Depois de mais uma visita aos
vales e montes que me viram nascer, para cumprir mais um dever com os que já
partiram, o regresso é sempre uma hora e meia de reflexão sobre o visto, o
ouvido e o pensado. Pensámos neles e agradecemos-lhes o muito que nos deram.
Por outro lado, o ouvido começou a rodopiar na mente, levando a refletir sobre
o bem haja muito ouvido na minha
aldeia e raramente o obrigado.
Veio-me ao vórtice do pensamento a frase várias vezes dita perante um obrigado: ‘Eu não fui obrigado; fiz isso
porque quis’, sugerindo o menosprezo desta forma de agradecimento e até que
poderá ser indelicada. Ora nada é menos verdade do que isso.
Na verdade, em bom português,
deve dizer-se obrigado ou obrigada, segundo a pessoa que agradece,
incluindo as formas plurais, e não aquele ou aquela a quem se dirige. E a
explicação é simples: Obrigado é a
forma de agradecimento mais compromissiva, a mais profunda, que cria um vínculo
com quem nos fez o favor.
S. Tomás de Aquino elabora, no
ato de agradecer, 3 níveis distintos, do mais superficial para o mais profundo.
As línguas que melhor conhecemos dão conta desses 3 níveis.
No primeiro deles encontramos o simples
ato de reconhecer que alguém nos fez um favor. Para reconhecer é necessário
pensar, razão por que, no inglês, se usa a forma thank, etimologicamente evoluída de think (pensar) e o alemão danke,
também verbo evoluído de denken. Agradecer, neste caso, é
reconhecer e pensar em alguém que nos fez o bem.
No nível intermédio temos o
desejo de querer bem ao outro que nos fez o favor. Usam estas formas línguas
como o castelhano gracias, o francês merci, o italiano grazie
ou o português bem haja. Independentemente
das intenções que queremos colocar no ato de agradecer, linguisticamente não
estamos a dizer mais do que ‘Desejo que alguém o/a favoreça com coisas boas (as graças, as mercês, o bem). A
forma portuguesa é bem explícita ao usar o conjuntivo presente do verbo ‘haver’
com sentido de’ ter’ e com valor desiderativo: ‘Que tenha bem’.
No nível mais profundo e mais
envolvente da gratidão só conheço uma língua que o verbaliza: o português. Quando
dizemos obrigado, na realidade
estamos a vincular-nos com uma dívida que fica. No livro do deve e do haver,
temos um saldo negativo, uma dívida de gratidão que não precisa de entrar na
economia do ‘fazes agora e eu pago-te depois’, pois tão simplesmente a palavra (muito) obrigado é o sinal do reconhecimento pelo favor, o desejo do bem e
o garante do compromisso. A forma bem
haja, por muito que nos custe, não é tão rica quanto a forma obrigado, apesar do casticismo que
acarreta e do sentido de profundo respeito que nós, os beirões, lhe queiramos
associar.
Ao nível da pragmática,
observamos que é muito frequente aquele menosprezo de que falei, porque alguns falantes
distraídos usam obrigado quase como
uma simples interjeição, sem as concordâncias e esvaziando-o de sentido (como o
inglês thanks), e a existência de uma
frase como bem haja/hajam parece-nos
ser mais sentida. Um dia poderá ser assim, mas ainda não o é. Por isso, muito
obrigado!
Sim, pensar e reconhecer, fica na memória, Danke e denke, obrigado e penso
ResponderEliminarContinuo na minha: "obrigado" dá a entender que "fico forçado a retribuir". "Bem haja" pode ter essa leitura de "desejo-lhe tudo de bom mas não quero saber"... mas não deve. Eu digo - e interpreto quando o leio ou ouço de alguém - como inclusivo: "Bem haja por tudo... e da minha parte também".
ResponderEliminarSó há uma coisa que me faz urticária: o hífen que a «tradição» (agora na moda) obriga a pôr entre "bem" e "haja". Recuso-me a isso. Torna a frase artificial.
Bem hajas!
Por isso é que eu associo aquela visão da pragmática, onde cada vez mais se ouvem senhoras a dizer 'obrigado', homens a dizer 'obrigadinha' e duas pessoas a agradecerem no singular. isto é, estamos a caminhar para uma gramaticalização da forma. Por isso é que eu também adoro ouvir 'bem hajas' porque a conheço e sou beirão... e a emprenho de outro sentido que não o original.
ResponderEliminarJá o mesmo se não dirá do «então, ó brigadeiro», assim como quem goza com a tropa. Mas o «obrigadinho» também fica ali algures entre o tem-te-e-não-caias... Por vezes, até parece ser dito por frete, não é?
ResponderEliminarBoa análise, caro Antonino. Chapelada, vénia e muito obrigado. E um grande bem hajas, naturalmente.
Já o mesmo se não dirá do «então, ó brigadeiro», assim como quem goza com a tropa. Mas o «obrigadinho» também fica ali algures entre o tem-te-e-não-caias... Por vezes, até parece ser dito por frete, não é?
ResponderEliminarBoa análise, caro Antonino. Chapelada, vénia e muito obrigado. E um grande bem hajas, naturalmente.