novembro 25, 2015

a propósito dos 40 anos do 25 de Novembro

Peço-vos desculpa pela extensão desta entrada, com texto da autoria de Vasco Lourenço, mas julgo que a oportunidade e o seu nível de esclarecimento é do maior interesse e utilidade para quem aprecia estas coisas:

UNIDOS no ESSENCIAL

Quarenta anos após o 25 de Novembro de 1975, importa recordá-lo, como acontecimento fundamental na vida política portuguesa, nomeadamente na consolidação do projecto apresentado aos portugueses pelo MFA em 25 de Abril de 1974, mas importa também analisá-lo, procurando aproveitá-lo para perceber melhor o que se passa hoje em Portugal.
Após um período de luta e transformações intensas em Portugal, há quarenta anos estávamos à beira da guerra civil, com o risco de nos perdermos na maravilhosa aventura colectiva em que se transformara o 25 de Abril. A Revolução dos Cravos estava prestes a estoirar e, com isso, a desaparecerem todos os sonhos que se haviam alimentado.
Tendo, em 25 de Abril de 1974, avançado para o derrube da ditadura; para a resolução do problema colonial, com o consequente fim da guerra que há 13 anos mantínhamos em três longínquas colónias; para a instalação de uma democracia politica “tipo ocidental”; foi com enorme celeridade que o MFA desenvolveu a melhor e mais eficiente operação militar que alguma vez as Forças Armadas Portuguesas realizaram ou vieram a realizar.
Empurrados pelo povo português, que tomou em mãos a própria revolução – que saudades desses tempos participativos e entusiasmantes! –, aos militares coube fundamentalmente criar e garantir condições para que o Programa que apresentaram nessa maravilhosa madrugada libertadora se pudesse cumprir na totalidade.
No entanto, as ambições humanas não deram descanso ao MFA e, rapidamente, ele vê surgir no seu seio, um projecto pessoal à volta de António de Spínola, que tudo faz para subverter o projecto colectivo que estava em marcha.
Foi a tentativa de rasgar o Programa, logo no dia 25 de Abril; foi o “Golpe Palma Carlos” menos de três meses depois; foi o 28 de Setembro, com a própria auto resignação de Spínola; foi o 11 de Março de 1975…
Com todas essas tentativas falhadas, Spínola abriu sempre a porta ao chamado “salto qualitativo” à esquerda, o que ia provocando o não cumprimento de uma das promessas chaves do MFA, para que o seu Programa se concretizasse: refiro-me às eleições para a Assembleia Constituinte, base da democratização do Pais, objectivo primeiro dos Capitães de Abril.
Eleita a Assembleia Constituinte, nas eleições mais livres e participadas que alguma vez se fizeram em Portugal, ao MFA cabia, então, garantir as condições para que a mesma aprovasse, de forma livre e autónoma a Constituição da República Portuguesa.
A aceleração provocada pela dinâmica criada pelas sucessivas derrotas das tentativas de quem nunca aceitou um 25 de Abril libertador, criou, no entanto, movimentos e esperanças ilegítimas na sociedade portuguesa, com inevitáveis reflexos no interior do MFA.
Foi o tempo das várias vanguardas revolucionárias que, procurando imitar exemplos noutros países, se desenvolviam, preconizavam a substituição da revolução democrática que o MFA iniciara em 25 de Abril por outras revoluções mais ou menos na moda, nesses tempos de então.
Em consequência, o MFA dividiu-se em facções, cada uma procurando defender o seu projecto.
Serei suspeito nas opiniões que tenho: são as minhas, é lógico que as defenda!
Pessoalmente, continuo a considerar que a legitimidade revolucionária pertenceu sempre aos capitães de Abril que se bateram pela concretização das promessas apresentadas no seu Programa do MFA.
A partir de determinado momento, tiveram atrás de si todos os que, não concordando com o 25 de Abril libertador, não tinham coragem nem condições para impor o regresso ao “antes do 25 de Abril” ou, no mínimo, impor uma “democracia musculada”? É um facto, mas é isso que sempre acontece em todos os lugares e com todas as sociedades! Tacticamente, todos e cada um, procuram alianças para, não conseguido atingir os objectivos que pretendem, manterem as condições que lhes permitam chegar a esses objectivos, num futuro que pretendem o mais próximo possível.
Não vou aqui descrever em pormenor o que foram os tempos do PREC, Processo Revolucionário em Curso. Os enormes problemas existentes, os exageros cometidos, as divisões verificadas, as utopias perseguidas…
O facto é que tudo isso se “resolveu” com o 25 de Novembro de 1975.
