novembro 19, 2012

Verborreia (auto-)aniquiladora

Tenho-me deparado amiúde com uma nova (creio que apenas para mim, pelo menos em quantidade) estirpe de gente que se satisfaz com palavras. E não me entendam mal, eu adoro palavras que constroem frases e dão voz a raciocínios e adjectivam e se vestem de figuras de estilo. Adoro.

Mas não gosto de gente que se basta com palavras, como se o que dissesse fosse maior do que o que faz efectivamente (e o substituisse). Nesta categoria entram tanto os-que-fazem-e-acontecem mas não passam disso mesmo (do dizer que farão e acontecerão) como os que se convencem que o que lhes é dito ou que eles próprios proferem é maior do que a realidade que vêem (aqui, os que, por exemplo, engordaram dois quilos mas fazem de conta que não, se ninguém lho apontar, os que passam fome mas dizem comer que nem bestas ou, pelo contrário, os que dizem engordar "com o ar que respiram").
Entram igualmente os falinhas-mansas que se transformam em cobras, convencidos de que os alvos do veneno não reparam na metamorfose, bem como os que primam pela forma em detrimento do conteúdo.
E, finalmente, os mais difíceis de identificar, porque estão por todo o lado: aqueles que acreditam tão piamente no que dizem que só isso lhes chega - como os que vão deixar de fumar ou fazer a tal pós-graduação ou deixar de comprar roupa/sapatos/discos ou declarar-se ao vizinho ou saltar de pára-quedas ou os que chegam a convencer-se de que são (ou foram) excelentes alunos e só não tiram (ou tiraram) notas de excelência porque não se dedicaram. Estes nunca farão nada do que afirmam mas comprazem-se na audição da sua própria voz e sentem-se o máximo com as proposições (o que não é mau, porque dá pouco trabalho e ainda menos chatice).*

Kant não dormia quando afirmou que "pensamentos sem conteúdo são vazios e intuições sem conceitos são cegas": na integração do binómio está a idealidade; na sua ausência, a manifestação de algo que se situa ali entre a verborreia pura e a cobardia travestida de armanço.



*todos nós já dissemos que faríamos algo que nunca chegámos a fazer, seja por que motivo for; mas fazer da atitude uma constante há-de prejudicar, em última análise, uma só pessoa: o próprio.
Não temos pena.

6 comentários:

  1. Tu hás-de escrever um livro com estas lições de vida.

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    1. Os livros sobre senso comum (ou bom senso) nunca venderão, estamos todos convencidos de que já o possuímos em farta dose. :)

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    2. É o que observo. Não o posso provar evidentemente.
      O que queria dizer é que não entendo o que escrevo como "lições de vida", são apenas o resultado do meu olhar sobre a realidade e não passam de senso comum (tipo de conhecimento demasiado desprezado, porque achamos que nascemos todos com ele; e talvez nasçamos, em potência, mas nem todos fazemos uso dele).

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    3. Pronto. Chama-lhe... um livro de ajuda para pessoas em que a auto-ajuda não basta :O)

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  2. Pois pois...
    Os animais são todos iguais, mas há animais mais iguais do que os outros...

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