Olá, meu Pai
Já há tantos anos que eu não lhe escrevia... e sabe bem as saudades que tenho de si.
Desde os meus tempos de escola primária, em Caria, tentei sempre evitar envolver-me em assuntos de política, recordando-me da frase que tantas vezes me repetiu:
"Se te perguntarem qual é o teu partido, responde: «a minha política é a política do trabalho»."
E isto foi antes do 25 de Abril, quando por vezes o via sair de casa para ir avisar pessoas de Caria, que eram da oposição (eu sabia lá o que isso queria dizer), para se esconderem, pois a PIDE andava à procura delas.
Lembro-me também de uma vez me mostrar uma tampa de água de Vidago, que tinha a sigla "VMPS" (Vidago, Melgaço e Pedras Salgadas) e dizer-me em surdina, com muitas recomendações para eu não dizer a ninguém, o que significava aquela sigla: "Vamos mandar prender Salazar".
Quando foi o 25 de Abril, lembro-me tão bem do meu Pai, que foi durante anos presidente da Junta de Freguesia, ter tido problemas graves com pessoas que o rotularam de fascista. A sua úlcera apareceu nessa altura...
Lembra-se de eu lhe ter contado a minha primeira experiência pessoal de democracia? Foi no liceu da Covilhã, em 1975, num dia em que o professor de Educação Física faltou. Como estávamos equipados, decidimos ir jogar futebol. Um dos meus colegas, gordinho, ofereceu-se para uma baliza... mas não havia nenhum voluntário para a outra. Um dos meus colegas teve uma ideia genial: "Fazemos uma votação". Todos concordaram e ele perguntou de imediato: "Quem vota no Paulo Moura para a baliza?" e todos puseram o braço no ar... eu incluído, que lhes fiz um manguito e fui para o balneário mudar de roupa.
Desde então, "a minha política tem sido a política do trabalho".
Mas ontem, meu Pai, participei numa reunião preparatória de um movimento político (notícia aqui e aqui). Fui convidado a estar presente pelo Dr. Jaime Ramos, pessoa que eu admiro e que lidera este projecto.
Não fiz qualquer intervenção - muita gente o fez, uns com muito conteúdo, outros com dotes de oratória mas pouco sumo e uns poucos que nem uma coisa nem outra - pois em primeiro lugar quero compreender do que se trata. Anotei os tópicos do que lá foi dito e, mesmo relendo-os, confesso que não compreendi algumas coisas:
Trata-se de um movimento regional (da região Centro)?
Espero que seja apenas pela sua origem e não pelo seu destino.
Pretende-se criar um partido político?
Se for o caso, pernas para que vos quero...
Quer-se (como defendeu o Professor Amadeu Carvalho Homem) "a salvação da Pátria"?
Esta visão sempre foi, para mim, extremamente redutora. Gosto de me ver como cidadão do Mundo e não consigo defender o que é Nacional quando vejo algo que não é Nacional e é melhor.
Entretanto, meu Pai, este movimento pugna por valores e defende causas que me dizem muito, como o Humanismo, a integridade na gestão da Coisa Pública, voltar a confiar na Justiça, a defesa da agricultura, da pesca e da indústria...
Como disse o Professor Carlos Sá Furtado, o movimento precisa de definir meios, métodos e formas. Mas também é preciso, como alertou João Paulo Pinto Mendes, que o movimento defina a sua matriz ideológica. E isso irá criar divergências, é mais que certo.
O Dr. Jaime Ramos irá organizar um plenário, dentro de 2 a 3 meses. O objectivo será concretizar algumas propostas. E propôs, como primeira causa a defender e assunto a debater, a natalidade, "assunto em que os políticos estão a zero".
Entretanto, meu Pai, esteja descansado. A minha política continuará a ser a política do trabalho.
Um abraço que a morte não rompe, do seu filho
Paulo
Olá
ResponderEliminarSaudações ao autor dos teus dias,
Depois, o meu pai também foi presidente de junta de freguesia e ele que foi sempre de esquerda, declarada e comprometidamente, foi chamado também de fascista, precisamente pelos que queriam aproveitar-se da confusão para- à boleia dos conhecimentos pessoais-, se encherem à tripa forra....Onde há movimento há oportunismo e falta de vergonha...
Diz lá ao J. Ramos o que eu penso sobre os projectos: quando vejo gente a sobre-por-se a eles em vez de os servir, mal começa a coisa, mas que é preciso fazer algo para secar este charco mal cheiroso, lá isso é. E por isso, desde já urge a limpeza antes que o cheiro circundante contamine logo na fonte a pureza do ideal.
O Dr. Jaime Ramos, tenho a certeza, tem plena consciência disso.
EliminarGostei de ler a tua cartinha ternurenta!
ResponderEliminarSubscrevo o que disseste relativamente aos valores e causas e também às dúvidas.
Que bom teres gostado, Lenita.
EliminarOlha: se a minha vizinha gostou, eu também gostei.
Eliminarmas nós os dois não discutimos política-porque somos muito amigos...
A tua politica é o trabalho? Pois minha nem isso.Sou reformado!!!!
