fevereiro 26, 2014

«Era assim, naquele tempo» - António Pimpão

Quando era uma criança, realizavam-se na minha terra, Quiaios, vários bailaricos ao ar livre, com os músicos a tocar num coreto de madeira montado no meio do recinto de dança e os pares a dançar à volta do dito coreto.
Para decorar o espaço, as raparigas faziam cordões com flores (ramos de loureiro, hortenses, begónias, …) que ficavam presos entre o coreto e os postes que seguravam os gradeamentos de madeira que, por sua vez, demarcavam o recinto da dança. Essas flores exalavam um perfume difuso mas persistente, muito agradável, que ainda recordo com saudades. Tanto o coreto como os gradeamentos eram desmontáveis. As mães assistiam aos bailes do lado de fora do recinto encostadas a estes gradeamentos, vigiando o comportamento das filhas.
Havia concorrência: os bailaricos tinham lugar em dois espaços diferentes, distantes para aí 200 m, e havia uma enorme rivalidade entre ambos: um era o Recreio e, o outro, a Pica de Lata (por ter, encostado ao coreto, um enorme boneco de barro com uma pila de lata donde jorrava água que provinha de um bidão escondido atrás do boneco para um pequeno lago creio que de barro).
Durante algumas das semanas que antecediam a realização desses bailes – que tinham lugar pelos santos populares e pelo S. Tomé (fins de julho) ia-se à noite geralmente para a cave ou garagem de uma casa em construção fazer enfeites de papel (flores, bandeiras,…). Gostava desta azáfama e animação e do cheiro da cola feita de farinha, sendo a ocasião e o ambiente propícios ao início de muitos namoricos.
Desses bailes o que me agradava mesmo eram as barracas que montavam fora do recinto do baile, para angariar fundos, e em que os homens passavam a noite, ora atirando bolas de pano contra uma pirâmide de latas de cerveja amolgadas dispostas sobre uma base de madeira construída com ripas, tentando acertar nas latas e projetá-las para o chão; ora pegando em argolas (como as dos cortinados) e lançando-as sobre garrafas com bebidas dispostas em prateleiras colocadas sobre um plano inclinado, tentando enfiar a argola no gargalo de uma garrafa (se o conseguissem, ganhavam a bebida); ora dando tiros com uma espingarda de pressão de ar procurando que o chumbo acertasse num pequeno alvo de metal. Este alvo servia de alavanca para prender a porta de uma pequena casinhota onde era colocada uma boneca, por sua vez presa a um elástico esticado. Se o atirador acertasse na “mouche” esta recuava e com esse movimento soltava a tranca da portinhola onde estava a boneca que, pela ação da força do elástico, e uma vez liberta, saltava para a cara do atirador e este ganhava um prémio.
Não havia televisão, claro.

António Pimpão

11 comentários:

  1. Bons tempos, os idos, sempre bons... já que temos esta faculdade da memória selectiva e perdoadora.
    Mas eu lembro-me vagamente de ter visto em tempos uma discussão por causa das latas onde era embora não parecesse, difícil acertar.
    Um bom atirador derrubara as latas superiores e todas as inferiores da pirâmide excepto uma.
    Ao acertar com a última bola em cheio na dita, esta nem se mexeu: estava cheia de areia e pesadinha como se pode calcular.
    Claro que os "good old days" tinham destas batotas, assim como as fitinhas de confeti, coladas com fita adesiva por trás de forma a nunca se partirem completamente.
    Enfim... mas era giro e bebiam-se gasosas, a ver os tansos perder umas moedas no jogo da vermelhinha....

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    1. Adoro chegar a Caria e começar, continuar e rematar longas conversas com "e quando..."

