Passei ao longo de largas dezenas
de anos desta vida a regar ideais, a plantar alvoradas, a adubar utopias...
Cultivo essa vida, ainda e (espero bem que) sempre, por ter interiorizado ser a
Humanidade um bem maior e passível de permanente melhoria em que a mim, sua
parte integrante ainda que ínfima, cabe a obrigação, transcendente e
intangível, de participar e de ser útil, mesmo que nem sempre aproveitável a
contento, lado a lado com o meu semelhante.
Cheguei, entretanto, ao ponto a
que todos nós chegamos, neste rincão do mundo, janela debruçada sobre o mar
Atlântico, muito pouco esperançoso e sequer sem esperar que o meu filho ache
adequado ou pertinente manter a estirpe, tal a atribulação de que é o viver um
dia-a-dia sem horizontes.
Os velhos suicidam-se. Os novos
suicidam a geração vindoura. E se alguém quiser dizer-me que isso não é culpa
dos governantes que nos têm caído no prato, é favor saírem-me da frente!
Chateia-me isto, o que é que
vocês querem? Creio bem que não foi para nada disto que, gerações após gerações,
chegaram até mim. E, também, chegaram até cada um daqueles que me estejam a ler.
Recordo o meu pai. Ainda consigo
chegar aos meus avôs. E às avós, também. E, não, não os vejo envolvidos nesta
mixórdia pasmacenta e pantanosa em que esbracejamos, aflitos.
Cultivaram couves, livros,
saberes, sabores. Arados e martelos e bigornas. Transmitiram, com maior ou
menor jeito, o testemunho de que amanhã é que vai ser…!
Não vivo acima das minhas
possibilidades. E, se alguma vez tal ocorreu, paguei-o com língua de palmo, a
taxas de juro de fazerem empalidecer de inveja quaisquer agiotas medievais,
mais ou menos judeus.
Sei, entretanto, que alguém vive
muito acima das minhas possibilidades.
Olho para o meu filho e para os
filhos dos meus companheiros de viagem e não tenho nenhuma sugestão a dar-lhes.
Não tenho, pelos vistos, nenhum legado a deixar-lhes.
Perdi a carroça da História e
arrasto-os comigo? Ou terá chegado o tempo de erguer novas barricadas e
inventar as bandeiras que o futuro deve empunhar?
Não sei. Mas estou, muito
seriamente empenhado, a pensar no assunto.
E para aqueles que padecem da
maleita do nada-se-pode-fazerite, ocorre-me sugerir algumas ideias de
desobediência civil – que é do que a corja anda a precisar -, à português
suave, definitivamente temporário ou provisoriamente definitivo:
- os gajos, que são gajos, podem
pensar em deixar crescer as pilosidades faciais e clamar que não as cortarão
enquanto este governo não for derrubado. Eis aí um modo eficaz e barato de dar
a cara à luta, na verdadeira acepção do termo e em favor de uma causa, política
como o caraças. Um novo tango dos barbudos contra a tanga dos sabujos…
- as gajas poderão fazer algo
similar, enxameando o País que temos com potenciais Godivas morenas e algumas
loiras, mas todas genuínas, curvilíneas e exaltantes, de cabelos à
Madalena-que-não-se-arrepende e, pelo contrário, se a deixarem, ainda há-de ir
mais longe na rebeldia, selvagem, afoita e cabeluda;
- entretanto, eles e elas, sem
emprego, sem perspectivas, sem arco-íris nem horizontes, devem correr todos,
pressurosos, a inscreverem-se nas juventudes partidárias do chamado «arco do
poder» - mas, note-se, em todas e em
simultâneo! – e, depois de lá estarem dentro, exijam cargos de assessorias,
de mordomias, de confrarias, de assimetrias, de arrebaldarias, de regalias, de
flostrias…
Será, quiçá, um novo Abril sem
cravos, mas com cravas. Às avessas, portanto, mas sempre Abril. Um universo glorioso
e uniforme de cravas a exigirem igualdade de tratamento discricionário. Um
amanhã que não canta, mas assarapanta e avassala. A igualdade de acesso ao
condomínio fechado, à sinecura, ao beneplácito, à prebenda, ao nepotismo.
Afinal, apenas o cultivo do
conceito de que, para pior, também eu sou capaz e de que o Sol, quando nasce,
há-de ser para todos, se Deus quiser e se o Diabo deixar…
Mas, fundamentalmente, cada um de
nós a optar por sobreviver à sombra da bananeira, como modo airoso de singrar
na vida, a despeito de sabermos da existência de uma parte da Humanidade que
não tem, sequer, como viver. Todos iguais, enfim, na desgraça de sermos como fizermos.
O «outro», como a Alice do filme,
já não mora aqui…
E, a talhe de foice, é sempre bom lembrar:
Tu ainda consegues fazer humor... mas eu hoje vi a tabela de retenções na fonte de IRS...
ResponderEliminarE já ganhaste, OrCa. (São: eu como vi as tabelas ontem, já me passou a indigestão, mas sinto ainda as sequelas do chuto no estômago que aguardava há meses)
ResponderEliminarE ainda há a liquidação de IRS de 2013, em 2014... com o corte abrupto nas deduções e benefícios fiscais.
EliminarEnfim, nada erótico.
Acho que vou pôr aqui uns saquinhos, como nos aviões...
Assim como assim, já os vejo resignados, uns à base de murros no estômago, outros a pôr saquinhos, tudo na esteira de que mesmo sendo de mau gosto, é tudo uma brincadeira.
EliminarNão é brincadeira, há gente a perder os empregos, a casa, a família, gente a morrer por falta de assistência, gente a suicidar-se em cúmulo de desespero, crianças a ter uma única refeição na escola mas que em breve também será considerada algo "acima das possibilidades".
E de burrada em burrada, de asneira em asneira, com a legitimidade já perdida nas urnas e toscamente apresentada com recuperada pelo relatório do FMI apócrifo e encomendado, prometem-nos mais do mesmo.
E tudo isto meus meninos e meninas, é indescodificável: se o Estado quer desmontar o Estado Social para que todas ou quase todas as suas funções sejam assimidas pelos privados, para que é que temos de pagar mais impostos? Não são os impostos concebidos para que o Estado assuma estas despesas?
Ou será que o Estado quer os privados a garantir saúde, ensino, pensões, segurança, tudo com o dinheiro.....dos impostos?
Diz lá que não é de génios?
EliminarÉ mesmo genial, tipo criar as vacas com rações feitas a partir das carcaças das mesmas vacas.
EliminarE depois admiram-se que andem loucas....
A pescadinha (pelo menos a frita) também não come o seu próprio rabo?
EliminarEis um grande desgosto de que o Nelo sofre.... :S(-|--<
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