25 de Novembro, que para uns é o fim do 25 de Abril, para outros , o retornar a essa data mágica da História de Portugal, repondo o verdadeiro espirito democrático e libertador. Para uns, um golpe da direita feito de provocações à esquerda revolucionária, que é atirada borda fora do processo revolucionário, para outros, uma tentativa de golpe dos esquerdistas, mais ou menos acompanhados pelos comunistas, a que se segue uma resposta firme e decidida das forças democráticas que repõem o comboio do 25 de Abril nos seus próprios carris.
Em suma, poderemos perguntar quantos 25 de Novembro existiram? Provavelmente, tal como no 28 de Setembro e no 11 de Março, também aqui cada um terá o seu. Pois, se até o 25 de Abril, apesar de inclusivo, é olhado de formas diferentes, por uns e por outros!
Quarenta anos passados, continua a ser polémica a leitura que se faz daqueles tempos tão conturbados, tão controversos, mas tão ricos e profundos.
Como um dos que neles se envolveram, um dos responsáveis por muitas decisões então assumidas, passados estes anos, confesso não me sentir arrependido de ter lutado pelos meus ideais, de ter contribuído para construir uma sociedade diferente. Apesar de alguns erros cometidos, apesar de muitas desilusões que, de então para cá, tenho enfrentado, apesar de algumas traições que então sofri e de que só mais tarde vim a tomar conhecimento, continuo a considerar que valeu a pena. Valeu a pena lutar por um país democrático, livre e aberto ao mundo e à modernidade. Um País onde o medo, a repressão, a guerra, o atraso e o analfabetismo não estivessem permanentemente presentes no seu povo.
Nem tudo foi conseguido, nem todo o mal foi erradicado, mas não tenho dúvidas de que vivemos muito melhor do que antes do 25 de Abril.
Mesmo, apesar de nos últimos anos termos vindo a assistir à destruição de quase tudo o que se conseguiu conquistar com Abril, temos ainda a liberdade conquistada que nos permite lutar contra as novas forças da reacção, os novos fascistas, as novas “maiorias silenciosas“, que querem voltar ao 24 de Abril!
Por isso, apesar de o 25 de Novembro continuar a ser uma data, um acontecimento, fracturante, temos de ser capazes de o olhar com novos olhos, para podermos dele tirar as lições que nos permitam enfrentar as novas lutas em que estamos envolvidos.
A História repete-se, afirma-se permanentemente. É uma afirmação que se ouve repetidamente, também no que à História de Portugal diz respeito.
Pessoalmente, comparando o 5 de Outubro com o 25 de Abril, considero que o 25 de Novembro é a data que faltou ao 5 de Outubro.
Isto, porque penso que se durante a 1ª República tivesse ocorrido um acontecimento como o 25 de Novembro, de que resultasse o fim da “bagunça” e da indisciplina nos quartéis, a transferência da discussão política dos quarteis, para um órgão de soberania especial, formado por militares, com a institucionalização de um período de transição durante o qual esse órgão tivesse poderes específicos e fosse o garante da consolidação democrática, talvez a 1ª República não tivesse terminado em 28 de Maio de 1926.
O 25 de Novembro será, porventura, a razão pela qual o regime implantado pelo 25 de Abril ultrapassou há muito o dobro da vida do regime iniciado em 5 de Outubro de 1910.
Em 25 de Novembro de 1975 estivemos à beira da guerra civil.
Como um dos principais protagonistas, por muitas dúvidas que possa manter, de uma coisa tenho a certeza: não aconteceu o pior.
Isto, apesar de, tal como nos outros pontos culminantes do processo revolucionário, também aqui ter havido quem, sem razões plausíveis, tenha sido injustamente mal tratado. Como costumo dizer a alguns amigos que o sofreram, a nossa virtude está em não termos assumido atitudes extremas. E o facto é que todos nós, mais cedo ou mais tarde, acabámos por sofrer injustiças e maus tratos.
Mas, para conseguir compreender o que se está passando neste momento em Portugal, impõe-se perguntar: quem venceu e quem perdeu?
Também aqui haverá mais que uma leitura: liminarmente dir-se-á que venceram os moderados, o Grupo dos Nove, e que perderam os radicais, os esquerdistas e os comunistas.
É assim tão simples?
Desde logo, há quem afirme que os comunistas venceram, pois anularam os esquerdistas e mantiveram-se na esfera do poder, não tendo sido ilegalizados.
Naquela altura os moderados foram vistos como um grupo homogéneo e declarados vencedores. Eram eles que defendiam a aprovação da Constituição da República, a entrega do poder à sociedade, a consolidação do Estado democrático e de direito.
