A iniciativa do Bloco de Esquerda a que faço alusão na posta abaixo é um passo importante na correcção de um problema que só a ignorância alimenta e tem o meu inteiro apoio, só pecando por tardia e por acontecer quando a actual maioria no Parlamento não permite qualquer esperança de aprovação da medida proposta.
Contudo, isso não mudará a verdade dos factos: impõe-se o debate acerca do assunto, cada vez com maior emergência numa altura de crise que só ganharia com o fim da circulação ilícita de dinheiro que a proposta do BE preconiza.
Quem quiser dar a volta ao texto e fugir ao óbvio só precisará refugiar-se na argumentação consolidada ao longo de décadas de proibições das quais apenas resultaram benefícios para os traficantes de canábis e para os consumidores que gostam de acrescentar a pica da ilegalidade às suas experiências de vida. Para os cidadãos comuns que consomem a substância sobra o estigma associado pela ignorância que nem permite a distinção entre drogas duras e leves (as que estão em causa) e para o país acrescentam-se mais custos desnecessários para a Justiça e mais viveiros de economia paralela em larga escala.
Só com uma grande dose de hipocrisia, de preconceito ou de interesse financeiro directo alguém poderá defender que a situação actual tem algo de bom seja para quem for para além dos que citei.
A informação acerca da canábis abunda na internet e só não percebe o que está verdadeiramente em causa quem não quiser. As opiniões, como é natural em todos os assuntos polémicos ou melindrosos, dividem-se entre os papões de alegados estudos científicos que de concreto têm provado quase nada em matéria de malefícios para a saúde do consumidor moderado e os argumentos lógicos dos que, mesmo não consumindo, enfatizam a questão de princípio implícita nesta estranha teimosia de muitos Estados no investimento em “combates ao flagelo” sem distinguir os alhos de substâncias como a heroína, a cocaína e outras drogas químicas mais recentes e os bugalhos da canábis. A influência social destas duas realidades é absolutamente incomparável, tal como o comportamento dos consumidores se distingue à vista desarmada.
Neste aspecto o argumento de que muitos começam pelas leves e partem daí para uma existência medonha associada ao vício adquirido é o mais batido e se não peca pela verdade fá-lo pela transparência da estatística que remete esses casos para uma irrelevância inevitável.
Na verdade só estão em causa más vontades despoletadas pelo desconhecimento dos factos, pelo preconceito associado a décadas de proibição e de propaganda alarmista e apenas porque sim.
O formato proposto pelo Bloco salvaguarda os interesses de quem consome e os de quem não o faz, oferecendo ao país uma solução bastante consensual, devidamente fiscalizada e que constituiria um golpe de misericórdia nas receitas chorudas de intermediários que fogem ao controlo do Estado e só servem para desviar a concentração das autoridades e dispersar forças no combate aos verdadeiros flagelos associados à venda e ao consumo de substâncias comprovadamente perigosas para a saúde e para o funcionamento da sociedade.
Resta-me referir que não se trata de uma iniciativa inédita, já estando a provar-se eficaz em diversos países.
O provável chumbo parlamentar da proposta do BE, neste contexto, não passará de um adiamento de algo que só quem não queira enfrentar o tema com seriedade pode considerar um malefício.
Também me parece que esta causa será vítima do argumento (tão falacioso) "ai, agora há coisas mais importantes para tratar"...
ResponderEliminarQualquer treta serve para não arriscarem hostilizar o seu quinhão natural de eleitorado conservador.
ResponderEliminarOra aí está! Há algo mais importante para eles do que acarinharem o seu quinhão natural de eleitorado conservador?
EliminarAs sociedades andam mais depressa do que a velocidade a que as leis são feitas, é uma afirmação que está em contradição com a outra de que a inércia social é um peso terrível para o avanço das sociedades, obrigadas por isso á imposição de leis...
ResponderEliminarUma afirmação e a outra, são no entanto os espelhos onde ambas se revêm numa imagem invertida.
Se por um lado, ter num vaso um pé de canabis de onde se enrola um charro, é coisa que não parece ter a importãncia que o Estado lhe dá, por outro, o despenalizar o seu consumo livre é base de argumento para os que afirmam ser a sua liberalização o elevar da fasquia do mundo marginal da toxicodependência. Assim, se fumar "erva" fosse coisa livre, então o imaginário do "fruto proibído" seria elevado para o próximo nível, o das drogas chamadas de "duras".
É bom dizer-se em abono da verdade, que todas as drogas tem tanto de duro como de mole. O alcool é uma droga dura, mas beber um copo de vinho não é beber um copo de alcool. Assim, não tem nada a ver mascar uma folha de coca com um snifar de uma linha de gulosa, ou a passa num charro com o de fumar de uma pedra de Haxe, ou o cheirar o aroma doce e tranquilizante de uma papoila com uma "trip" de heroina.
O problema assenta antes de mais numa base filosófica, o de estabelecer a linha de separação entre o legal e o ilegal.
Espero que estas linhas não dêem ideias a ninguém, mas neste mundo global onde tudo se sabe, então deveria saber-se que milhares de coisas vulgares do dia a dia, tem efeitos psico activos, desde detergentes a plantas ornamentais ou usadas na culinária tradicional. Fumar um charro de salva, essa simpatica plantinha, é semelhante no seus efeitos ao apertar o fumo nos pulmões após uma passa de canabis, no entanto ninguém pensa por enquanto em perseguir os plantadores de salva.
Daí que se deva redireccionar o alvo. A toxidependênia não é uma questão de vendedores e plantadores de plantas das quais se extraem as drogas, mas antes e muito mais uma questão de cultura social. A indexação do consumo como elemento iniciático de pertença de grupo e de afirmação pessoal, isso sim que está na base do fenómeno. O resto, é como disse fazer leis atrasadas e desfasadas com a realidade social.
Ainda não li o projecto do BE. Tenho curiosidade...
EliminarO exemplo holandês basta para provar que a linha entre leves e duras permanece bem vincada enquanto a sociedade o entender, mesmo depois de despenalizado o consumo em ambientes controlados.
EliminarÉ curioso como o exemplo holandês não é sequer abordado pelos políticos (não só governos mas oposições) dos restantes países europeus...
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