julho 17, 2012

«Prevenir os incêndios não é fácil, tal como apagar os incêndios» - Jaime Ramos

Manter aceiros limpos, para provocar cortes na continuidade da floresta, e faixas limpas, junto às rodovias, ferrovias e povoações, melhora as hipóteses de combate mas não é solução eficaz isoladamente. Os incêndios propagam-se com grande facilidade quando as condições climatéricas são propícias, com altas temperaturas, ventos e baixa humidade, nas doses favoráveis a estes desastres ambientais. Os incêndios podem propagar-se à distância, pelo que a existência de aceiros ou estradas não é suficiente, como se comprova nas auto-estradas, onde o fogo consegue saltar de um lado para o outro.
As faixas limpas de manto vegetal são soluções com custos elevados que alguns especialistas contabilizam em mais de cem euros por hectare ou 25€ se fossem unicamente limpas de 4 em 4 anos. Limpar um hectare de floresta pode custar de 500 a 1.000 euros, segundo números divulgados pela Associação Nacional de Empresas Florestais. Os incêndios originam cortes de 300 milhões de euros anuais no valor da floresta.
Os proprietários só poderão cuidar da floresta se ela for lucrativa, se compensar a despesa realizada com a sua exploração. Com a actual dimensão da propriedade é um objectivo impossível para a maioria dos donos.
A indústria do pinheiro e do eucalipto tem de remunerar melhor os produtores. Portugal importa 30% da matéria-prima necessária a alimentar a indústria da fileira do pinheiro. Os últimos levantamentos ainda indicam que a área de pinheiro bravo e manso, embora em queda, é a maior área na mancha florestal nacional, seguida do eucalipto e sobro. Na área florestal o sobreiro aumentou a sua área desde os anos oitenta. O eucalipto teve um ligeiro recuo tal como a azinheira e o carvalho, a quarta e quinta espécies em termos de área. O pinheiro tem sofrido uma quebra brutal. Nos últimos dez anos a área reduziu-se 266 mil hectares pondo em causa a fileira industrial que lhe está associada. Esta queda deve-se ao facto de ser uma árvore com menor capacidade de regenerar o povoamento após os incêndios, ao contrário do eucalipto.
Vivemos numa sociedade de mercado e os produtores precisam de ser pagos com valores adequados, sob pena de se desinteressarem e não cuidarem da mata.
Uma boa gestão da floresta exige escala e dimensão. O mesmo se passa com os solos de vocação agrícola, também de reduzida dimensão em muitas regiões de Portugal, impedindo um aproveitamento adequado para uma agricultura sustentável e lucrativa.
Ao aplicar imposto, com base na rentabilidade média expectável, sobre os detentores da terra, estes, ou a rentabilizam adequadamente, de acordo com a sua aptidão, ou sentirão que estão a ter prejuízo. Neste caso sentirão maior disponibilidade para ceder em aluguer ou vender, permitindo o emparcelamento, que possibilitará criar propriedades com dimensão adequada à exploração agrícola ou florestal, sempre numa lógica de uso múltiplo.
O Estado, ao avaliar as propriedades pelo seu valor potencial, deverá assumir que adquire as terras pelo valor que atribui. Se os proprietários desejarem desfazer-se da posse devem poder vender a privados mas o Estado deve garantir um preço mínimo, justo. Esta é uma posição séria, de um Estado bem-intencionado, que respeita a propriedade e a vontade dos donos.
Não é vocação do Estado, nem do Ministério da Agricultura e Florestas, gerir estas propriedades. Depois de promover o emparcelamento deve abrir concursos públicos para entrega da terra à gestão privada por períodos longos, que permitam o uso adequado, tendo em conta a duração necessária à rentabilização das explorações.
Nestes concursos deve-se privilegiar as pequenas e médias entidades, de proximidade, com maior efeito na criação da riqueza local. O terceiro sector, tal como as autarquias locais, podem ter um papel importante na gestão da propriedade florestal, sempre numa lógica de uso múltiplo: turismo de natureza, apicultura, silvopastorícia, caça, pesca, cortiça, pinhão, cogumelos, produção de biomassa e madeira.
No final da década de oitenta tive a possibilidade de sensibilizar o Secretário de Estado do Ambiente, Macário Correia, para se criar um modelo de desenvolvimento integrado para espaços de montanha. Com esse objectivo criou-se um GAT (Gabinete de Apoio Técnico) verde, por semelhança com os GAT’s tradicionais de apoio técnico às autarquias, numa época em que estas tinham poucos recursos humanos.
