, mas constrangida – para ultrapassar aqueles legítimos empatas.
Estes dignos cidadãos a duas rodas só têm contra eles uma pequena colecção de senãos: quando a alguns lhes apetece ou é mais obviamente conveniente, passam por cima da circunstância de serem, de facto e de direito, cidadãos em cumprimento das leis e é vê-los, determinados e audazes, a marimbarem-se para os sinais de trânsito em geral e os semáforos vermelhos em particular, rodando nos passeios carregados de peões em gincanas alucinadas, atravessando passadeiras em ímpetos inesperados, que o tempo urge e quem anda a pé que se cuide e amanhe.
É este o melhor dos mundos: na lei quando ela nos favorece, fora dela quando nos constrange. A impunidade está garantida, à partida, pelo estado geral de desleixo que grassa num país também sem dinheiro para pagar a agentes que assegurem serviços mínimos de civismo ou civilidade.
Restará ao peão munir-se com uma armadura para se proteger de atropelamentos, mas munir-se também de algum sarrafo adequado para praticar, quando algum despautério de um desses briosos e atléticos cidadãos o justificar, alguma «justiça popular». Se calhar, também impunemente…
Carais! Como acontece com os caracóis e as lesmas, os exemplos que nos chegam de cima deixam rasto…
Também podia fazer aqui outra metáfora mas com os donos dos cãezinhos, queridíssimos e domésticos, que pontuam as calçadas com a merda do nosso descontentamento, mas creio que a conclusão não seria muito diferente.
Pronto! É o que me está a suscitar uma análise sucinta do orçamento de estado apresentado para 2014.
Também podia fazer aqui outra metáfora mas com os donos dos cãezinhos, queridíssimos e domésticos, que pontuam as calçadas com a merda do nosso descontentamento, mas creio que a conclusão não seria muito diferente.
Pronto! É o que me está a suscitar uma análise sucinta do orçamento de estado apresentado para 2014.
Grande resumo, OrCa!
ResponderEliminar:O)
O Orca é sem dúvida um mestre.
ResponderEliminarBrilhante a passagem pelos ciclistas: mal educados e estúpidos a grande maioria. Mal educados porque não respeitando as regras de condução, não podem exigir respeito aos outros parceiros. E estúpidos porque na selva do trânsito, são eles que correm o maior risco em caso de colisão mas parecem esquecer-se disso a toda a hora. Eu que sou ciclista e adoro o ciclismo e faço por cumprir todas as regras bem me vejo a ser muitas vezes chamado de "careta" porque espero que o sinal mude de vermelho para verde. Já no carro é confrangedor vermos a quase ausência do uso dos "piscas" e quando se está à entrada de uma rotunda é terrivelmente frustrante o tentar adivinhar se o automobilista dentro da dita rotunda sai ou se continua o que não raramente conduz a iniciativas que podem acabar em acidentes. Muitos ciclistas malcriados são depois automobilistas de igual têmpera, noemadamente para com ciclistas, no fundo, é a má educação como traço perene que em todos os campos se reflete
O remate com a merda dos cãezinhos e não menos merda dos seus donos logo resumindo tudo no remate em tons de poema surreal sobre o OE é brilhante :)
Uma vénia mestre Orca.
Vénia, também, amigos.
ResponderEliminarLá está, Charlie, o grande problema, quanto a mim, é esse mesmo: os néscios que nem se apercebem que os primeiros a sofrerem danos são eles mesmos, nas rotundas, nas biciletas e nos governos.
Não sei se havia verdade no lamento desculposo do JC quando dizia: «- Perdoai-lhes, meu Pai, que eles não sabem o que fazem...», articulado com a aquela cena do «quem nunca pecou que atire a primeira pedra», mas o certo é que esta gajada sabe o que anda a fazer - a encher os bolsos - e, portanto, mereciam levar com uma lápide funerária nos cornos. E mainada!
Pode ser um jazigo, às peças?
Eliminar