Rafaelito, entendo o que dizes sobre a política e a amizade mas isto para mim é como o futebol: assumo uma posição o mais objectiva possível, sem defesas incondicionais de um clube e muito menos alergia a outros. Pode alguém ficar incomodado comigo... mas eu nunca fico assim. A não ser que a conversa descambe para a ofensa pessoal, mas aí já não se trata de política.
EliminarGostei Paulo!
ResponderEliminarFixe ;O)
EliminarJá há algo na net acerca desse movimento em embrião, para além do que referiste?
ResponderEliminarAinda não, Shark. Ontem foi mesmo uma reunião preparatória. Vai ser criada em breve uma página no Facebook. Mas há um documento feito pelo Dr. Jaime Ramos que posso transcrever aqui, para tu teres uma ideia do convite/desafio que ele fez:
Eliminar"Ideais do Centro
Discutir ideias, afrontar poderes, mudar o regime, salvar a democracia.
Caro/a Amigo/a
Portugal alienou soberania para ter acesso a empréstimos internacionais…
As desigualdades sociais agravam-se com crescente injustiça e risco de pobreza…
O capital assegura lucros e os trabalhadores perdem poder de compra…
As elites revelam-se moralmente indigentes adquirindo , sem esforço, rápidas formações académicas, ou traficando influencias para enriquecimento acelerado…
O sistema de ensino garante a estratificação social, impedindo a mobilidade e a ascensão dos desfavorecidos..
Somos crescentemente um país de velhos, incapaz de apoiar as famílias e gerar crianças …
A Justiça assemelha-se a jogo de roleta onde os donos do casino ganham sempre…
O território nacional desertifica-se, com a população concentrada numa pequena faixa de litoral circundante de algumas cidades..
Cresce a insegurança e o medo perante uma criminalidade mais frequente e violenta…
A comunicação social garante um pensamento único, assente em poderes económicos que controlam a liberdade de informação…
A democracia esta capturada por aparelhos partidários, do poder e da oposição, feitores dos interesses financeiros…
Coimbra, capital do Centro, berço da Lusofonia, deve usar o seu prestigio e massa critica para gerar um Movimento Cívico de mudança do regime.
Não serão os extremos, de direita ou esquerda, que poderão salvar e melhorar a democracia.
As ideologias coladas aos partidos estão gastas por promessas incumpridas, e cedências desonrosas, que contrariam sucessivos compromissos eleitorais.
O futuro de Portugal exige o respeito por valores e princípios que se assumam acima das táticas e estratégias de grupos económicos ou partidários.
Venho convidar a participar num encontro (segunda-feira, dia 23/7, pelas 21h no Hotel D. Luis, Coimbra) para se analisar a possibilidade de criar um Movimento Cívico que assuma um conjunto de Ideais do Centro.
Discutir ideias, para que não se fique pelo pensamento único, que recusa alternativas…
Afrontar poderes para que não seja meia dúzia a impor o nosso futuro…
Mudar o regime para que se restabeleça a dignidade nacional e se restitua a soberania ao povo
Salvar a democracia porque as crises económicas e morais podem fabricar ditaduras.
Não se sinta obrigado a comparecer só por ter recebido este convite.
Se tiver disponibilidade para lutar por ideais e acreditar que podemos contribuir para mudar o País, para melhor, então não falte.
Pode mesmo levar um amigo.
Por questões de logística do local responda-me. Preciso de saber quem vai. Obrigado
Até segunda. Abraço
Jaime Ramos"
Este texto e a sua história fazem-me lembrar o meu pai. Agricultor simples com a 4ª classe que, quando o 25 de Abril aconteceu, não alterou uma vírgula ao seu modo de vida, a não ser criticar o aumento do preço da gasolina normal (que a sua Taunus 17M consumia de goela aberta), do bacalhau e do açúcar. Mas, durante o PREC, ele assumiu uma postura extraordinária. Ele nunca me confessou o seu partido(desconfio hoje que ele era do PPD, pois no dia 4 de dezembro de 1980 fez luto por Sá Carneiro), mas a verdade é que se havia comício na escola primária do CDS ou PPD ou PDC ele aparecia com um autocolante do MDP-CDE na lapela do casaco; se o comício era do PS, do PCP e outros mais à esquerda, era certo que lá estava ele com o emblema do CDS a espreitar. Isso hoje faz-me sorrir e admirar a sua personalidade; no entanto, num domingo de eleições, de 1976, lembro-me também de o ver a fugir de um grupo de mulheres vizinhas, todas do CDS, que o queriam despir, porque ele trazia uma camisola na qual tinha desenhado o emblema do MDP-CDE, num dia em que, era certo e sabido, o PPD teria 80% e os restantes votos seriam do CDS, nenhum para o MDP-CDE. Valeu-lhe o abrigo do padre na sacristia, que estava a terminar a missa e lhe abriu a porta.
ResponderEliminarIsto pode parecer picaresco, mas a verdade é que sinto inveja desta 'frontalidade' esquisita que ele tinha perante o 'status quo', que tinha coisas dadas como certas e adquiridas.
