novembro 11, 2012

banco a lamentar

Já muito foi dito sobre o tema, ainda que continue sempre a ser oportuno desemburrar as mentes... A propósito das recentes e elucidativas (im)posturas de Isabel Jonet (talvez deva ler-se «xoné», ainda que eu duvide de que o termo, na verdade, lhe assente com toda a propriedade...), lembrei-me de um artiguelho meu, já publicado em Maio de 2008 (!), no Sete Mares, a propósito desta despudorada hipocrisia de criar «pobrezinhos» para, depois, na urgência da fome, lhes estender uma côdea de pão e uma malga de sopa. Aqui fica, com a lamentável actualidade que ocorre num país que não sai da cepa torta.

A solidariedade é, para mim, muito mais do que uma palavra, uma atitude. A razão de ser de integrarmos esse clube gigantesco que se chama Humanidade.

Redistribuir, por aqueles que mais precisam, o excedente dos demais é, nesse contexto, uma lógica óbvia e coerente, mesmo levando em conta uma imensa diversidade de patamares de práticas e opiniões sobre a matéria.

Mas, no estadio civilizacional a que nos guindamos, somos pródigos em desvirtuar ou distorcer até ao irracional aquilo que partiu de uma intenção salutar nesse dar os braços humanitário que nos enforma.

Lembro-me da caricatura (e do insulto) que eram, nos idos salazarentos, os hipócritas chás de beneficência ou de caridade, onde as «colunáveis» da época estouravam escandalosos milhares de escudos para angariar misérrimos tostões, num suposto favor das mais nobres causas e em prol dos «pobrezinhos».

Do mesmo modo, debato-me, hoje, numa angústia quando assisto a uma imensidão de intrépidos jovens voluntários, que recolhem alimentos nas «grandes superfícies», apelando à dádiva solidária dos cidadãos, dádiva essa que, sem dúvida, contribuirá para minorar a fome que bate já a tantas portas portuguesas...

Mas não posso deixar de atentar na estupidez e desperdício que significa, por exemplo, fazer o apelo a oferta de alimentos adquiridos nessas mesmas «grandes superfícies», a preço de mercado, e cujos milhares de toneladas vão contribuir largamente e antes de mais para os destemperados lucros dessas mesmas «grandes superfícies»!

E pensar, depois e para cúmulo, que tantas dessas «grandes superfícies» são também fomentadores da precariedade ilegal no emprego, uma das grandes geradores do incremento da fome e de todo o tipo de carências sociais a que vimos assistindo, de forma galopante e descontrolada.

Afinal, ao adquirir um quilograma de farinha numa «grande superfície» para destinar ao Banco Alimentar, estou a alimentar quem?

Não é suposto caber ao Estado a redistribuição da riqueza criada, através da recolha de impostos - e são tantos! -, matando a fome a quem a tenha, dando a educação e a saúde aos que mais delas precisam, fomentar o emprego e vigiar pelo cumprimento das leis que a toda a comunidade deviam abranger?

Nesta inconsistência constante de atoardas que a comunicação impinge, quem se lembra, ainda, do ensinamento segundo o qual, mais importante do que dar o peixe, é ensinar a pescar?

Pois é verdade, já escrevi isto em Maio de 2008… Há coisas que custam a mudar…! E há pessoas que nem mudam nunca.

6 comentários:

  1. Eu sempre me senti um «ser estranho» quando recuso (sempre recusei) o saquinho à entrada do hipermercado...

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  2. Eu também recuso essa coisa da caridadezinha.
    Mas tenho o trabalho de explicar o porquê às meninas que de boa vontade estão ali horas a fio a pedir convencidas da boa causa.
    Já fui em tempos colaborador, e por mais de uma vez. Nessa idade em que somos novos e temos sonhos... O que vi e assisti depois foi uma vergonha, um saque aos melhores produtos, não por parte dos colaboradores mas sim pelos responsáveis. A campanha "Pirâmide" foi uma delas e é ainda hoje me irrita pensar nela.
    No caso dos Hipers, o que se estraga nas traseiras, nas chamadas "contra-lojas" é uma dor de alma. Os produtos que devolvem por estar fora de prazo, são um crime. Os hipers compram em grandes quantidades para terem direito a melhores preços mesmo sabendo que o mercado não absorve determinadas quantidades. É a lógica da maximização de lucros a todo o custo. Comprando em grandes quantidades acabam por ter um preço que não teriam se apenas comprassem o que de facto prevêem vender, depois devolvem, e não se importam de deixar estragar o que ainda está em perfeitas condições para ser por exemplo, dado. Eles não dão nada rigorosamente: NADA!. Mas de cada vez que há campanhas, lá surgem como beneméritos a fazer caridade, com o esforço dos outros. Uma corja!
    Eu não dou nem um bago de arroz.
    Os Belmiros que dêem o que deixam estragar, TODOS OS DIAS!!!!

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    1. E se fizesses um post só com este teu comentário, já seria muito bom!

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  3. Sim Mestra suprema dos Sentidos...
    tenho andado a baldar-me-----
    (se fosse o Raim, já andava< a mamar umas chibatadas)

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  4. Também me custa ver quantos voluntários, até independentemente da idade, dão o passo solidário que, depois, como digo acima, se perde no pântano dos interesses instalados.

    Claro que ninguém nega que o quilo de arroz sabe a néctar a quem passa fome e que o acto de lho fazerem chegar é mais do que meritório.

    Temível será a negociata que lhe está subjacente e de que muitos dos diversos envolvidos nem se apercebem.

    Para tranquilidade dos espíritos mais perturbados, porque não adquirir os produtos na mercearia da esquina e entregá-los em mão a alguém que manifestamente deles careça? Por vergonha? Por preguiça ou comodismo? Se virmos bem, nenhuma dessas razões abonará muito em prol do nosso espírito solidário, não é?

    Ou então cada um adquirir o que muito bem entender e entregar directamente na sua Junta de Freguesia, na sua paróquia, na sua sociedade recreativa e desenvolver, assim, laços de proximidade solidários e não esta «caridadezinha» semi-institucional, anónima, sim, mas também hipócrita, que mais não é do que uma abjecta negociata, colhendo proveito das boas vontades ingénuas...

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    1. Eu, desde que fiz umas vendas de umas coisitas para os Missionários Combonianos, tenho uma estória gira para contar...

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