julho 29, 2012

«Descentralizar de Faro a Bragança, capital em Coimbra» - Jaime Ramos

Tal como o Brasil, Holanda, Nova Zelândia, Austrália e EUA, devemos separar o poder político do poder económico, instalar a capital política numa cidade que não seja a capital económica.
Sou suspeito mas o ideal seria mudar a capital política para Coimbra.
É evidente que o objectivo de transferir a capital de Lisboa para Coimbra é de difícil concretização.
Todo o poder político e económico instalado nos arredores do Terreiro do Paço se oporá.
O Mundo está cheio de boas ideias impraticáveis tal como o inferno se encontra repleto de boas intenções.
Não duvido que Lisboa é demasiado grande e excessivamente cara para o país que somos. O mundo dos negócios está cheio de casos de empresários que se arruinaram devido a amantes excessivamente exigentes e possessivas.
Não podemos continuar a desertificar o País e a empobrecer os portugueses para sustentar a megalomania da grande Lisboa.
Todos sabemos que muitas das maiores conquistas civilizacionais não se fizeram sem combate. A necessidade de combater a voracidade lisboeta, para permitir o desenvolvimento de Portugal e o bem-estar dos portugueses, é um objectivo que exige solidariedade entre os distritos abandonados, de Faro a Bragança.
Urge que políticos instalados fora de Lisboa sejam capazes de colaborar entre si para liderar um processo que questione o absurdo de concentrar todo o poder e toda a riqueza em Lisboa.
Impõe-se criar solidariedades nas diferentes cidades de Portugal, do Porto a Lagos, de Bragança a Vila Real de Santo António.
Está ultrapassada a ideia de Coimbra, ou outra capital regional, poder crescer e desenvolver-se à custa dos municípios vizinhos ou eternizando a fragilidade das outras cidades, sedes de Distrito, na Região Centro. O mesmo absurdo deve ser transposto para a Grande Lisboa, um conjunto de municípios que não podem ambicionar crescer à custa do resto do território.
Contra a governação socialista de encerrar serviços nos pequenos municípios, desde escolas a centros de saúde, esvaziar as capitais de distrito e tudo concentrar em Lisboa, o País tem de definir um modelo de desenvolvimento diferente, mais equilibrado e melhor.
No Governo liderado por Santana Lopes foi ensaiada uma tímida reforma de desconcentração que passou pela instalação de algumas Secretarias de Estado fora de Lisboa. Foi uma excelente iniciativa que deve ser melhorada, alargada e reforçada.
Existem tecnologias de telecomunicações que permitem o funcionamento de equipas à distância. É graças a estas tecnologias que as grandes empresas têm dominado o Mundo e criado organizações supranacionais.
Nada hoje justifica a ideia obsoleta de que todo um Governo ou toda a superestrutura tecno-burocrática de um Estado tenha de estar numa mesma cidade, ou num mesmo Terreiro do Paço dos tempos da monarquia absolutista.
O Ministério das Finanças pode estar no Porto, a Saúde ou Educação em Coimbra, o do Mar em Aveiro, a Indústria em Leiria, o Ambiente na Guarda, a Administração Interna em Viseu, Obras Públicas em Castelo Branco… A Presidência da República, Assembleia, Tribunal de Contas, Tribunal Constitucional, bem como muitos outros órgãos do Estado, só continuam todos em Lisboa por inércia retrógrada.
Nas últimas décadas, as grandes empresas criadas por iniciativa do Estado localizaram-se todas em Lisboa. Este movimento de concentração das empresas públicas exigiu a destruição e esvaziamento de estruturas regionais, originando pior emprego e menos riqueza fora da Capital.
Um modelo de desenvolvimento sustentável, que assente na coesão social do nosso país, impõe transferir muitas das sedes destas empresas controladas pelo Estado para outras capitais do Distrito.
Lisboa continuará demasiado grande mesmo que muitos dos serviços públicos sejam transferidos para outras cidades, equilibrando mais o nosso País. Nova York nunca precisou do aparelho de Estado instalado em Washington.
O interesse nacional impõe que de Faro a Bragança se combata o domínio excessivo de Lisboa.
Portugal tem de voltar a pensar a Política. Revela indigência intelectual concluir que não há alternativas ao modelo de desenvolvimento que temos vindo a implementar. É por falta de discussão e de espírito aberto que Portugal tem vindo a divergir e a deixar-se ultrapassar por outros países, no âmbito da União Europeia.
Deixámos de discutir política para ficarmos pelos costumes. Falamos de aborto, casamento de homossexuais, adopção gay, as cotas entre sexos, a tolerância entre diferentes. São assuntos interessantes mas a Política, que faz povos felizes ou infelizes, tem de voltar às tertúlias e aos partidos.
Urge politizar a economia que não é uma ciência asséptica. Não é como a água, inodora, insípida, incolor. As decisões na economia diminuem os pobres ou aumentam os ricos. Na gestão das empresas as escolhas criam sucessos ou falências. As opções políticas definem as nações que progridem e as que empobrecem.
O Governo socialista anunciou, antes da crise financeira, prever investimentos até 2017, no valor de mais de 40 mil milhões de euros em infra-estruturas, 9 mil milhões em projectos no turismo e 3,5 milhões para reabilitação urbana, tudo para contrariar a crise da construção civil e obras públicas.
A maioria deste dinheiro irá ser consumida em projectos não sustentáveis. As opções do Governo interessam às clientelas ávidas de lucro e negócios sem risco, à custa do Estado.

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

5 comentários:

  1. Curiosamente, o argumento que serve para fechar escolas, tribunais, centros de saúde e postos de correio além dos da polícia ou GNR, o das melhores estradas e vias de comunicação, não serve no sentido contrário.
    E eu que julgava que a distância entre o Interior e Lisboa era a mesma que entre Lisboa e o Interior, a não ser que a estrada, por uma questão de economia, tenha um piso de maior qualidade no sentido Interior-Lisboa e mais fraquito e esburacado no sentido oposto.
    Será por isso que tanta gente se mete em contramão quando do regresso a casa?....Pergunto eu , que sou tótó....

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tu lembras-te de cada coisa, Charlie...
      É evidente que não é a mesma coisa! Para Lisboa, é sempre a descer!

      Eliminar
  2. Pois....
    Curiosamente os gajos que só vêem o país na grande cidade, julgam que descer para Lisboa é um caminho sempre a subir....

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Para cada um deles, pode ser.
      Para o país, é uma merda.

      Eliminar
  3. Pois é, caro Charlie, a minha chapelada. Deste aí uma valente pancada de dialética argumentativa...

    Agora, continuo a ter para mim que o melhor retrato social do país em que nos tornamos são os mega-concertos do Tony Carreira. Irra, que isto já é quase mania obsessiva, mas que hei-de fazer...?

    Mais a sério, a argumentação de Jaime Ramos é muito interessante e motivadora. No entanto, convém nunca esquecer alguns «mandamentos» da política, um dos quais - e muito a propósito - nos dizia que «o poder está na ponta das espingardas».

    Claro que estas «espingardas», nos dias que vão correndo, serão algo metafóricas e muito influenciáveis e municiadas pelos sacrossantos «mercados». Ainda assim...

    ResponderEliminar