Há muitos anos atrás estive empenhado na obtenção de um lugar numa força da autoridade. Fui submetido a umas quatro ou cinco provas (psicotécnicos) e duas entrevistas pessoais que eliminaram sucessivamente mais de cinco mil candidatos até restarmos pouco mais de noventa para a prova final, os testes de aptidão física.
Tenho a plena consciência de que se algo de impeditivo houvesse na minha carola ou na minha atitude seria impossível essa falha ficar por descobrir naquele crivo apertado ao qual só faltava submeterem-nos a um detector de mentiras. Não havia nada na minha personalidade que pudesse afastar-me do cargo pretendido, o que muito me orgulhou na altura e foi, de resto, o que restou dessa aventura de meses que culminaram comigo a tentar arrastar um calmeirão, sob um sol incandescente em pleno Verão, até ao final de um teste cooper e acabarmos ambos eliminados por menos de um minuto acima do tempo máximo de duração da prova.
Este episódio estritamente pessoal partilho-o convosco por achar que vem a talhe de foice por causa da notícia da detenção do presidente do FMI por abuso sexual de uma empregada de limpeza do hotel onde pernoitou.
E agora perguntarão: que raio de associação de ideias vai na carola marada deste bacano?
É inegável que enquanto existem povos na fase de reclamarem e instaurarem a democracia nos seus países temos a sorte de já estarmos na fase de a renovarmos, de a expurgarmos de todos os males que a atormentam e levam alguns a questioná-la ou mesmo a abandoná-la à sua sorte.
Um dos problemas de que a democracia padece é o fraco nível dos seus protagonistas. Os líderes nacionais (e mundiais) inspiram cada vez menos respeito e confiança.
Episódios como este que me fez recordar a dureza e o rigor das provas a que me submeteram para depois me negarem o lugar por um minuto a mais e nas circunstâncias que refiro, sem terem em conta, por exemplo, os 150 quilogramas que levantei num halter quando 120 teriam bastado ou o facto de ser muito mais importante o meu calibre mental e moral do que o jeito para as correrias, são golpes letais na credibilidade daqueles a quem confiamos a gestão das mais importantes decisões para as nossas vidas.
Em causa está a personalidade dos mandantes e o quanto é determinante podermos confiar nessa gente com tanto poder e afinal capaz de cometer crimes como o que pode levar o Dominique do FMI a umas décadas de céu aos quadradinhos.
A tal associação de ideias nasceu do facto de para um lugar numa força de segurança uma pessoa ser escrutinada até aos artelhos e, apesar de ser cada vez mais óbvia a necessidade de filtrar o sistema nos topos da hierarquia para salvaguardar os interesses comuns, ser possível um fulano com nítida propensão (existe um histórico de antecedentes neste caso concreto e existem exemplos como o de um antigo presidente israelita, provado na mesma culpa, para vermos que a coisa é possível de acontecer) para os excessos na conduta.
Não acredito numa divisão entre o público e o privado quando estão em causa líderes de nações ou de instituições multinacionais poderosas que possam estar envolvidos em actos criminosos ou mesmo que possam indiciá-los.
Assumo: exijo saber se um líder político é pedófilo. É um direito meu. Jamais votaria em tal criatura ou lhe admitiria sequer o acesso aos corredores do poder. Se é crime deixa de ser privado e passa a público por inerência.
Da mesma forma, e porque não advogo caças às bruxas com base naquilo a que grandes economistas da nossa praça chamariam pintelhices, não acho ser meu direito conhecer as preferências sexuais de um político. Não tenho nada a ver com isso até ao momento em que possa interferir de forma directa no exercício da função desempenhada.
Ou seja, a linha que traço entre o público e o privado passa pela que distingue um crime de um acto normal, partindo do princípio razoável de que se um político favorece qualquer grupo de interesses apenas por coincidirem com os seus a título individual isso é criminoso e lá temos que arrastar algo do foro privado para o domínio público.
