maio 11, 2011

A misteriosa Ilha da Páscoa, Fukushima, ou a fábula da rã e o escorpião


...O que queres que eu faça? É da minha natureza...


Quando nos detemos nas misteriosas estátuas gigantes que na orla circundam a Ilha da Páscoa, a primeira impressão que nos toma é a de assombro. Constituída a sua paisagem de uma desolação que nos últimos anos tem vindo a ser muito lentamente alterada pelas politicas introduzidas, interrogamo-nos sobre a origem do povo e como foi possível terem talhado e transportado tanta quantidade de pedra em monoblocos, erguê-los, continuando sempre a construir mais e mais até uma súbita e repentina paragem. Existem, a atestar este facto, sítios onde estátuas de diversos tamanhos, algumas gigantescas, ficaram com o trabalho a meio de ser concluido e outras completas mas certamente intransportáveis.
Os estudos arqueológicos e antropológicos levados a cabo trouxeram à luz do dia parte da história daquela ilha envolta em mistério, que se descobriu ter descambado em tragédia. Descoberta e habitada por Polinésios após longa viagem – quiçá perdidos por via duma tempestade -, rapidamente as gerações sucessivas se dividiram em tribos e iniciaram a estranha e fascinante construção competitiva de estátuas protectoras. Ao que se julga saber, cada tribo empenhava-se por construir uma estátua maior que a da tribo rival, numa toada em constante crescendo. O transporte era feito recorrendo a troncos de madeira sobre os quais as imensas estátuas eram deslocadas até aos locais escolhidos. A madeira servia ainda para a construção das habitações e das canoas com que eles, sendo um povo do mar, se dedicavam à pesca. O processo de desflorestação terá levado séculos. Ao mesmo tempo que a população aumentava, os recursos da ilha iam-se reduzindo e o coberto vegetal, com toda a sua riqueza faunística, ao não serem observados os intervalos de tempo necessários à sua renovação, acabou por desaparecer. Os Rapanui, nome pelo qual os remanescentes habitantes da ilha se intitulam, acabaram por ficar privados do seu recurso mais precioso, a madeira, e sem ela nem podiam transportar as estátuas, nem construir lares e muito menos canoas, nem para pescar e muito menos para sairem na procura de outros destinos, pelo que acabaram por envolver-se em lutas fratricidas pela posse dos recursos remanescentes, tendo resvalado por fim e tragicamente para o canibalismo...

Impõe-se neste ponto da narrativa fazer uma paragem para reflexão: Não teriam os chefes, mais velhos e sábios, a determinado momento, observado que não deveriam continuar a desbastar de foram intempestiva as árvores, que mais tarde lhes fariam falta?
Penso que sim. A idade traz sabedoria e abater uma floresta para transporte de estátuas, privando uma área determinada de caça e expondo os solos à erosão numa ilha pequena onde a terra é escassa, é um dado que ressalta ao mais elementar bom senso.
Então, porque continuaram eles a construir e a transportar as estátuas até esgotarem todos os recursos da ilha em matéria de madeiras, condenando-os definitivamente a permanecer num sítio sem alternativas?
A resposta reside numa característica humana: a sua natureza.

Lembramos a este propósito a fábula da rã e do escorpião. O escorpião pretendia atravessar um rio e, para esse efeito, pediu encarecidamente a uma rã que o fizesse transportando-o às costas. A rã, sabedora do mau feitio do escorpião, consentiu na proposta mas avisando o escorpião que, se a mordesse, acabariam por morrer os dois. Iam ambos já no meio do rio, quando o escorpião de repente mordeu a rã. Incrédula e desesperada a rã gritou:
- Escorpião!... Escorpião!... O que foste fazer... Assim morreremos os dois...
- Eu sei...
- Mas então... porquê? Porque é que me mordeste?
- O que queres que eu faça? - respondeu o escorpião - é da minha natureza...