Foi isso que se consumou, foi isso que ficou para a História.
No entanto, se analisarmos melhor, constataremos que esse grupo de vencedores era constituído, na essência, por dois grupos: o maioritário, o Grupo dos Nove que mantinha a legitimidade revolucionária do Movimento dos Capitães e se manteve fiel, cumprindo todas as suas promessas, ao Programa do MFA; outro, minoritário, o grupo saudosista do 24 de Abril, que se acobertou atrás do Grupo dos Nove, que teve mesmo algum protagonismo operacional, mas que foi vencido no seu objectivo de querer “ sangue, muito sangue”, com a ilegalização, no mínimo, dos comunistas.
Juntamente com Costa Gomes, Melo Antunes, Ramalho Eanes, Vitor Alves, Franco Charais, Pezarat Correia, Vitor Crespo, Costa Neves, Sousa e Castro, Marques Júnior e outros, fui um dos principais protagonistas dessa luta, que esteve na base da consagração inequívoca de uma democracia representativa, mas uma democracia assente na plena igualdade de direitos e deveres dos cidadãos e dos seus representantes, nos termos da Constituição da República, que viria a ser aprovada, na sequência do 25 de Novembro.
Nestes quarenta anos, estes vencedores/vencidos nunca desistiram dos seus desígnios e, temos de convir, muitos deles têm vindo a conseguir concretizá-los.
E, chegado ao fim do seu segundo mandato o actual Presidente da República, desmascara-se plenamente: depois do episódio da promoção a general do coronel Jaime Neves, “palhaçada” que indignificou as Forças Armadas e constituiu uma ofensa aos militares de Abril e ao Portugal democrático, estamos agora, passados mais de quarenta e um anos, a assistir à condecoração com a Ordem da Torre e Espada, de militares por acções desenvolvidas na Guerra Colonial. Algumas, em termos militares, até serão merecidas e se justificarão, mas, agora, tantos anos passados, que ideias estarão por detrás de quem assim procede? Justificar a guerra colonial? Aqui fica um alerta, pois os bastidores dizem-nos que se preparam condecorações que “nem ao Estado-maior lembrava” (para usar a linguagem militar).
Esses vencedores/vencidos têm vindo a recuperar e tentam, de facto, ser os verdadeiros vencedores do 25 de Novembro.
Impedidos, em 1975, de ilegalizarem o PCP, de liquidarem os seus dirigentes e partidários mais activos, ou, no mínimo colocá-lo “sob vigilância apertada”, tentam agora, através do Presidente da República, riscá-los dos partidos com direito a participarem na solução governativa do Pais. “Decretando” que podem concorrer às eleições, podem eleger deputados, mas não podem pertencer ao “arco da governação”.
Não tenhamos dúvidas: se em 25 de Novembro de 1975 se conseguiu parar o aventureirismo esquerdista e as ambições de um socialismo científico, conseguiu-se igualmente parar a tentativa da extrema-direita, de regresso ao 24 de Abril, e a da direita, de implantação de uma democracia musculada.
É esse o enorme valor, a enorme relevância que teve o 25 de Novembro, é essa a razão de continuar a sentir-me orgulhoso de ter sido um dos principais responsáveis pela solução vencedora.
E é também por isso que continuo na luta para impedir que esse grupo de vencedores/vencidos, apesar do apoio estrangeiro que possui, apesar das armas que tem, apesar dos ventos favoráveis que o neo liberalismo financeiro especulativo lhe proporciona, consiga transformar a derrota sofrida há 40 anos numa vitória para os dias de hoje.
Houve um dia um amigo que me contestou, “tendo você estado dum lado da barricada e os comunistas doutro, no 25 de Novembro, como é possível, agora, fundar a Associação 25 de Abril e estar lado a lado com eles?”
Respondi-lhe então “No 25 de Abril, nós estávamos dum lado, os fascistas estavam do outro. Você já fez um governo com o CDS, onde estão os fascistas (sim, porque eles não desapareceram de um dia para o outro…). Para mim, a barreira do 25 de Abril continua a sobrepor-se, a ser mais importante que a barreira do 25 de Novembro!”
E é isso que continuo a pensar…
Por isso, me sinto mais realizado, cada dia que passa, como responsável maior de uma associação onde convive a enorme maioria dos militares de Abril.
É de facto reconfortante sermos capazes de ultrapassar divergências, sermos capazes de colocar de lado factores menores que nos poderiam dividir e separar e, apesar de adversários em momentos difíceis e conturbados, sermos capazes de nos unirmos à volta do essencial, para continuarmos a luta iniciada em 25 de Abril, por um Portugal mais livre, mais democrático, mais justo, mais fraterno e em paz.