Deixem-me recordar que quando fui eleito presidente de câmara em 1979 não existia na autarquia nenhum funcionário com curso universitário ou de nível superior. Os GAT’s desempenharam um importante papel na consolidação do poder local.
Este GAT verde foi instalado em Miranda do Corvo com o objectivo de estudar e elaborar um plano integrado de valorização e desenvolvimento da Serra da Lousã, numa base intermunicipal, e numa lógica de uso múltiplo do espaço florestal, mato e agrícola, incluindo o aproveitamento turístico das aldeias de xisto e granito existentes na zona.
No que respeita ao aproveitamento das aldeias felicito o trabalho importante da Rede das Aldeias de Xisto no âmbito alargado da região centro.
A Fundação ADFP criou recentemente o Parque Biológico da Serra da Lousã, um investimento âncora para outros projectos turísticos.
Associa a biofilia e a protecção da natureza à promoção da coesão social. Trata-se de um projecto de intervenção social visando criar postos de trabalho e terapias ocupacionais para pessoas vítimas de deficiência ou doença mental.
Este parque possui alguns serviços culturais e um zoo representativo da vida selvagem nacional.
Vinte anos depois deste GAT Verde, algo se está a fazer na Serra da Lousã por iniciativa autárquica e de alguns privados, numa lógica mais local e municipal, devido à reduzida intervenção da administração central e regional.
Tenho a ideia que a administração regional, a nível das Comissões de Coordenação Regional, têm vindo a perder intervenção, devido ao facto de actuarem como “caseiros” do Terreiro do Paço, com pouca iniciativa regional e nenhuma capacidade crítica relativamente ao centralismo lisboeta. O conhecimento que tenho da CCR Centro é de enorme indigência no que respeita a incentivar o desenvolvimento regional e grave perda de eficácia, quando comparado com o papel importante que chegou a desempenhar nos anos oitenta e início de noventa.
Há estudos que apontam para que a floresta tenha um valor estimado em 7.750 milhões de euros. A fileira renderá 5 mil milhões de euros por ano. As exportações associadas à floresta representam 15% do total das exportações. Este valor provém fundamentalmente dos produtos transformados como pasta de papel e derivados da cortiça.
Como Presidente de Câmara acompanhei algumas destas questões com intensidade. No final da década de oitenta colaborei com o Governo e com o Secretário de Estado Ribeiro da Silva na criação do CBE, Centro da Biomassa para a Energia. Este centro, importante para concentrar e desenvolver investigação científica e tecnológica ligada à biomassa, e não só à floresta, está localizado em Miranda do Corvo. Infelizmente políticos de vistas curtas têm vindo a desaproveitá-lo o que mostra o pouco investimento que os últimos governos têm dedicado à matéria, estratégica para o país.
O aproveitamento do solo com aptidão agrícola também deve ser valorizado com medidas eficazes de emparcelamento ou aquisição da propriedade pelo Estado. É evidente que o governo não deve gerir directamente a floresta, devendo entregar a terra, por concurso, a empresas lucrativas ou mesmo ao terceiro sector.
É interessante perceber o desprezo a que se votou o cooperativismo por razões políticas, relacionadas com a reforma agrária no Alentejo. Uma coisa foi a loucura das nacionalizações durante o PREC (Processo Revolucionário em Curso) após o 25/4 e outra perceber que se deve estimular o cooperativismo para desenvolver o mundo rural.
Os proprietários têm todo o direito de voluntariamente promover o associativismo ou outras formas de gestão, incluindo as ZIF, Zonas de Intervenção Florestal, que até ao momento quase não saíram do papel.
O desenvolvimento do país e a necessidade de produzir de forma eficaz, aproveitando os solos florestais ou agrícolas, não pode ficar dependente de boas intenções ou voluntarismos avulsos.
John Stuart Mill, talvez o maior pensador liberal de todos os tempos, escreveu: “A sociedade tem o pleno direito de revogar ou alterar qualquer particular direito de propriedade, que com base numa adequada reflexão considere obstar ao bem público.” Sou um defensor intransigente da propriedade privada, sem a qual não pode haver liberdade, nem democracia. Não sou um fundamentalista que ponha o direito à propriedade acima do interesse público. Urge criar mecanismos capazes de colocar a propriedade privada a funcionar de maneira mas profícua, que sirva o seu dono, mas que não prejudique o interesse colectivo.
