Homem-do-fraque à Presidência já!
Se
o Brasil teve como presidente um Silva que era Lula, nós vingamo-nos mantendo
um Silva que é choco. Choco que faz correr muita tinta, ainda por cima.
Tu,
leitor desalmado meu, ris-te, mas olha que a metáfora cefalópode é triste. Esta
que te escrevo é crónica feita de pé desde as sete da manhã na fila do Centro
de (des)Emprego cá da parvónia. Já daí vês que mais me corrói a bílis do que me
rói o gozo. Se comigo recuares em espírito datado ao tempo do famigerado
Cavaquistão (quando os dias eram loureiros e de artes limas), saberás que foi
então que, por superior desmando e a córneo imperativo da vaca estúpida de
Bruxelas, o então primeiro-ministro assinou de cruz a destruição, por abate, da
frota pesqueira e da safra agrícola íncolas. Nem o Tenreiro da Outra Senhora
nem o mefistofelismo alucinado do Barreto desta se atreveram a tanto, ó leitor!
Perdoar-me-ás ou não (sinceramente, também não quero saber se sim ou sopas),
mas não consigo ser compassivo nem deixar de cuspir no fósforo que me queima a
alma e o bolsilho dos cêntimos. Em qualquer ajuntamento folclórico, perante um
vulgar grupo de cavaquinhos, nunca deixo de sentir que aquilo é mas é um grupo
de bêpêénezinhos. Se eu mandasse, a Presidência da República seria entregue ao
homem-do-fraque, não a um homem fraco, não a cúmplices acatadores e persignados
e genuflectidos do ataque mais intolerável aos direitos mais básicos e mais
inalienáveis da dignidade de todo um povo. Se fosse para viver de joelhos, eu
seria guarda-redes de hóquei em patins, não sei se ’tás a ver…
Sim,
se eu mandasse, poria o BPN todo na prisão sem que a vaca tossisse ou ficasse
feita ao bife. MECA é o que o chamo ao duplo mandato presidencial: Mumificação Em
Curso Acelerado de uma responsabilidade que era suposta como de salvaguarda da
Constituição, que é (ou deveria ser) Lei Fundamental por ser lei e por ser
fundamental. Mandando eu, o Mexia da EDP teria de vir a Santarém explicar ao
pessoal a estranha dendroclastia precoce do município local, que abate árvores
em vez das devidas moitas e das endividadas flores. Chiça, que a indignidade
também cansa, pá!
Ouve-me:
eu sei que não é possível carochinhar a qualquer actual ou pretérito
desgovernante a história da Branca de
Neve e os Sete Anões sem que ele, ao espelho, queira saber onde estão os
outros seis. O velho Cícero bem prègou no deserto pré-bíblico quando assentou,
com admirabilíssima concisão lapidar, que “não
há honra onde não há justiça”. O ricto mandibular de Cavaco não sinaliza
suavidades analgésicas de ter lido o anticatilinário orador romano, bem o sei
eu. (E sim, señor Presidente, os Cantos de Os Lusíadas perfazem a dezena.) Pois. Mas é que para a reforma dele
trabalhou mais de meio século febril e fabril o meu senhor e saudoso Pai, a
quem, ao cabo de uma vida de honesto e perfumado suor, escarraram no rosto a
esmola de 27 contos até que a morte o tratou por tu, pá.
A
21 de Abril de 1977, leitor, ficas a saber que, em palestra na SEDES, António
José Saraiva depunha que “no caso
português, para dar um exemplo, uma política de austeridade só poderia ter como
resultado uma diminuição dos empregos e o desaparecimento de empresas.”
1977, ó leitor! Há 36 anos que o caminho é claro como água lavada. Na mesma
data e na ocasião mesma, o mesmo AJS assentava com todo o acerto que “a sociedade de mercado é incompatível com
quaisquer valores, excepto um: o valor monetário. Tudo o que o favorece é bom,
tudo o que o contraria é mau.” Pois é, pá, pois é, povinho. E de que nos
vale que, oito dias depois (a 29/4/77, no velho Diário Popular), o co-autor (com o grande Óscar Lopes) da melhor História da Literatura Portuguesa
invocasse a “máxima kantiana segundo a
qual todo o homem deve ser tratado como sujeito e nunca como objecto por
qualquer outro homem”? Diz-me tu, ó leitor, que também és sujeito e não é
aqui que hás-de ser tratado como objecto. Olha que até uma figura oblíqua do
Bloco de Esguelha (Daniel Oliveira)
deu na mouche quando, lapidar e
concisamente também, se referiu ao inenarrável “ministro” da “Economia” como
figura “que se comporta como uma criança
num velório”.
O
trocadilho supra da lula e do choco, leitor, merecerá de ti, talvez, que passes
o jornal ao amigo que a teu lado bebe café e resmunga indignações de café
também. Talvez. Mas repara no quanto chove lá fora para comigo concluíres, em
irmanado acerto, que a diferença entre o mau tempo, de um lado, e o desPresidente
e o desGoverno, do outro – é que na verdade só o mau tempo mete respeito.
Dizes tanta coisa acertada em cascata que até uma gaja se perde.
ResponderEliminarMas uma coisa eu sei: se eu mandasse, trocava o Choco Silva por um Choco Late.
É um texto espectacular, perfeito até.
ResponderEliminarÉ tudo dito como deve ser: elegância e assertividade.
E custa-me tanto, mas tanto ver gentalha como um Relvas, figura intragável a mexer no património público do País, enleado em esquemas obscuros com os mafiosos da moda, Dias Loureiro e Noites Tenebrosas, a negociar indecentemente o que não lhe pertence e vir para as tv's fazer figura de virgem intocada e púdica a dizer que "temos de ser sérios" enquanto vai enfiando a mão e o facão pelas costas acima....
IRRRRAAAA !!! QUE ME DÁ UMA VONTADE DE PARTIR AS TELEVISÕES...
DA-SE!!!
Mau tempo por mau tempo, que uma chuva providencial e gigantesca nos varra, em não menos providencial enxurrada, esta escumalha para o caixote do lixo da História, para utilizar alguns chavões caídos em desuso mas, ainda assim, oportunos.
ResponderEliminarGrande crónica, pá!
O Carlos Viana diz-me que tenho que conhecer pessoalmente o Daniel. Espero bem...
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