janeiro 14, 2013

A posta que quando voltar a acontecer dirão que foi apenas um azar


Dificilmente alguém poderá contestar a capacidade e a competência de um domador para treinar animais. De resto, os domadores conseguem criar laços de proximidade extrema com animais selvagens ou mesmo ferozes e espantam multidões ao enfiarem a cabeça na boca de leões sem que nenhum mal lhes aconteça.
Ainda assim, não há muito tempo, o próprio Hugo Cardinalli acabou internado num hospital e os ferimentos sofridos na sequência do ataque imprevisto por parte de uma das suas feras domesticadas acabaram por ser um mal menor, pois sobreviveu.
A criança alentejana que, aos 18 meses de idade, foi atacada por uma fera de estimação numa casa de família teve menos sorte, pois morreu.

O paralelo entre ambas as situações é simples: seres humanos forçaram a barra da natureza e entregaram a sua segurança ao pressuposto de que tudo correria pelo melhor, confiando no bom senso de animais perigosos para saberem lidar com situações imprevistas. Contudo, tanto o felino que marcou o domador com unhas e dentes como o canídeo que fincou estes últimos no crânio de um bebé defraudaram as expectativas criadas em torno da alegada eficácia do treino ou da domesticação de criaturas cuja evolução natural ouman made lhes incutiu um instinto predador ou simplesmente agressivo em matéria de domínio territorial.

Um leão pertence tanto à arena de um circo como um pit bull pertence à cozinha de um apartamento. Criticar o dono de um cão de raça perigosa por ser incapaz de controlar o animal a todo o momento equivale a criticar o dono de uma metralhadora por esta se disparar sozinha por encravamento do gatilho ou defeito não descoberto no mecanismo de bloqueio da arma em causa.
O problema continua a ser o mesmo: muitos cidadãos comuns são incapazes de prevenir as coisas que só acontecem aos outros quando tomam a seu cargo responsabilidades que envolvam o risco de vida para si e para quem esteja por perto.
Essa é a lógica expressa na Lei quando proíbe os cidadãos comuns de terem metralhadoras ou morteiros em casa e é o mesmo espírito da que não autoriza a adopção de tigres da Sibéria ou de serpentes venenosas como animais de companhia.

Quando milhares de cidadãos se aprestam a assinar uma petição para impedirem o abate de um animal que, por incúria dos donos mas também dos adultos que deixaram uma criança entregue a si mesma num espaço sem luz, já se provou constituir uma ameaça para os seres humanos, com base no argumento de que a fera assassina não é culpada do que se passou e pode ser treinada para não repetir a façanha, apetece-me levar o raciocínio ao extremo a ver se entendem a base imbecil do seu impulso salvador.
Se confiam em absoluto na capacidade de treino de um animal que matou alguém, porque não arriscam promover o animal a cão de guarda numa creche frequentada por filhos dos subscritores da dita petição? Seria uma questão de coerência e desmentiria até os que como eu defendem a proibição absoluta da permanência de cães de raça perigosa em casas de habitação e, acima de tudo, nas mesmas ruas onde a minha filha merece circular sem temer perigos mais habituais numa savana.

A referida petição pode até ser subscrita pelos mesmos cidadãos defensores dos animais que as assinam contra as touradas ou, ironia, contra o cativeiro de animais selvagens nos circos deste país. Ou seja, podem estar carregados de boas intenções e centrados apenas no interesse dos bichinhos. Porém, ao seu gesto adorável que promove o indulto para um monstro potencial que matou porque o deixaram e não porque quis corresponderá uma ainda maior permissividade legislativa para com as máquinas assassinas (contra factos e números não há argumentos) que nada pode impedir de reagirem como tal em determinadas circunstâncias que, cedo ou tarde, acabarão por se repetir e somarão mais morte e mutilação ao triste registo destes cães que matam mais só em Portugal do que matam os tubarões no mundo inteiro.

