fevereiro 03, 2014

«QUEM ESTÁ DISPOSTO A PAGAR PARA MIRAR O MIRÓ?!» - António Pimpão

Por mais que me esforce para aderir à posição de vários amigos que neste espaço têm manifestado a sua opinião sobre as obras de Miró que pertenciam ao acervo do malfadado BPN, defendendo que o estado as não deve vender, confesso que não encontro razões fortes para as seguir.
E menos razões tenho para me congratular com a providência cautelar interposta por deputados do PS e ainda menos com a decisão da PGR de secundar essa providência cautelar, como se o estado estivesse a cometer uma ilegalidade (pois apontar e punir ilegalidades é o papel que cabe à justiça, que nesta matéria não pode deixar interferir estados de alma nem pretensões a decidir sobre políticas governamentais).
Nunca os portugueses terão visto as tais obras de Miró, a ponto de estas se poderem considerar como património nosso (como o sentimos, por exemplo, em relação aos painéis de S. Vicente de Fora, de Nuno Gonçalves, ou às Tentações de Santo Antão, de Hieronymus Bosh, do Museu Nacional de Arte Antiga).
As obras de Miró são pertença do estado, não porque este as tenha comprado – por certo nunca as compraria; e, se o tivesse feito, por certo não faltaria um coro de protestos contra a forma como delapidava o dinheiro dos nossos impostos – mas porque vieram cair à sua posse ao serem recuperadas na sequência de um roubo praticado pelos administradores do BPN, roubo esse que foi feito aos nossos bolsos, pois fomos nós quem acabou por pagar e vai continuar a pagar todos esses desmandos.
Apesar da valia artística das obras ou do seu autor, que não pretendo nem sei discutir, será que o país se encontra em condições para empatar dinheiro nelas? Não haveria outros artistas, outras obras ou, melhor, outras aplicações?
Se o estado fizesse um referendo vinculativo a perguntar se estávamos dispostos a pagar aquelas obras com os nossos impostos, será que votaríamos favoravelmente?
É evidente que se não interiorizarmos que temos que ser nós a pagar o que o estado gasta, se pensarmos que é o estado ele próprio que paga isso, como se ainda tivesse minas ou pudesse mandar imprimir notas, sempre acharíamos que queremos tudo o que faz falta ou dá jeito. Nisso, somos insaciáveis. O dia-a-dia dá-nos inúmeros exemplos disso.
No ponto em que as coisas se encontram, e apesar da sua valia artística, as referidas obras mais são do que mercadoria, com um preço de mercado, por acaso valioso. Mas não fazem parte de um projeto nacional, de um imperativo, de uma necessidade de as possuirmos a todo o custo. Se o estado as vender, porque é o seu legítimo dono, mais não faz do que recuperar uma pequena parcela do que já tivemos que pagar para cobrir o buraco deixado pela tranquila administração do BPN.
Quando a poeira assentar e voltar o bem senso, a decisão judicial não pode deixar de ser um “nihil obstat” à venda das obras, pois não terá sido infringida qualquer lei. Mas, entretanto, não só não se recuperou qualquer dinheiro daquele que pagámos por causa do BPN como ainda temos que pagar a indemnização à leiloeira contratada. Mas quem moveu a providência cautelar e provocou essa perda vai assobiar para o lado, nada tem que suportar, como nos inúmeros casos já verificados das providências cautelares a que foi negado acolhimento.

António Pimpão

4 comentários:

  1. Já que fui e sou a obrigado a pagar a enormidade do roubo do BPN, que ao menos me deixem olhar para os anéis que os ladrões compraram com o meu dinheiro.
    Tal como disse Oscar Wilde, são Arte e a Arte é tudo o que é inútil, no sentido de não ter serventia, tal como um belo carro, (util) faz uma outra vista e gozo a quem o possui se tiver umas belas e completamente inúteis linhas.

    ResponderEliminar
  2. Eu preferiria olhar para o meu salário líquido e para as facturas das minhas despesas e não me sentir roubado por um Estado que nos tira o dinheiro para dar aos bancos!

    ResponderEliminar
  3. ...mas já que nos obrigaram a pagar os quadros, que não vimos, e como tenho a certeza de que da venda dos mesmos não me irão abaixar um puto que seja no que tenho (temos) que continuar a pagar, preferia ficar com eles....

    ResponderEliminar
  4. Fica com eles (desde que me pagues a minha parte)

    ResponderEliminar