julho 19, 2012

A posta na proposta certa com a maioria errada (2)


A iniciativa do Bloco de Esquerda a que faço alusão na posta abaixo é um passo importante na correcção de um problema que só a ignorância alimenta e tem o meu inteiro apoio, só pecando por tardia e por acontecer quando a actual maioria no Parlamento não permite qualquer esperança de aprovação da medida proposta.
Contudo, isso não mudará a verdade dos factos: impõe-se o debate acerca do assunto, cada vez com maior emergência numa altura de crise que só ganharia com o fim da circulação ilícita de dinheiro que a proposta do BE preconiza.

Quem quiser dar a volta ao texto e fugir ao óbvio só precisará refugiar-se na argumentação consolidada ao longo de décadas de proibições das quais apenas resultaram benefícios para os traficantes de canábis e para os consumidores que gostam de acrescentar a pica da ilegalidade às suas experiências de vida. Para os cidadãos comuns que consomem a substância sobra o estigma associado pela ignorância que nem permite a distinção entre drogas duras e leves (as que estão em causa) e para o país acrescentam-se mais custos desnecessários para a Justiça e mais viveiros de economia paralela em larga escala.
Só com uma grande dose de hipocrisia, de preconceito ou de interesse financeiro directo alguém poderá defender que a situação actual tem algo de bom seja para quem for para além dos que citei.

A informação acerca da canábis abunda na internet e só não percebe o que está verdadeiramente em causa quem não quiser. As opiniões, como é natural em todos os assuntos polémicos ou melindrosos, dividem-se entre os papões de alegados estudos científicos que de concreto têm provado quase nada em matéria de malefícios para a saúde do consumidor moderado e os argumentos lógicos dos que, mesmo não consumindo, enfatizam a questão de princípio implícita nesta estranha teimosia de muitos Estados no investimento em “combates ao flagelo” sem distinguir os alhos de substâncias como a heroína, a cocaína e outras drogas químicas mais recentes e os bugalhos da canábis. A influência social destas duas realidades é absolutamente incomparável, tal como o comportamento dos consumidores se distingue à vista desarmada.
Neste aspecto o argumento de que muitos começam pelas leves e partem daí para uma existência medonha associada ao vício adquirido é o mais batido e se não peca pela verdade fá-lo pela transparência da estatística que remete esses casos para uma irrelevância inevitável.

Na verdade só estão em causa más vontades despoletadas pelo desconhecimento dos factos, pelo preconceito associado a décadas de proibição e de propaganda alarmista e apenas porque sim.
O formato proposto pelo Bloco salvaguarda os interesses de quem consome e os de quem não o faz, oferecendo ao país uma solução bastante consensual, devidamente fiscalizada e que constituiria um golpe de misericórdia nas receitas chorudas de intermediários que fogem ao controlo do Estado e só servem para desviar a concentração das autoridades e dispersar forças no combate aos verdadeiros flagelos associados à venda e ao consumo de substâncias comprovadamente perigosas para a saúde e para o funcionamento da sociedade.
Resta-me referir que não se trata de uma iniciativa inédita, já estando a provar-se eficaz em diversos países.

O provável chumbo parlamentar da proposta do BE, neste contexto, não passará de um adiamento de algo que só quem não queira enfrentar o tema com seriedade pode considerar um malefício.

7 comentários:

  1. Também me parece que esta causa será vítima do argumento (tão falacioso) "ai, agora há coisas mais importantes para tratar"...

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  2. Qualquer treta serve para não arriscarem hostilizar o seu quinhão natural de eleitorado conservador.

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    1. Ora aí está! Há algo mais importante para eles do que acarinharem o seu quinhão natural de eleitorado conservador?

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  3. As sociedades andam mais depressa do que a velocidade a que as leis são feitas, é uma afirmação que está em contradição com a outra de que a inércia social é um peso terrível para o avanço das sociedades, obrigadas por isso á imposição de leis...
    Uma afirmação e a outra, são no entanto os espelhos onde ambas se revêm numa imagem invertida.
    Se por um lado, ter num vaso um pé de canabis de onde se enrola um charro, é coisa que não parece ter a importãncia que o Estado lhe dá, por outro, o despenalizar o seu consumo livre é base de argumento para os que afirmam ser a sua liberalização o elevar da fasquia do mundo marginal da toxicodependência. Assim, se fumar "erva" fosse coisa livre, então o imaginário do "fruto proibído" seria elevado para o próximo nível, o das drogas chamadas de "duras".
    É bom dizer-se em abono da verdade, que todas as drogas tem tanto de duro como de mole. O alcool é uma droga dura, mas beber um copo de vinho não é beber um copo de alcool. Assim, não tem nada a ver mascar uma folha de coca com um snifar de uma linha de gulosa, ou a passa num charro com o de fumar de uma pedra de Haxe, ou o cheirar o aroma doce e tranquilizante de uma papoila com uma "trip" de heroina.
    O problema assenta antes de mais numa base filosófica, o de estabelecer a linha de separação entre o legal e o ilegal.
    Espero que estas linhas não dêem ideias a ninguém, mas neste mundo global onde tudo se sabe, então deveria saber-se que milhares de coisas vulgares do dia a dia, tem efeitos psico activos, desde detergentes a plantas ornamentais ou usadas na culinária tradicional. Fumar um charro de salva, essa simpatica plantinha, é semelhante no seus efeitos ao apertar o fumo nos pulmões após uma passa de canabis, no entanto ninguém pensa por enquanto em perseguir os plantadores de salva.
    Daí que se deva redireccionar o alvo. A toxidependênia não é uma questão de vendedores e plantadores de plantas das quais se extraem as drogas, mas antes e muito mais uma questão de cultura social. A indexação do consumo como elemento iniciático de pertença de grupo e de afirmação pessoal, isso sim que está na base do fenómeno. O resto, é como disse fazer leis atrasadas e desfasadas com a realidade social.

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    1. Ainda não li o projecto do BE. Tenho curiosidade...

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    2. O exemplo holandês basta para provar que a linha entre leves e duras permanece bem vincada enquanto a sociedade o entender, mesmo depois de despenalizado o consumo em ambientes controlados.

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    3. É curioso como o exemplo holandês não é sequer abordado pelos políticos (não só governos mas oposições) dos restantes países europeus...

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