O resto é folclore mais a ingenuidade e a estupidez tradicionais dos que deixam manipular as suas emoções pelos interesses de criadores abastados e de donos incapazes de aceitarem a evidência de que muitos cães mordem as mãos que os alimentam até ao dia em que são surpreendidos à dentada nas suas ou nas de quem se torna vítima da negligência ou apenas do azar de ir a passar quando a verdadeira Natureza se impõe.

18 comentários:

  1. Uma achega, que não um contra-argumento: o que são cães de raça perigosa? Porque eu conheço pitt bulls que são doces e caniches que seriam máquinas assassinas, se os deixassem.
    Quanto ao cão que morde a mão que o alimenta, creio que isso será fruto de demasiada convivência com o ser humano.
    P.S.: Não, não assinei a petição, pese embora defenda que o cão não deva ser abatido.

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    1. Outra achega: os cães da Serra (da Estrela) também são considerados, penso eu, raça perigosa. Os meus pais tiveram dois. Ambos muito simpáticos.

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  2. Mais uma, do Louçã, aqui: http://www.facebook.com/?ref=tn_tnmn#!/notes/francisco-lou%C3%A7%C3%A3/uma-execu%C3%A7%C3%A3o-animal-para-satisfazer-consci%C3%AAncias-culpadas/10151262563238214

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  3. Pois, mas a questão é esta, o lobo é um animal selvagem, pertence ao mundo natural e às suas leis, assim com o lince etc. Já o cão é um produto híbrido no que ao meio natural se refere. Há uns anos em Itália, numa região onde estava implantada uma reserva de lobos, uma sucessão de ataques nocturnos aos prados onde o gado descansava, levou a população atribuir culpas aos lobos e a proferir ameaças de levar a cabo batidas aos ditos.
    A peritagem efectuada provou no entanto, e através de filmagens, que as terriveis matanças perpetradas em ovelhas, vacas e até cavalos eram feitas por bandos de cães, uns vadios e outros DOMÉSTICOS que durante o dia brincavam com os donos e com crianças, mas de noite?. Chegavam a fazer dezenas de quilómetros para assaltar as quintas onde aos bandos davam aso a todo um universo de instintos adulterados e confundidos pelo convívio com os humanos. Estes cães, contrário aos lobos, matavam apenas para matar e não para satisfazer a fome, note-se bem.
    Os cães, é necessário dize-lo são um fruton Histórico da aproximação de predadores aos acampamentos humanos e que levou à criação de uma simbiose alimento/afecto entre a espécie humana e os animais que os seguiam.
    É sabido desde sempre o gosto que os homens tiveram para brincar aos deuses. Muitas espécies de cães são resultado de apuramentos de características particulares com o objectivo de potenciar a ferocidade. Um pitbull é dotado de uns maxilares desenhados para prender como um alicate de grifos. Quando morde as maxilas encaixam sobre a presa e não mais largam. Também é persistente no ataque. Além do mais, é uma espécie conhecida pelo que se chama "loucura dos cães" uma mazela neurológica que aparece ao fim de alguns anos de vida e que se acentua à medida que os anos avançam.
    O pitbull é uma espécie perigosa, mas não é a única e há ainda piores embora por cá seja a mais popular.
    Depois... há gente com pitbulls, conheço e convivo com um desses animais pertença de um vizinho que o trata como deve ser. Neste caso é uma menina, meiga e aparentemente incapaz de fazer mal a ninguém. No entanto, ela tem no seu código genético toda a potencialidade para fazer aquilo para o qual a raça dela foi apurada. Espero que nunca o faça, mas se um dia por uma circunstância qualquer acontecesse o que acontece todos os dias no mundo com os cães a que se chamam de perigosos, o que diriamos? Mais um caso de um mau dono?

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  4. Não sei, se calhar era melhor colocares estas questões todas ao Louçã...