Assim sendo, não vejo porque os políticos não são submetidos a provas ainda mais rigorosas do que aquelas com que tentaram perceber-me capaz de utilizar uma arma com bom senso ou de tomar uma decisão racional sob circunstâncias extremas. O princípio é o mesmo, evitar que pulhas e outros indesejáveis possam ter acesso a poderes que interfiram de forma directa no quotidiano dos cidadãos.
E gostava de conseguir dar um palpite acerca de quantos líderes restariam no activo depois de submetidos a tais provas de admissão, mas porque preciso de acreditar nos mecanismos democráticos acho que iria sempre pecar por excesso...
Ainda haveremos de conseguir algo?!...
ResponderEliminarNão faço ideia, mas há que tentar.
ResponderEliminar(Ia jurar que havia mais um comentário nesta caixa ontem à noitinha...)
Um anónimo? Voou!
ResponderEliminarUm lider não ascende por essas vias. Quase nenhum cabo de Guerra, brilhante combatente ou mega empresário se faz pelas "normas".
ResponderEliminarNasce-se com um "killer instinct". Uns sâo mais competentes outros menos, mas a liderança é algo bem irracional, pois mexe com as emoções que pertencem a um campo que ainda ninguém conseguiu colocar em ordem.
Todos nós sentimos num grupo de forma subliminar e natural quem é que lidera. Não pela competência, não pelo brilhantismo particular, mas por algo a que se chama magnetismo galvanizador. E aí reside de facto o perigo pois a História tem demonstrado até à exaustão como ciclicamente paranóicos ascendem ao topo do Poder arrastando tudo com eles
No meu caso, nas organizações por onde tenho passado, tenho manifestado precisamente que me falta esse «killer instint». Não consigo persuadir alguém quando eu próprio tenho alguma dúvida.
ResponderEliminarEste é um exercício mental muito complexo, o que nos propões, Shark. O «escrutínio social» - vamos chamar-lhe assim por mera comodidade de raciocínio - a que deveriam submeter-se todos os putativos dirigentes de qualquer coisa nunca existe, para além dos consabidos compadrios ou, no limite, na capacidade demonstrada para a ausência de escrúpulos.
ResponderEliminarE não existe pela liminar e cristalina razão que, a existir, subverteria toda a lógica mafiosa em que se fundamenta a dominação actual do mundo.
Episódios como o do homem do FMI ou os abusos sobre crianças por parte de elementos da Santa Madre Igreja são faces da mesma moeda: ocorrem pela presunção de poder ilimitado que se lhes entranha na pele, aos «poderosos».
E sustentam essa presunção em algo muito palpável: o tráfico de influências.
Entretanto, como esse pântano é de abrangente lodaçal, se e quando as correlações de forças não «pintam», os tapetes podem ser, de súbito, retirados e os prevaricadores expostos quando menos esperam.
Neste caso do tipo do FMI, por exemplo, tenho para mim que o que ocorreu terá sido um misto: o gajo tem uma pancada qualquer que o leva a ter um fraquinho por camarareiras ou lá o que seja; até ver, tem-se safado, porque é um dos tais «poderosos» e a coisa até lhe tem trazido uma «confortável» aura de garanhão. Mas, agora, esse fraquinho foi bem aproveitado por alguém, que o soube tramar em momento oportuno porque desfavorável... e aí está a palhaçada, de que somos tristes mirones.
O que é terrível, tremendo e obsceno é que, se calhar, politicamente, ele seria hoje um elemento a preservar contra os desmandos instalados. Aquilo a quese chama, eufemisticamente, um «moderado». E, pelos vistos, demasiado incómodo para ser aturado.
Há dias as minhas filhas fizeram comigo algo que é raro: passear pelo campo. Numa horta, perguntei-lhes se sabiam o que era uma determinada planta. Como não sabiam, arranquei uma delas. E ficaram muito admiradas por verem pequenas batatas agarradas às raízes.
ResponderEliminarEstamos cada vez mais afastados da realidade.