novembro 10, 2012

A posta numa vida despejada


Uma cidadã espanhola não suportou a pressão durante uma acção de despejo e suicidou-se, lançando-se da janela. Esse gesto desesperado, infelizmente não inédito, é o último degrau de uma escadaria que se desce aos trambolhões. A banca, inflexível, assume as regras normais de funcionamento do mercado perante circunstâncias excepcionais da existência de pessoas e de nações, mobilizando todos os recursos ao seu dispor em nome de valores que se colocam no patamar superior de uma hierarquia que, na prática, esmaga as vidas de quem comete o supremo pecado do incumprimento.
Os valores de topo são patrimoniais. E perante essa verdade que estas mortes nos gritam, saímos aos poucos de uma espécie de coma induzido e despertamos para uma realidade feita de monstros financeiros que formatam seres humanos ao ponto de estes desprezarem, escudados por uma obrigação profissional, os dramas pessoais dos seus semelhantes.
Números. Lucro ou prejuízo. Sentimentos proibidos num jogo onde não cabe a palavra perder, mesmo que isso implique alguém ter que morrer de desgosto, de aflição. Pessoas. Lucro ou prejuízo. Contratos para cumprir, execução de hipotecas, sem tempo a perder no cumprimento da Lei que protege os interesses superiores, os da maioria do capital que não chora porque não vê. Porque não precisa, escudado pela definição de prioridades que contraria o pressuposto do bem comum que é traído pela soma dos males que o sistema dispara quando chega a hora de se defender.
Parece que mais vale alguém morrer do que abrir os precedentes que possam corromper a afinação do mecanismo cobrador, o bom funcionamento de uma máquina impiedosa e sem margem de manobra para excepções.
Frieza capitalista que se assume terrorista por saber que o medo é um método eficaz. E as forças da ordem avançam como aríetes, mais os legítimos representantes de um poder conferido pela Lei que não protege os cidadãos mas sim as instituições mais sagradas, os símbolos mais destacados de um sistema desenhado para benefício de uma minoria sem escrúpulos. Arrombam as vidas dos que entendem prejudiciais, não cumpridores daqueles que são afinal os valores que nos tiranizam, que aos poucos nos escravizam pelo temor da exclusão social dos que apenas lutam pela sobrevivência.

E depois de acossados por todos os meios, sem escrúpulos ou consideração, alguns já nem a força para essa luta conseguem reunir.

3 comentários:

  1. Pois... quando já não há revolta, é porque já nem há forças para isso...

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  2. O dramático é que as pessoas cometam suicidio nelas próprias, Deveriam faze-lo era nessas que beneficiam da desgraça alheia.

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    1. Uma vez fiz um desenho com conceito que inventei e se aplica ao que dizes: o suicídio altruísta.

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