É bom relembrar estas coisas dos nossos Pais, não é?
EliminarO meu Pai, ao contrário do teu, nunca se queixava do aumento do preço da gasolina. Quando alguém se lamentava disso, ele respondia, com uma calma que irritava: "Eu não sinto o aumento da gasolina. Meto sempre 100 escudos"
Preço de um litro de gasolina há quarenta anos (1973) - 0,037 €
Antonino, autorizas-me a publicar este teu texto num post autónomo?
Claro, dispõe.
EliminarFixe ;O)
EliminarFora com o jaime ramos para correr bem.
ResponderEliminarTonito.
Tonito, um dia destes vamos ter que beber um fino no Samambaia...
EliminarSeguindo daqui do fundo com curiosidade. À partida, tudo o que se movimente pela cidadania e pelo humanismo começa logo a despertar-me interesse...
ResponderEliminarE espero que se movimente no sentido certo... e nesse caso conto contigo... e convosco...
EliminarPois isto promete e gosto do embrião.
ResponderEliminarMas nunca esqueçamos que um caminho novo é sempre traçado por entre as silvas e escolhos e nunca seguindo pela facilidade das estradas já abertas e cujos donos cobram portagens.
Normalmente, para que as coisas andem, aparece inevitavelmente a "necessidade de finaciamento", uma estrada com dono. A necessidade de "gente credível e influente" ou seja, outra estradinha devidamente chancelada por quem dono dela se intitula e que por essa via, mais tarde ou mais cedo cobra. A inflexão que os projectos sofrem por via disto acabam por contaminar e desvirtuar, transformando na prática o que se quer combater em "donos" do projecto.
A iniciativa do dr J. Ramos, é excelente e começa muito bem: para que as coisas andem deveras, é preciso DAR e nunca, mas nunca seja a que título for, COBRAR, nem ceder às vozes que agitam a facilidade de um avanço formidável em troca da penhora da alma, sabemos que o Diabo ganha sempre, por mais linda a paisagem apresentada na altura do negócio...
E quem se dá a um projecto, não deve pedir nem dar mais do que essa noção de dádiva e entrega e isso implica um corte com o "modus faciendi" recorrente e transversal à nossa fauna política.
Esta ideia tem o sabor bom do "começar de novo, vai valer a pena" da Simone
Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido
Ter me rebelado, ter me debatido
Ter me machucado, ter sobrevivido
Ter virado a mesa, ter me conhecido
Ter virado o barco, ter me socorrido
Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido
Sem as tuas garras, sempre tão seguras
Sem o teu fantasma, sem tua moldura
Sem tuas escoras, sem o teu domínio
Sem tuas esporas, sem o teu fascínio
Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido
Sem as tuas garras, sempre tão seguras
Sem o teu fantasma, sem tua moldura
Sem tuas escoras, sem o teu domínio
Sem tuas esporas, sem o teu fascínio
Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena já ter te esquecido
O caminho faz-se caminhando, certo?
EliminarCerto!
EliminarSer contra-poder é ser:
ResponderEliminar...Sem as tuas garras, sempre tão seguras
Sem o teu fantasma, sem tua moldura
Sem tuas escoras, sem o teu domínio...
Contra-poder soa-me a estorvo...
EliminarPrefiro "o poder a contar connosco" (com a nossa vigilância, os nossos alertas, as nossas propostas e, se necessário, as nossas implementações).
Tirada infeliz da minha parte, o que queria mesmo dizer era sobre a premência de romper com esta forma de estar onde se muda qualquer coisita para que tudo continue na mesma. Ou seja, que é preciso mudar mais do que as moscas, como muito bem sintetiza Jaime Ramos no livro que amplamente tens vindo a divulgar
EliminarEu sabia que tinha sido um lapsus teclae :O)
EliminarO meu pai também abraçava essa política do trabalho e tentou converter-me à causa, mas eu acabei por ir para a oposição...
ResponderEliminar:)
Como se diz na minha terra, não há pai para ti :O)
EliminarAcho que a política do trabalho é a única fonte de onde tudo brota.
ResponderEliminarTrabalho não precisa de rimar com suor e dores nas costas e deve-se aliás ao ócio a grande maioria das grandes invenções destinadas a trabalhar menos, mas trabalhar melhor. Como se costuma dizer, fartamo-nos de trabalhar para poder descansar depois, mas a chatice é que esta malta quer que o pessoal trabalhe sem ter trabalho e contribua para a sociedade tributando um trabalho que não fez....
E pagar para trabalhar, como é cada vez mais comum.
EliminarUf!! Afinal sempre há para aí malta a trabalhar... e a pensar... Assim o solinho até sabe melhor! :O)
ResponderEliminarLibébula Purpurina in Algarve
Libelita!...
EliminarQue bom "ouvir"-te, rapariga!...
Obrigada. Tou fixe! E isso por aí? Vai? :P
EliminarPois deves estar... até assinaste "Libébula" :O)
EliminarEu vou no dia 1 para a Manta Rota. Queres algum recado para o primeiro ministro?