julho 27, 2012

Eu inspiro, tu inspiras, somos todos uns inspirados

A utilização em massa do verbo inspirar começa a bulir-me com os nervos.
E nesta saga do quem-é-que-é-mais-inspirador, vale tudo: roubar ideias (sim, sim, mudar as palavras não implica ausência de plágio - chama-se-lhe ideográfico), parafrasear sem nomear, fazer suas as palavras de outrém e, sobretudo, para além de contar com a ignorância alheia (boa aposta, ao que parece...), cuspir umas balelas para o ar, que não se discutem e de que provavelmente poucos conhecem o real significado, pelo que "são inspiradoras".
Ora o verbo inspirar tem uma significação, seja na sua versão transitiva ou pronominal, pelo que não deve ser usado quando não se sabe o que dizer - mas as mesmas pessoas que o fazem são as que, quando interpelados e na ausência de argumentos, atiram com um "é isso mesmo!" ou "muito bem, gostei de ver!", a ver se mandam o interlocutor inspirar-se para outro lado.
Os inspiradores denominam-se, normalmente, por "treinadores de vida" (mas em inglês que é bem mais técnico: só na tradução, ganha-se credibilidade) e pretendem, portanto, sem formação que convença quem quer que seja (há sempre excepções nestas regras mas não é delas que aqui falo, porque são uma ínfima minoria) inspirar as pessoas. Vão mais longe, de resto: pretendem formá-las (suponho que na arte de bem inspirar ou no engenho de bem se sentir inspirado) a eleger o sentir em detrimento do pensar, numa dicotomia reaccionária que recupera Descartes e faz tábua rasa de todos os avanços da ciência e epistemologia contemporâneas.
E o portuguesinho, que não sabe que não é life coacher quem quer mas quem tem formação para isso e que, em troca dos muitos euros que pagam em formações de tanga para se sentirem inspirados, devia exigir modelos de resolução de problemas e técnicas de pensamento crítico em vez de frases roubadas aqui e além, fica feliz porque se sente parte de uma comunidade (o que também não sabe bem o que significa mas sempre aconchega) de gente inspirada.

Abençoados os pobres de espírito, que sempre movimentam a economia e dão dinheiro a ganhar a muita gente que, de outro modo, não passaria de profissionais pouco qualificados de uma chafarica qualquer. Aproveitem bem, estes últimos, porque no dia em que esta for a sociedade de conhecimento que um dia terá de ser (sob pena de se auto-aniquilar), vão andar a inspirar calhaus.
Mais ou menos como agora, mas sem a parte do dinheirão.

4 comentários:

  1. Quando será que esta malta expira?...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ora aí está uma excelente pergunta! (dir-te-iam eles)
      Verdadeiramente inspiradora. (acrescentariam)

      Eliminar
    2. Mas eu já fui aspirante.

      Eliminar