Lisboa, 25 de Novembro de 2015

Vasco Lourenço

2 comentários:

  1. Absolutamente verdade e apenas não entrámos em guerra civil, por o que se chama, uma unha negra.
    Não havia a sede de poder entre os militares, e a única veia altérea de nota era a jugular de alguns operacionais, cuja noção de poder se limitava a operações militares bem sucedidas.
    Foi por isso, - e eu que sou militar de Abril posso dizê.lo com propriedade conhecimento-, uma grande frustração para os serviços da CIA que apostaram num derrube violento do regime saído da Revolução dos Cravos para voltar a instalar o tal eufemismo a que chamam de "regimes moderados" por mais sangüinários e ditatoriais que estes se possam revelar.
    Contudo, sabe-se hoje que a operação que teve Frank Carlucci como rosto visível, custou na época uma bagatela situada entre os dez e os quinze milhões de contos. Qualquer coisa como cinquenta e tal milhões de euros, os quais acertados à inflação dos tempos de hoje daria uns mil e quinhentos milhões de Euros.
    Os canais foram a contra informação, o mascaramento das ligações entre as linhas de comando, tudo com o objectivo da desorganização e a provocação de um confronto armado. Por outro lado, e lamentavelmente mais uma vez, a Igreja cumpriu a sua parte no envenenamento das populações, empolando factos, propagando outros totalmente falsos, e incitando ao confronto civil. Sedes queimadas, gente perseguida, pessoas ligadas à esquerda abatidas e uma sucessão de bombas por todo o país.
    Foi uma acção concertada, orquestrada de fora, que não tendo corrido como eles queriam teve o resultado de travar a fundo o processo em curso. Um prémio de consolação.
    Mas como disse ontem um dos comandantes intervenientes:
    "Não queriam a Banca Privada? Pois muitos desses que nos derrubaram por querermos a Banca Pública, são hoje os que gritam e choram o que perderam no BES, BPN etc....
    Probemas deles, digo eu agora, mas apesar disso,e sabendo que eles jamais tiveram nem teriam esta atitude para comigo, eu estou do lado deles.....".

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    1. Também ouvi ontem esse militar... Uma liçãozita de grandeza de princípios, se virmos bem.

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