Saltando da ilha para os tempos actuais, vemos como nada mudou na natureza humana.
Os cientIstas não saberiam dos imensos riscos que as centrais nucleares comportam?
Os acidentes que tem havido não são o aviso de que “nesta ilha que é o planeta”, qualquer dia não haverá um só sítio onde se possa viver sem que esteja fatalmente contaminado? A lei de Murphy é uma curiosidade, ou um facto estatístico cientificamente comprovado?
O paradigma económico baseado na energia que deixa como herança radiações e a desolação, é afinal o quê?
Que sentido faz um futuro sem Futuro? A ilha da Páscoa não ensina nada?
Quando os mega especuladores encetaram o movimento de produtos financeiros chamados agora eufemisticamente de “tóxicos”, não saberiam de antemão de que, tal como no jogo da pirâmide, - e seguindo as curvas de Gauss -, fatalmente se atingiria o ponto crítico e consequente ruptura?
Sabiam, sabia toda a gente, mas todos os Bancos a nível mundial continuaram a investir nas estátuas das acções que destruiriam a ilha da economia.
Então, como agora, o mais importante é o Poder, nem que não sobre uma única árvore, um único peixe, um único homem: no fim é o Dinheiro que reina, não o Homem, tal como a desolação povoada de Estátuas na Ilha da Páscoa demonstra.
Tal como os Rapanui, mais importante que a sensatez é o despique, nem que seja à custa da depredação total do mais importante à sua sobrevivência. Exactamente como o escorpião disse, é da sua natureza.


Charlie

14 comentários:

  1. Há tanto tempo que não ouvia falar dos Rapanui, ganda Charlie.
    Bela posta, parceiro, e nada a obstar ao acerto do respectivo conteúdo. É mesmo como dizes, pá.

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  2. Ah camaradas: Tubarão e Sãozinha...
    A luta continua, pázinhos :D

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  3. Só não me peçam para vos levar às costas!

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  4. O que é ainda mais dificilmente interessante, caro Charlie, é a propensão, depois de tudo o que descreves e que eu teria gosto em subscrever, que nós, humanos, temos para chamar de e tratar como estúpidos, anormais ou anacrónicos todos quantos não pensam do mesmo modo... É assim, um mundo pequeníssimamente grande.

    E a rã da fábula, se sobreviver, voltará a transportar escorpiões ou, mais avisadamente, da próxima vez que for assediada manda o escorpião para a mãezinha que o pariu, a fim de que ela o ensine a nadar?

    Se for da natureza das rãs, para além de serem moles e saltadoras, serem estúpidas... nada a fazer. :-(»

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  5. Somos rãs engolidoras de sapos.

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  6. (Com escorpiões às costas...)

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  7. Na parte de sapo que me cabe é carregar como todos nós com os encargos que o Estado nos impõe à base de dentada de lacrau.
    A verdade é que temos todos uma propensão do caraças para brincar com o perigo eminente, com o fogo se quisermos.
    Como diz o colega Orca, preferimos ser antes escorpiões do que sapos moles e (aparentemente) estúpidos

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  8. Bem, venha o diabo e escolha (a maior estupidez)...

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  9. A estupidez é algo que deveras me intriga.
    Confunde-se de forma nubelosa com características que são apreciadas, tais como a perseverança, espírito de sacrificio e empenho. Quantas vezes chamamos estúpidos aos que insistem vezes sem conta sem qualquer resultado ou proveito? Por outro lado, se após repetidas (e estupidas) insistências algo de positivo sai do porfio, então eis que de estúpido passa a génio, trabalhador, empenhado e demais pangericos.
    Assim.... apetecer-me ia dizer que estúpido, estúpido, sou eu mesmo, que estou com soninho e não consigo escrever nada de jeito....

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  10. Bom dia, estúpido (o dia! o dia!)

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  11. Obrigades, ó colega, pá.... ;)

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  12. Isso é um cumprimento à moda da tropa?...

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