Um país tem um património limitado de terras aráveis, agricultáveis ou destinados a floresta. Não podemos aceitar que, por absurdo, todos os proprietários se juntassem para desprezar a terra, impedindo o povo de a trabalhar e colocando o país na obrigação de adquirir todos os bens ao exterior.
Todos os bens finitos de um país têm de ser devidamente rentabilizados.
É necessário que, num curto espaço de tempo, “para amanhã”, os serviços de Finanças, do Ministério da Agricultura e as autarquias, elaborem cadastro dos terrenos, atribuindo aos proprietários taxas adequadas à potencial rentabilidade dos solos.
Este é um processo que não pode continuar adiado. É inaceitável que não se saiba quem são os proprietários dos terrenos tal como seria impensável permitir que as viaturas automóveis circulassem sem matrícula. Até os cães já foram obrigados a ter chips.
Num assunto tão importante para o ambiente e para a economia nacional não se percebe como se continua sem proceder ao cadastro da propriedade. Errado será tentar elaborar este serviço através de um concurso nacional em vez de aproveitar os discursos locais.
Aos proprietários, com absoluto respeito pela propriedade, cabe optar: agricultar ou florestar o solo, rentabilizar, mantê-lo abandonado para seu deleite, ceder a exploração a terceiros, juntar-se a outros proprietários, vender a privados ou ao Estado. Optando por manter a posse terá de pagar imposto de acordo com o potencial rendimento da propriedade.
Em 1989, na qualidade de Presidente de Câmara, dinamizei uma experiência que assentava na criação de uma sociedade anónima, em que as acções seriam subscritas por investidores institucionais como a Câmara Municipal, uma empresa pública do sector da pasta de papel, entidades do terceiro sector e proprietários interessados em manter a posse da propriedade mas que não tinham condições para a gestão directa.
As acções desta sociedade anónima seriam subscritas por capital e pelos direitos de cedência das propriedades bem como a valorização das alfaias e instalações. Os direitos de gestão destas propriedades transferidos para a sociedade anónima seriam avaliados e convertidos em acções.
Infelizmente a ideia acabou por não ser concretizada. Ao sair da Câmara para assumir as funções de Governador Civil, os meus sucessores na autarquia não acreditaram no projecto ou não quiseram incomodar-se a dinamizar a criação da sociedade.
Há muitos países, aparentemente com piores condições que o nosso, que são exemplo de sucesso no que respeita a rentabilização dos seus solos. É o caso da Nova Zelândia, que desenvolveu uma enorme capacidade de produção de pequenos ruminantes, invadindo o mundo inteiro com carne, leite e derivados.
Embora ultraperiféricos e longínquos, têm a capacidade de invadir a Europa com os seus produtos, mantendo uma agricultura extremamente desenvolvida e competitiva.
Não podemos olhar para o nosso território, para o nosso interior, como um peso morto na nossa economia. O futuro exige que se encare como um mundo de oportunidades que temos de descobrir e valorizar.
Nos últimos anos o Governo decidiu desprezar as potencialidades turísticas do território para concentrar os apoios nos grandes projectos, na maioria no litoral. São os celebres PIN,s, criados algumas vezes com violação das regras ambientais e para os quais se abriram auto-estradas de facilidades, eliminando as habituais burocracias.
Precisamos de grandes projectos, de mais “auto-europas”, mas o país não pode deixar de criar pequenos empreendimentos, na indústria ou no turismo, na agricultura ou no comércio, nas florestas, pescas ou serviços, que criem emprego e evitem o despovoamento de Portugal.
Recordo-me de ao visitar a Noruega circular pelo seu interior e ser confrontado com vigilantes que cobravam bilhete para percorrer essas zonas mais naturais, de montanha, no interior. Estas portagens geram empregos e dissuadem atitudes criminosas como incendiários. No meio das áreas florestais e de montanha aparecem aldeias turísticas, pequenos hotéis e parques de campismo, que permitem que as pessoas gozem e desfrutem da natureza.
Esta capacidade de atrair pessoas para o meio da natureza garante empregos e permite associar todo um amplo aproveitamento económico, com rentabilização do seu uso múltiplo.
Portugal não pode limitar-se a apostar nas praias e no litoral. Bons projectos turísticos não se confinam ao golfe. Possuímos uma gastronomia privilegiada, verdadeiramente única a nível mundial e um território que não podemos continuar a desperdiçar.
Estas iniciativas criarão postos de trabalho que permitirão travar o actual êxodo e facilitar o retorno de pessoas das cidades para o campo.

