Em palaciana levitação
Em uma espécie de suspensão nos próprios sais: assim me sinto e ando. Como num dia de temperado inverno que o sol esclarece de quando em vez. Como nos sonhos da noite, que me (a)parecem tecidos e bordados pelas fragmentárias penélopes do pensamento sem lápis à mão nem mão. Sem luto, às vezes. Sem luta, às vezes. Uma “suspensão”, disse eu? Digo – uma levitação. Mais de olhos que de pés na terra – confesso.
De cada dia, as solicitações comezinhas da vidinha: fechar sempre a gaveta das meias, descer rebordo e tampo da sanita, mudar finalmente o arrancador do néon da cozinha, ver se é hoje que Cristo volta à Terra, agora que o mundo acabou a 21 de Dezembro passado.
Também se pode tomar o dia por palácio, resultando curial habitá-lo em domínio. Nem todos os dias é possível apalaçar a mutualidade corpo-vivo/horas-mortas. Mas, levantando-se cedo a pessoa, a evidência do Tempo é a mais reparável: em reparo como em reparação.
Na volta, reconquistar a casa, os países que cada casa, para ser Casa, deve dispor em domínio & dominação: sítio do pão, altura das louças, guarda dos livros, sarcófago das roupas, disposição territorial-operatória das máquinas, alfobre das velas, das conservas, dos sapatos, dos instrumentos de limpeza, do cinema não tão mudo quanto isso dos retratos.
Não por regra mas premeditada excepção, apanhar uma bebedeira impune e republicana à deputado(a) de agora – mas uma cardina tal, que, caindo ao chão, seja preciso apanharem-me à colherada de entre os escombros do figurativo hemiciclo pra-lamentar do chão. Na ressaca, verificar que Cristo não volta porque não existe, a necessidade Dele é que sim, à maneira do pobre com fome mas sem pão, pois que o alimento não é anterior à necessidade de o encontrar em criação. Adiante, porém. Aproveitar o retorno à sobriedade para escrever um par de versos, guardá-lo e partilhá-lo. Este par de versos: “Tenho sabido desconhecer com pertinaz valentia o que aí vem. / Uma pessoa nasce, o corpo faz-se homem, o coração nem tanto.”
Entrementes, fazer tudo e mais alguma coisa por não deixar que a íntima hialurgia rache de vez e de repugnância ante a sordidez engravatada dos “senhores à força / mandadores sem lei” que telejornalmente evangelizam a urgência de a humanidade deixar de estorvar os números, acabando sim com a miséria mas pela fome, que a um pobre morto nenhuma esmola se deve, a bem da Nação.
E, finalmente, sossegar a interior procela com a bonança da II.ª Ode Olímpica de Píndaro: “Das nossas acções / justas ou injustas, nem o Tempo, pai de quanto existe, / pode conseguir que não tenham sido praticadas, / nem pôr-lhes termo. O olvido poderá surgir, / se houver sorte.”
Sossegada enfim a procela, pois, abrir em pleno os estores do olhar ao sol do dia, que, ao contrário do Messias e do néon da cozinha enquanto o arrancador da lâmpada não for mudado, acaba sempre por voltar de jeito a iluminar a santa e palaciana paciência do meu leitor.
Ah!...
ResponderEliminarJá estava a perder a minha "palaciana paciência" :O)
:)
ResponderEliminarAh soverana,como sois paciente na vossa impaciência...
ResponderEliminarAs pessoas franzinas têm que ser assim :O)
EliminarSois assim, de corpo franzino
ResponderEliminarPara que o Demo não o tente
Mas é sempre o mesmo destino
que as sedas e pano fino
São de navegar em mar quente
Mas isso é desaforo!!!
diz Deus em desatino
-Se os prazeres não são decoro
Melhor fora a boca de ouro
ter no seu lugar um sino.-
-Mas sou Eu, vosso Criador
E o corpo, o meu Templo!-
- Saiba então Deus Senhor
Que fornico com sabor,
sendo Pai, sois Vós exemplo!-
Olha que isto ficaria bem na noss'a funda São...
EliminarMuito gostas tu de ser glosada :)
EliminarLogo mando com ilustraSão a condizer
Dá-me gloso, dá-me :O)
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