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  2. Ora, pois. Seja lá do outro lado do Oceano, ou cá por estas plagas brasileiras, os costumes (cultura e tradições) são quase os mesmos.
    O "cenário" descrito acima é tal qual por aqui, sendo chamada de quermesse, geralmente barraquinhas instaladas em uma praça (na praça de uma determinada igreja, muito praticado em épocas de festas juninas). Até mesmo os engodos para lucrar à custa do visitante deslumbrado em praticar tiro ao alvo existe. Santa Mãe! Será isso herança da tal colonização? Até pode ter sido, mas vamos passar a vida toda,séculos afora, culpando portugueses pelos maus costumes? Ora bolas, a única coisa diferente deve ser a tal Pica de Lata (por aqui o sentido é bem outro rss).

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    1. Pica de Lata não quer dizer o mesmo que aqui?

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    2. Pica, entre outros significados oficiais, é por aqui mais um das centenas de apelidos dados ao órgão sexual masculino (pênis), como também terceira pessoa do singular do verbo picar (eu pico, tu picas, ele pica...). Mas EU nunca ouvira a expressão Pica de Lata (fiquei a pensar no "corte", caso a lata estivesse propensa a causar acidentes...Enfim, coisas de cabeça fértil rsss.


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    3. Então é tal e qual como nós.

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  3. Se os maus costumes dos Portugueses fizeram escola, não sei. Sei que os bons sim, fizeram escola e reproduziram-se de tal forma que até inventámos os mulatos, e tenho vários de além-mar na minha família, com os quais mantemos excelentes relações de família e amizade.
    Depois é um mau costume analisarem-se os factos separados dos seus contextos históricos e espremer a partir daí todo um conjunto de conclusões que - permito-me com conhecimento que do estudo me advém- são sempre abusivas e tendenciosas.
    O pior de todas é a mania que os nossos irmãos das terras de Vera Cruz teimam em dizer que tiveram azar pelo facto do Brasil ter sido colonizado por Portugueses. Se tivessem sido por Ingleses estariam no grau de desenvolvimento dos EUA.
    Bem. A resposta está nos livros da História: a conquista dos territórios da América do Norte assentou sobre um longo genocídio, e o mais provável é que o Brasil seguisse o mesmo fim. As tristes e condenáveis acções sobre os povos da Amazónia são uma versão muito soft do que os quase 500 anos fizeram aos povos colonizados pelos muito pragmáticos súbditos da Rainha que depois continuaram já independentes, com os mesmos maus costumes.
    Assim, o mais certo era que não houvesse a aguarela étnica que tipifica a população e de certeza que os que falam não existiriam pura e simplesmente, donde se concluí que a sua existência se deve à influência Portuguesa. Digam então: obrigado Portugueses por serem autores remotos dos meus dias.!!!
    Quanto ao deslumbre pelo depenar do visitante, temos por cá a versão ao contrário: são muitos os visitantes, das mais diversas origens que estando por cá aproveitam a estada para nem esperar pela quermesse ou romaria e pratiquem o tiro ao alvo sempre que o prémio demonstra, digamos, alguma relutância em mudar de mãos.
    Depois, antes de que alguém se enxofre e me chame nomes, gosto muito da cultura Brasileira, sou fâ da Bossa Nova, adoro os sotaques, mas - e isso é importante - não me obriguem a escrever fato quando no meio do Verão o que quero mesmo é de facto dar umas boas pedaladas pelo infinito do Alentejo.

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  4. Ora, Charlie, é bem isso que escrevi. Também não comungo com muitas das histórias, do mesmo jeito e intensidade que adoro muito da cultura lusitana, principalmente as músicas, das quais sou fá contumaz.
    Aliás, a charcada alentejana (assim que se escreve?) é uma delícia.
    Abraços de cá.

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  5. Respostas
    1. Outro pra você. Aproveite, após as pedaladas pelo Alentejo - enquanto dou as minhas por aqui, pelas trilhas entre a vegetação amazônica -, e venha ao Amazonas. Vou assistir ao jogo da Seleção de PT aqui em minha cidade, e tenha certeza que nesse dia a minha torcida é pela vitória de vocês (só nesse dia!). A foto do blog é a Arena da Amazônia. Minha casa à disposição, com muita honra, certo?

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