novembro 17, 2012

A posta que alguém tem que fazer


Embora as culpas costumem morrer solteiras e existam prioridades mais prementes do que a atribuição das mesmas (as culpas, não as solteiras), talvez esteja na altura de chamarmos os bois pelos nomes quanto ao estado da Nação em vez de apontarmos baterias às Jonet, àsMerkel e outros alvos de circunstância que se coloquem a jeito para umas vergastadas.
De todos os problemas que o país enfrenta, o maior deles é não haver quem os resolva. Ou seja, os problemas estão cá, a malta identifica-os com clareza, mas depois a coisa arrasta-se.
E é aqui que se levanta a inevitável questão que o povo refilão coloca sempre em cima da mesa, seja em casa ou na esplanada: Alguém tem que fazer qualquer coisa!

O povo é sábio e topa com a precisão de uma mira telescópica os alvos camuflados por entre as figuras do momento que, de resto, para o efeito têm a mesma utilidade dos treinadores de futebol: a catarse colectiva da chicotada psicológica.
O povo acha que tá mal a sua equipa perder e é logo mata e esfola. Rescindir contratos com o plantel quase por inteiro é inviável, o povo sabe, e Pinto da Costa só há um (por muito que o presidente do Sporting de Braga tente apanhar-lhe o jeito). Resta o malandro, o incapaz, o imbecil do treinador. O povo exige o sacrifício de um cordeiro mas tem em conta a crise e as associações de defesa dos direitos dos animais e consola-se com um bode expiatório, de preferência tenrinho.

Contudo, nas raras excepções em que se percebe que a coisa não se resolve com petições virtuais inócuas ou movimentos espontâneos de indignação nas redes sociais o povo também não se atrapalha: Alguém tem que fazer qualquer coisa!.
Pois é. Não há fuga possível para essa entidade sem nome, essa arma secreta que tanto pode encontrar-se com um simples recuo no tempo (o cliché mais corrente envolve nevoeiro, mas a malta prefere uma repescagem mais contemporânea e vem logo à ideia um “grande português” eleito na tv – os mais crentes contam ainda com Deus) ou na inapelável nomeação de uma alternativa.
É aqui que entra em cena o tal Alguém.

Melhor que rachar lenha é poder mandar bitaites, mas de fora na mesma

O povo não gosta de greves, são uma maçada, tal como tem ideia de que as manifestações destes dias não levam a lado algum. Por outro lado, o povo não confia na classe política.
Postas as coisas nestes termos, o povo arregaça as mangas da palheta e recruta de imediato Alguém. Alguém que só possui uma missão: fazer qualquer coisa. E essa coisa qualquer implica a resolução rápida e definitiva do problema, seja qual for.
O povo aprecia a ideia de ser quem mais ordena e começa por pôr ordem na lógica de funcionamento nacional: se não há volta a dar, por faltar quem e como, alguém terá que dar um passo em frente. E fazer qualquer coisa, no mínimo o milagre de fazer acontecer coisas sem ninguém mexer uma palha porque é para isso que alguém é pago.
O povo prefere aguardar com serenidade e sem fazer fitas como os outros pelintras lá de fora.

Com a firmeza estampada no rosto e no vigor do cruzamento dos braços, aguarda-se que alguém pegue ao serviço para fazer o que lhe compete. Sem chatices como eleições, revoluções, intervenção directa nos mecanismos da Democracia e outros transtornos que fazem a pessoa perder o dia de praia, o jogo da bola ou a noite das nomeações na casa dos segredos.
É esta a convicção do povo, denunciada pela sua postura perante uma das maiores aflições que Portugal já enfrentou no nosso tempo de vida.
Amanhã havemos de encontrar uma solução para qualquer problema, basta ter um pouco mais de paciência e o milagre acontecerá.
Mas convém que alguém seja mesmo Deus a tratar do assunto, pois se alguémpossui alguma certeza é a de que de outra forma ninguém o fará.

4 comentários:

  1. Pegar ao serviço... sem ser de empurrão?

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  2. É mais ou menos o que acontece quando se diz que determinada medida que visa a justiça e a equidade tem de ser adiada 'sine die', porque "a sociedade não está preparada". Porque "a sociedade", já se sabe, é também ela essa coisa abstracta de que, pelos vistos, ninguém faz parte.

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  3. Ninguém faz parte do caldinho azedo de onde depois emergem os Messias.
    Bem amados por desejados, e depois odiados para mais tarde, após a morte, passaram o campo do bem amado dos mitos.
    A metáfora mais perfeita é o fabuloso relato da vida de Cristo.
    Supostamente vindo à Terra para salvar os seus (a noção de Humanidade ainda hoje se limita entre eles ao povo Judaico), foram os seus, os que ele vinha salvar, que o preferiram a Barabás.
    De dia para a noite, passou de recebido em apoteose com folhas de palmeiras, a condenado por sufrágio directo.
    Os escritos apócrifos demonstram como estes relatos são o resultado desta sina humana de onde e a partir das profundezas psicológicas se escrevem todas os dramas, todas as obras primas.
    A re-escrita dos textos da Bíblia, copiados e recopiados nos ambientes fechados e letrados dos mosteiros, gerações após gerações, mostra-nos tudo sobre o Homem em vários gradientes. O ideal, o sacrifício inútil perante a incompreensão, a traição, e algures de forma difusa a fazer contraponto ao ódio, o amor. Um amor etéreo, não localizado, assexuado e sublime.
    O Messias não nasce do pecado, e no sec XVII havia uma corrente no seio da Igreja, com a Inquisição já bem implantada, que defendia a teoria de que a própria mãe de Cristo teria sido concebida sem pecado. Em Mourão existe um painel de azulejos magnífico sobre o tema.
    É assim que o povo diz, que "se queres seres bom, ou morre, ou ausenta-te," seguido de outra, " atrás de ti virá, quem de ti, bom fará."

    De onde se depreende que se alguém com poder quer fazer algo, terá sempre que enfrentar a inércia. Terá de fazer peito perante os interesses instalados, para que novos interesses se instalem.
    Pode contar com o desalento, a raiva, o ódio e a traição.
    Nasce-se a partir do rasgar doloroso, mas a mãe não pode continuar eternamente grávida e somos todos uns filhos da mãe...

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    1. Pois... tem que vencer a inércia... e leva malhas em barda...

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