fevereiro 24, 2014

a pobreza envergonhada é um dos sucessos do governo e uma sua inquestionável conquista

Assim, exactamente como me chegou e sem comentários:

O Diário do Professor Arnaldo – A fome nas escolas

Ontem, uma mãe lavada em lágrimas veio ter comigo à porta da escola. Que não tinha um tostão em casa, ela e o marido estão desempregados e, até ao fim do mês, tem 2 litros de leite e meia dúzia de batatas para dar aos dois filhos. Acontece que o mais velho é meu aluno. Anda no 7.º ano, tem 12 anos mas, pela estrutura física, dir-se-ia que não tem mais de 10. Como é óbvio, fiquei chocado. Ainda lhe disse que não sou o Director de Turma do miúdo e que não podia fazer nada, a não ser alertar quem de direito, mas ela também não queria nada a não ser desabafar. De vez em quando, dão-lhe dois ou três pães na padaria lá da beira, que ela distribui conforme pode para que os miúdos não vão de estômago vazio para a escola. 

Quando está completamente desesperada, como nos últimos dias, ganha coragem e recorre à instituição daqui da vila – oferecem refeições quentes aos mais necessitados. De resto, não conta a ninguém a situação em que vive, nem mesmo aos vizinhos, porque tem vergonha. Se existe pobreza envergonhada, aqui está ela em toda a sua plenitude. Sabe que pode contar com a escola. Os miúdos têm ambos Escalão A, porque o desemprego já se prolonga há mais de um ano (quem quer duas pessoas com 45 anos de idade e habilitações ao nível da 4ª classe?). Dão-lhes o pequeno-almoço na escola e dão-lhes o almoço e o lanche. O pior é à noite e sobretudo ao fim-de-semana. Quantas vezes aquelas duas crianças foram para a cama com meio copo de leite no estômago, misturado com o sal das suas lágrimas…Sem saber o que dizer, segurei-a pela mão e meti-lhe 10 euros no bolso. Começou por recusar, mas aceitou emocionada. Despediu-se a chorar, dizendo que tinha vindo ter comigo apenas por causa da mensagem que eu enviara na caderneta.Onde eu dizia, de forma dura, que «o seu educando não está minimamente concentrado nas aulas e, não raras vezes, deita a cabeça no tampo da mesma como se estivesse a dormir».

Aí, já não respondi. Senti-me culpado. Muito culpado por nunca ter reparado nesta situação dramática. Mas com 8 turmas e quase 200 alunos, como podia ter reparado?

É este o Portugal de sucesso dos nossos governantes. É este o Portugal dos nossos filhos.

7 comentários:

  1. Bem hajas, OrCa, por teres publicado.

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  2. A pobreza só é envergonhada no último estágio da dignidade.
    A partir de determinado ponto, que depende de cada um em particular, esse limiar é ultrapassado.
    É uma questão de "downgrading" que ninguém pode condenar.

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  3. Olá...sigo o blog (e também tenho um, aqui no Brasil: www.chamamamae.blogspot.com.br). Tal como você, também me angustio com os nosso problemas. Pelo que vejo, as mesmas situações só mudam de espaço geográfico e de personagens. De resto, é tudo igual. A pobre mãe que se envergonha da condição de pedir, quando seriam aqueles que governam(?) que deveriam ter essa vergonha. Vergonha por não representarem bem sua Nação, seu povo. Vergonha porque, em detrimento de muitos, gozam a vida no luxo.
    Mamãe Coruja

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    1. Bem vinda de regresso, Mamãe ;O)

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    2. Bem vinda, sim. E solidariamente por aqui andamos. As lógicas são sempre as mesmas em qualquer ponto do mundo. As mentiras, também. Tal como as verdades, se virmos bem. Mais calor, menos humidade, mais do norte ou mais a sul... somos bem todos feitos da mesma massa.

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  4. Olá Jorge (permita-me chamá-lo assim, sem as formalidades do "senhor"). Obrigada pela recepção, ou receção, ou seja lá o que seja essa boa vinda. rsrs.
    Sim, não basta apenas apontarmos as mentiras,porque há muita gente boa por aí e por cá fazendo e dizendo verdades.
    Por falar em calor, aqui tem em excesso, tanto no que se refere ao clima, quanto no calor humano.Uma (excelente) característica da Região.
    Sim, somos todos feitos da mesma massa, embora algumas dessas massas tenham sido "preparadas" com mais ternura e amor e vão ficando ainda mais macias, com o decorrer do tempo;enquanto outras endurecem.
    Prefiro ser da primeira opção, embora o tempo ainda nem tenha passado com tanta ênfase por mim, mas começa a dizer-me: tua hora de cabelos brancos irá chegar! Mira-te mais no teu espelho e já verás aqueles primeiros a te importunarem.
    Quem deu fala ao tempo?Alguém pode me dizer?????

    Grata,mais uma vez, pela tua simpatia.

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