Jaime Ramos
Excerto do livro «Não basta mudar as moscas»

5 comentários:

  1. As dimensões da propriedade e a sua rendabilidade enquanto de pequena dimensão estão tão interligadas quanto ao que tudo mais respeita, considerados dimensão e rendabilidade.
    Se as propriedades deixaram de ser rentáveis quer dizer que já o foram em tempos. Quando os encargos eram mais reduzidos e as expectativas individuais e sociais também.
    E aqui esbarramos na condição essencial, fulcro diria, da crise económica mundial. A lógica de que apenas a grande propriedade, a grande empresa, a grande extensão de terreno, o grande capital, pode gerar retorno, arrasou por completo toda a pequena iniciativa. Bem sabemos que de vez em quando se agita uma lanterna ao fundo do túnel a dizer que há esperança para a escuridão. As exportações, meus senhores, as exportações estão a subir..que bom!!!!
    Enfim... regressemos ao genérico. A dinâmica de uma economia que precisa de crescer constantemente para ser saudável remete para um mundo territorialmente em crescimento permanente, o que sabemos, apenas seria possível se diariamente caíssem no planeta umas boas centenas de meteoros de bom tamanho. O planeta é finito, as pequenas propriedades, os pequenos negócios não crescem por diuturnidades, mas toda a gente parece estar esquecida disto a começar por quem governa e que onera todas as actividades como se o rendimento potencial de cada courela tivesse o mesmo potencial de crescimento da sofregidão deste mundo ao qual se impôs o consumo da qual vive a voragem fiscal.
    As pessoas podem associar-se? Porque não? Devem associar-se? Porque não? Mas será isso uma solução definitiva? A resposta receio ser um "não". O crescimento de um conjunto de pequenas empresas e propriedades, traz um aumento das sinergias mas também de despesas fixas que tendem a aumentar em alturas de crise isto quer dizer que a integração de uma pequena propriedade num tecido empresarial em cooperativa cria pressões a que urge dar escape. É necessário escoar a todo o custo mas o desaparecimento da pequena iniciativa reduz o mercado a meia dúzia de operadores que eles também se associam tacitamente em cartel. Sabemos todos o que está acontecendo a muitas cooperativas, esmagadas elas também como dantes o eram quando os seus sócios produziam independentes, pelos mesmos do costume e cujas práticas, em tentáculos de polvo, os fizeram associar. Daí uma das muitas razões que levam o pequeno proprietário a deixar-se estar quieto: entre o ganho incerto e a quase certeza do ir trabalhar para aquecer e dar lucros a Belmiros e Vitores Gaspares, prefere a paz de espírito e o sossego. Não ganho? não sei, responde, sei é que não gasto ...
    Por outro lado, se ser-se grande fosse a solução final, nunca uma grande empresa iria para a falência e sabemos como isso não é assim, há uma interdepdência e dinâmica complexa que tanto empresários como economistas tem tendência em ignorar, deslumbradas que ficam pelo sucesso e proveitos que tiram durante o momento transitório, a era dourada a partir da qual teorizam as fórmulas económicas perfeitas, como se um momento de passagem fosse a eternidade....
    Sabemos como todas falham; pelo mesmo motivo da ilusão de que podemos ficar parados a olhar para sempre a beleza da dinâmica de uma paisagem em transição a despeito de ir-se a bordo de um carro em viagem permanente. Se vamos no carro, a paisagem desfaz-se e refaz-se continuamente, se ficarmos parados, não viajamos e a economia é uma viagem....
    Tem de haver uma outra solução que não traga consigo esta condição suicida e autofágica da indexação da saúde económica ao seu crescimento constante: contrariamente ao que se diz, um crescimento económico permanente não é saudável e partir de um certo momento é virtual e especulativo e conducente à sua implosão, tal como o carro em velocidade excessiva onde em vez se apreciar a paisagem se acaba por esbarrar nela....

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    1. Charlie, sabes que concordo contigo com essa ideia do crescimento contínuo... até à explosão final.

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    2. Faz lembrar a canção infantil que entre outras canto ao meu netinho de dois anos:

      O gigantão .... :)
      pra ser maior.... :)
      pôs a inchar ... :)
      como um balão... :)
      e tanto inchou ..... :)
      o fanfarrão..... (:S
      que rebentou..... :(<
      caiu no chão--- :(((=|

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  2. Muito bem escrito e pertinente.

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