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    1. Admiro a tua capacidade de síntese :O)

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    2. ;) E eu que sempre me julguei analítica... :)))

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    3. Nos chutos para canto, és muito sintética :O)

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    4. Obrigadinha por me centrares outra vez! ;)

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    5. E eu de futebol não percebo népias :O)

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    6. Mas és muito forte na arte de te pores a adivinhar...

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    7. Forte, eu?! Tão franzina...

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    8. "Quem faz das tristezas forças
      E das forças alegrias
      Constrói à força de Amor
      Um Natal todos os dias."

      (Pá, não sei o que foi isto; oiço falar em forças e fraquezas e recito sempre esta quadra, é acto reflexo!)

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    9. Bem... podia dar-te para pior :O)

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  5. Como o Charlie também sugere, um cão é um cão e imprevisível por natureza. Um caniche não pode matar crianças em acesso de fúria. Um cão que ataca humanos é comprovadamente capaz de repetir o gesto. Se não o abatem têm que o manter em cativeiro e é isso que implica não o abaterem, excepto se algum benemérito o quiser enfiar na sua própria cozinha.

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  6. Suponho que este seja um comentário em resposta ao meu, porque fui a única a falar de caniches. Um caniche pode matar um bebé em acesso de fúria - por que não?
    Mas a minha questão (ou achega) não foi essa, a minha questão foi onde está o limite entre as raças que podem andar entre nós e as que não podem. Porque, a crer na tua remissão para o Charlie, todos os cães são imprevisíveis. Como o ser humano, diria eu,o que não significa que deixemos de contactar uns com os outros.
    Quanto ao Zico, há muitos que se dispõem a ficar com ele. Eu tenho menos certezas do que esses. E do que tu.

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  7. Parece-me que os cães não são mais imprevisíveis do que muita e boa gente...

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  8. Mas há imprevistos previsíveis. Muito previsíveis, até.
    Um cunhado meu tinha um em Palmela na localidade de Aires, numa quinta onde vivia. O pitbull tinha sido criado a biberón desde cachorrinho. E foi essa mesma pessoa, a que criou, que andou com ele ao colo, que o tapava com uma mantinha no inverno e que o tratava do melhor que se pode imaginar, que ia morrendo às dentadas do dito.
    Nada que não se previsse desde muito cedo dados os indícios de comportamento e de relacionamento. O rosnar, mostrar os dentes, a dificil obediência, o facto de através dos aramados ter mordido em todos os cães da vizinhança que se atraviam a aproximar-se, etc etc.
    Esse cão era de tal forma mau, que quando nós íamos de visita, tinhamos de telefonar previamente para que o prendessem de trela metálica ao interior de um anexo onde guardavam ferramentas.
    Era mesmo mau por natureza, tal como também há caniches maus e só não fazem mais estragos por serem pequenos. Este, Alf de nome, foi mandado para abate, tout court, embora o canil, dado o pedi gree, tivesse ficado com ele até ao fim da sua vida natural.
    A questão é que um pitbull é fisicamente, anatómicamente muito mais perigoso quando morde. Não é uma questão de principio ser-se contra os pitbull, mas dadas a milhares de ocorrências onde esta raça e outras parelhas são protagonistas pelas piores razões, é imprescindível que se faça algo muito simples e que é feito na GNR na secção de cinotécnica: os cães são submetidos a uma espécie de "testes psicológicos". Tem que ser ao mesmo tempo intimidadores e obedientes, ferozes à ordem de ataque mas capazes de suspender de imediato quando a ordem vem em sentido contrário.
    É que como diz a Sâo, os cães podem ser tão imprevisíveis como as pessoas, e sabemos como entre as pessoas, nas famílias, irmãos, criados da mesma forma e no mesmo meio familiar tem características que são inatas às quais se juntam as outras provenientes da educação. Os irmãos não são iguais, tal comos os cães, há uns que são desde nascença e infelizmente um perigo para os outros.

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