novembro 16, 2015

Um caso (elementar) de desonestidade intelectual

Declaração de interesse: sou um espectador atento e interessado do Governo Sombra.

Democraticamente, de um João Miguel Tavares (JMT) ouço atentamente o argumentário elaborado e bem arquitectado, ainda que errático e com frequência inconsistente. E isto é digno de registo apenas porque a personagem não é um humorista, como o Ricardo Araújo Pereira (RAP), mas um dos incontáveis opinion makers (que melhor seria chamar-lhes opinion shakers), em que, muito, muito, modestamente até eu me incluo, que mais não seja neste recanto opinativo que partilho, com gosto e com gozo, do blog Persuacção.

Ora, um comentário político não é mera pilhéria. É coisa para levar a sério, mesmo quando emitida com boa disposição em redor…

Vem isto ao caso de que, na sua mais recente emissão, e a propósito da crítica jocosa e inteligente que RAP fazia ao «desafio» alienígena de Passos Coelho para uma abstrusa revisão constitucional, JMT contrapôs – subliminarmente, é certo, mas com insistência, por três ou quatro vezes, ou seja, deliberadamente e com vontade de marcar presença – à argumentação crítica de RAP o «facto» de também Vasco Lourenço ter proposto uma revisão constitucional, esta para a possível destituição do Presidente da República.

A insistência de JMT, por demais óbvia, levou até RAP a referi-la, expressamente, por se ter sentido coagido a comparar ambas as propostas em pé de igualdade, em termos de disparate.

Ora, o que Vasco Lourenço disse sobre a proposta de Passos Coelho foi e cito:

Naquilo que considero uma tentativa de levantamento popular da chamada “maioria silenciosa”, vem agora Passos Coelho propor uma revisão da Constituição da República, oportunista e casuística, para abrir a hipótese de dissolução da AR e de convocação de novas eleições.
Como qualquer constitucionalista honesto explica liminarmente, tal hipótese é totalmente impossível e impraticável.
O que torna o simples levantamento dessa hipótese numa provocação desesperada e sem sentido.
Mas se, por absurdo, o golpe frutificar, sugiro e desafio tais personagens que aproveitem para incluir na Constituição uma norma que permita a destituição do PR. Solução que poderá passar pela convocação de um referendo, sob proposta de um número mínimo de eleitores (15.000, para imitar o máximo admitido para uma candidatura a PR ) - fim de citação e os sublinhados são meus. Só a um lobotomizado poderá escapar a ironia, ainda que agreste.
Como tenho a ideia de que JMT, para além de escrever, sabe ler, a sua descontextualização daquilo que foi escrito por Vasco Lourenço, esgrimido depois como disparate do mesmo calibre do de Passos Coelho é um caso de elementar desonestidade intelectual.

Agravado pelo facto de ter obrigado – é o termo – o seu companheiro de painel a assumir uma posição errada, em programa de grande audiência.

Espero que Ricardo Araújo Pereira lhe ferre a canelada devida em futuro programa, tão-só por uma razão elementar: - a ética! Para além de elementares regras de convívio.

Não falando em minudências do tipo do direito ao bom nome e da reputação, ainda que, sobre direitos constitucionais, já saibamos que é matéria em que a direita tem tendência a despistar-se um pouco.

Já agora, um ligeiro comentário mais: mesmo que houvesse um pingo de verdade no que JMT disse – o que não é o caso, como resulta claro –, subsiste uma ligeiríssima diferença entre os cidadãos envolvidos: um é o presidente de uma associação cívica e cultural emitindo uma opinião; o outro é só o primeiro-ministro de Portugal, ainda que em perturbações de identidade, a pretender mudar o curso do País.  Os pesos relativos não podem ser, honestamente, comparados em pé de igualdade.

Conclua-se, enfim, que até para se fazer uma pilhéria é conveniente ter arte, jeito e, muito convenientemente, elegância… o que não foi, manifestamente, o caso de JMT.

2 comentários:

  1. Também vi e ouvi isso. Não teve piadinha nenhuma, não senhor...

    ResponderEliminar
  2. Quem é que no pleno uso das suas faculdades mentais pode dizer de forma honesta que leva Barabás, digo Passos Coelho a sério?

    ResponderEliminar